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Míriam Leitão

A briga da CPMF

A CPMF está sob ataque. Alguns motivos são bons. A contribuição nasceu como provisória, mas os governos a querem para sempre; seja governo tucano, seja petista. O contribuinte quer que provisório seja aquilo que tem fim à vista. Outros motivos de ataques não são assim tão meritórios: a base tenta arrancar concessões do governo. Mesmo aprovada na CCJ da Câmara, a CPMF terá uma corrida de obstáculos e não se sabe como chegará ao final.

O governo pode aprovar a CPMF na Câmara, mas terá que entregar vários tesouros. O primeiro foi Furnas, uma pedra chave no xadrez energético. Vejam a insensatez: o governo deixou a Infraero ser loteada politicamente e já sabe que o resultado foi desastroso. Agora começa o mesmo movimento para ocupar com o garotismo a empresa que estará no comando da obra mais cara do PAC. É isso que significam os condes e as cunhas na estatal. Pode-se concluir que este governo, entre outros defeitos, tem o de não aprender com os próprios erros.

O curioso nesta votação da CCJ é que o governo terá que encaminhar contra o relatório do deputado Eduardo Cunha, que é o patrocinador da indicação de Conde para Furnas. Pode-se dizer que o governo está pagando um preço sem levar a mercadoria, que é uma aprovação mais fácil da CPMF. Cunha ameaçou com a transformação da contribuição em imposto – o que significa dividi-la com os estados – e, depois de amplamente acusado na imprensa de estar fazendo esse jogo, não teve como voltar atrás. O governo terá que lutar contra um parecer de deputado da base atendido em seus pedidos. Só assim conseguirá aprovar a PEC original. E toda essa batalha apenas na CCJ, que é a primeira etapa de uma longa briga que terminará, na melhor das hipóteses, em outubro.

Depois da CCJ, a prorrogação da CPMF vai ser discutida no mérito na Comissão Geral. O governo tem maioria na Comissão, como tem em plenário, noves fora as traições comuns em certos partidos da base. Mas, se fizer várias concessões, pode atender todas as tribos abrigadas no balaio-de-gatos da sua base de sustentação. Isso significa que ela pode ser aprovada, mas será num processo penoso e caro.

No Senado, haverá mais dificuldade de aprovação, porque a oposição – inventora do provisório que veio para ficar – está armada contra o imposto e pode atacar em duas frentes: unindo-se aos estados e municípios para tirar um naco da rica contribuição, ou impondo um cronograma de redução da alíquota para agradar ao contribuinte. É bom lembrar que o PT defendeu várias vezes no passado a idéia de uma redução gradativa na alíquota até que a contribuição fosse apenas uma arma para a fiscalização tributária.

Alguns economistas e tributaristas têm dito que, feitas todas as contas, a CPMF, que equivale a 1,4% do PIB, não é mais necessária. O governo está com aumento da arrecadação além do previsto e já poderia prescindir do imposto. O economista Fábio Giambiagi, do Ipea, acha que o melhor é ir reduzindo a alíquota.

– Pode ser meio temerário abrir mão completamente agora. Atualmente não há nada de emergência fiscal, o país está crescendo e a receita também: devemos fechar 2007 com o superávit primário em torno de 4,2%. Assim, seria possível considerar uma margem de perda de receita no ano que vem. Mas isso depende de quanto se abriria mão da alíquota – diz Fábio.

O governo tentará defender a CPMF, dizendo que ela tem aplicação social, mas, neste orçamento sem transparência, esse tipo de argumento não deve mobilizar defensores.

O fato é que este debate vai consumir os próximos meses. O melhor cenário para o governo será aprovar a CPMF na Câmara em setembro, passando por todos os obstáculos, e conseguir aprová-la no Senado em outubro. Isso permitiria respeitar a noventena, o prazo de noventa dias antes de a contribuição aprovada entrar em vigor, se isso for preciso. O ministro Guido Mantega disse que a noventena não era necessária. Essa é a mesma discussão que houve na última prorrogação; na época, ela não foi cumprida.

Mantega está tão assustado com o risco de perder a CPMF que acenou até com a desoneração da folha salarial. Ora, a desoneração deveria ser feita para aumentar o ritmo de criação de empregos. Ele admitir essa moeda de troca só revela que o governo sobreviveria ao corte em impostos e taxas que recaem sobre o trabalho no Brasil.

O governo corre o risco também de se preocupar tanto com a CPMF e esquecer a DRU, que flexibiliza 20% das receitas com destino fixo. Se descuidar da DRU, perde outro naco do dinheiro disponível no Orçamento. Nesta confusão, o governo também começa a falar em reforma tributária. Que chance há de, no tiroteio pró e contra CPMF, tramitar uma reforma tributária, mesmo que ela seja boa?

Este segundo semestre legislativo tem ainda que dissolver o caroço do caso Renan Calheiros. O presidente do Senado caminha para perder o cargo e talvez até o mandato, mas o processo tomará tempo dos parlamentares. Vai ser um semestre movimentado na relação com a base parlamentar.

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