A Previ já perdeu R$ 15 bilhões com a queda da bolsa, mas continua com superávit. Todos os fundos perderam parte do que ganharam nos anos anteriores. Os bancos já apertaram o crédito para as empresas. Os juros vão reduzir o crescimento do ano que vem. A queda das commodities reduz renda no país. Há vários canais pelos quais uma crise pode chegar ao Brasil, mesmo a economia estando bem.
Quando o dia termina melhor do que começa, como ontem, aí mesmo é que é preciso lembrar que não existe país blindado contra crise global. O economista Ilan Goldfajn acha que o Brasil precisa evitar cometer um velho erro: o da síndrome da "ilha de tranqüilidade", de país blindado contra a crise. Foi esse o erro que o Brasil cometeu no fim dos anos 70. Diante da segunda crise do petróleo, as alternativas eram: reduzir o crescimento, e ajustar a economia à nova realidade de baixa liquidez e pressão inflacionária, ou acelerar o crescimento. O país escolheu a segunda e colheu uma recessão no começo dos anos 80.
Não dá para fingir que não tem crise. O país não pode cometer excessos como o crescimento do crédito a 30% e aumentos altos de gastos com funcionalismo, disse Ilan.
Efeitos da crise chegarão, mais cedo, mais tarde. Depende de como as autoridades lidam com essa necessidade de adaptação à nova realidade.
Há efeitos temporários e que já chegaram, como a queda da bolsa. Os ativos vão se recuperar algum dia, mas independentemente da alta de ontem, desde maio a tendência é de queda. Os fundos de pensão privados e públicos foram afetados porque têm uma grande parte dos seus ativos em renda variável. O secretário de Previdência Complementar, Ricardo Pena, garante que eles continuam com superávit.
São 370 fundos ao todo, que têm em média um terço dos seus ativos em bolsa, mas os grandes fundos, Previ, Petros e Funcef, têm uma exposição maior. Uma grande parte da carteira, as ações estão registradas pelo valor econômico e não pelo valor de mercado. Isso significa que os ativos não oscilam com a bolsa. Eles têm sido monitorados. O sistema tinha um superávit de R$ 76 bilhões no fim do ano passado, disse Pena.
A partir de maio, a bolsa começou a cair e o superávit encolheu. O presidente da Previ, Sérgio Rosa, disse que o fundo teve uma perda de R$ 15 bilhões com a queda da bolsa nos últimos meses, mas segue com superávit. A Previ tem quase tudo marcado a mercado, exceto as ações das empresas das quais participa do controle, como a Vale, que estão registradas pelo valor econômico.
Fomos muito conservadores no cálculo do valor econômico e só agora é que o valor de mercado está se aproximando do que está registrado, disse Rosa.
Pena lembra a natureza do negócio dos fundos de pensão.
Eles têm passivo para ser pago nos próximos anos e décadas. Portanto, não é a oscilação de hoje que vai ameaçar o fundo.
Ilan disse que essas perdas dos fundos são, na verdade, redução do ganho.
Os fundos estão voltando à situação que tinham em janeiro de 2007.
Além das bolsas do mundo, que estão todas ligadas pelo efeito da administração do portfólio de grandes investidores, outro canal pelo qual a crise pode chegar a um país é pela exposição dos bancos aos ativos de risco norte-americanos. Isso é que aconteceu na Europa e na Ásia. Já o Brasil não tem sinal de que os bancos carreguem os derivativos do mercado imobiliário norte-americano. Ilan acha que essa proteção o Brasil tem até pelos seus defeitos.
O Brasil ainda é muito fechado. O investidor médio não tem hábito de remeter recursos para o exterior porque sempre acha que todas as formas de remessa são ilegais. O Brasil tinha um pequeno mercado imobiliário, por isso não teve uma bolha.
As regras brasileiras para o mercado segurador impedem que as reservas técnicas das seguradoras possam ter títulos estrangeiros. Essa é a resposta dada pelo Unibanco para provar que não há problemas na carteira do Unibanco AIG, apesar da crise do AIG nos Estados Unidos. Além disso, a seguradora é controlada e administrada pelo Unibanco.
Os juros excessivamente altos no Brasil comparados aos do resto do mundo foram também um desincentivo à procura por papéis de alto risco e de maior rentabilidade. Essa é uma das razões pelas quais o mercado brasileiro não está exposto ao risco do mercado imobiliário norte-americano.
O Brasil, protegido pelas suas virtudes e pelos seus defeitos, tem estado longe do centro da turbulência. Mas os efeitos na economia real chegam de forma indireta.
Com a queda das commodities, o Brasil vai ficar menos rico; é perda nos termos de troca. A queda da soja afeta diretamente, mas não somos tão dependentes das commodities como a Nova Zelândia e a Austrália, que já estão em recessão, disse Ilan Goldfajn.
Há vários pontos da conjuntura brasileira que podem ser afetados direta ou indiretamente pelas oscilações dos mercados, pela estagnação norte-americana, pela queda do crescimento mundial. Não é prudente repetir o velho erro do governo militar, que se ufanava de o Brasil ser uma ilha de tranqüilidade e não se preparou para a crise que nos engoliu uma década.
Com Leonardo Zanelli.