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Giovani Ferreira

Votar o quê?

Depois de quase quatro anos de polêmica, o novo Código Florestal Brasileiro tem a maior de todas as suas chances de ser votado em definitivo. Mas como é mais uma chance, a votação ainda não está garantida e pode ser obstruída. O acordo para levar a matéria ao plenário da Câmara dos Deputados continua não agradando parte importante da base aliada, inclusive dentro das fileiras do PT. O projeto de lei, que volta à Câmara depois de ter sido modificado no Senado, abstém-se de legislar sobre as áreas de agricultura consolidada. O texto não define o que deve ser preservado ou recuperado às margens dos rios, por exemplo.

O deputado Paulo Piau, relator do projeto, alega que não é possível definir parâmetros únicos para todo o país. Ele entende que cada bioma deve ser tratado de maneira específica, de acordo com as necessidades locais, e que devem ser estipuladas faixas e porcentuais de acordo com a estrutura fundiária de cada região, respeitando a realidade das pequenas e grandes propriedades. O discurso do parlamentar procede, é óbvio e tem lógica. Mas não é nenhuma novidade. Da maneira como está sendo colocado até parece um fato novo, que justificaria excluir do texto e postergar algumas definições, sob pena de comprometer a votação do novo código. A faixa de preservação às margens dos rios e outras áreas de conservação, como encostas de morros, várzeas e fontes de água, desde sempre foi a questão mais polêmica da discussão.

O único ponto pacífico, então, é que não existe consenso. O acordo para votar a matéria não significa que houve concordância na definição das regras. Ao contrário, certas definições tiveram de ser excluídas para que o código possa ir ao plenário. Na teoria, caso o relatório do deputado Piau seja votado, a proposta da nova legislação ambiental já nasce, ou renasce, precisando de reforma. A primeira delas para definir as faixas de preservação e recuperação que, infelizmente, estão fora do texto atual. No mínimo lamentável, a considerar a relevância desse critério, tanto à produção quanto à preservação.

Que a definição dessas faixas não pode ser linear para todo o Brasil, essa é uma realidade que precisa ser respeitada. Contudo, o fórum mais adequado e qualificado para essa discussão é o Código Florestal. O Brasil está perdendo a oportunidade de encaminhar o tema em definitivo. Tratar de particularidades em separado é correr novos riscos e continuar na insegurança. Votar o texto da forma como ele foi encaminhado à presidência da Câmara, na quinta-feira da semana passada, põe fim a um processo, mas não à polêmica, que só deve se intensificar.

Discutir caso a caso é uma necessidade em um país de extensões continentais. Mas a discussão e as decisões devem ser concentradas no governo central e não delegadas a outros órgãos ou aos estados, como chega ser cogitado. O Executivo e o Legislativo federal não podem abster-se de estabelecer regras, orientar e fiscalizar temas como meio ambiente e produção agrícola e pecuária. Isso é condição ao desenvolvimento econômico, social e sustentável. Mais do que isso, é equilíbrio e convivência, pacífica, ordeira e segura. As realidades e as regiões são distintas, mas o Brasil é um só, como também deve ser a legislação. Desde que se respeite, é claro, a diversidade e as particularidades regionais.

Outro fator que preocupa é que diante das divergências surge um jogo político, de interesses e de poder. Seara em que a base fica rendida, refém da informação. Do produtor rural aos ambientalistas, até mesmo a representação da classe surpreende-se com cada relatório. Apesar do longo tempo e do intenso debate, a desinformação ainda prevalece. O assunto não é somente de interesse, mas de utilidade pública, embora não esteja sendo tratado como tal. Tenho certeza que nem mesmo os parlamentares estão seguros e devidamente informados sobre os encaminhamentos e suas conseqüências, quem dirá a população.

O deputado Paulo Piau tocou a relatoria do jeito mineiro, sem pressa e com viés conciliador. Com sua formação e atuação de agrônomo e pesquisador, o relator se permitiu deixar sua marca pessoal com a sugestão de mudanças no texto. Algumas alterações são subjetivas e não comprometem a essência dos dispositivos. Outras, porém, mudam o escopo e provocam mudanças no mérito da proposta. Pode estar aí, mais uma vez, o entrave na votação, já que não há mais prazo. A margem para negociação antes de ir ao plenário é curta. A matéria deve entrar na pauta amanhã.

Agora, seja qual for o resultado, se o código entra ou não em votação, vale a reflexão do custo para sociedade pela falta de entendimento, indefinições e acordos que não privilegiam o mérito da discussão, mas o fim dela. E o que é pior, a qualquer preço. Porque o passivo continua e o ônus é cada vez maior. Resolver pela metade não é resolver, mas criar outro problema, abrir um novo debate e uma nova polêmica em cima do mesmo tema. É pagar o preço dobrado, viver na insegurança e numa discussão eterna. Mas vamos esperar, acompanhar e se preciso protestar. É amanhã, em Brasília.

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