O ponto mais curioso do momento atual é que governo e oposição têm sido sócios nos avanços brasileiros – e nos problemas. A união fica mais clara nos dados da Pnad. A desigualdade cai desde o Plano Real. O mercado de consumo se amplia e os lares ficam mais bem equipados. Até nos erros, os governos de PSDB e PT se parecem: ambos aumentaram os gastos públicos mais do que o crescimento do PIB.

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O PT é prisioneiro da síndrome do "nunca antes". Por isso não tolera os abundantes fatos que mostram uma continuidade entre os dois governos, que faz o Brasil ser hoje uma sociedade com mais consumidores, menos desigualdade, mais escolarização.

Numa entrevista recente que fiz com Guido Mantega, o ministro da Fazenda defendeu a tese de que está se criando no Brasil o "mercado de consumo de massas", que na opinião dele é obra exclusiva do atual governo. Citou o aumento do crédito, o bom momento da construção civil e as vendas de computadores como provas de que é do governo Lula a obra de criação do mercado de consumo de massas.

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Haveria ampliação do crédito sem o Plano Real ter dado certo? Poderia haver bom momento da construção civil se os juros não tivessem caído? E os juros cairiam se não fosse mantido tudo aquilo que estava aí quando o governo Lula começou: metas de inflação, câmbio flutuante, autonomia do Banco Central, Lei de Responsabilidade Fiscal, superávit primário?

Recordar é viver: Lula, o PT e seus economistas foram contra o Plano Real, queriam acabar com o Copom e baixar os juros bruscamente, entraram no Supremo contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, diziam que o superávit primário era para dar dinheiro aos banqueiros, fizeram um plebiscito para não pagar a dívida externa e interna e foram ferozes inimigos da abertura comercial. Lula, PT e seus economistas defenderam, durante várias campanhas, que a inflação se controlava com medidas toscas, como câmaras setoriais que negociariam controle de preços e salários. Contra a turbulência externa prescreviam controle cambial. Ainda hoje, o que o PT reunido tem a oferecer ao país é a idéia passadista de reestatizar a Vale do Rio Doce.

O fato mais auspicioso da economia brasileira foi a continuidade. Quando Lula foi eleito e fez o oposto do que durante 20 anos disse que faria quando chegasse ao poder, o país superou um fator de risco que sempre o ameaçara. Assim, o país pôde continuar a colher o que plantara desde o começo dos anos 90, como a privatização, o fim dos bancos estaduais, a abertura da economia, a modernização das empresas, a estabilização, a abertura.

Os avanços sociais se deram em cima da estabilização da economia. Sem uma moeda estável não há recuperação de renda que avance. Sem uma moeda estável e uma economia aberta, não haveria a competição entre as empresas que levou à queda dos preços de bens de consumo duráveis. Foi essa queda de preços que tornou acessíveis os bens eletrônicos às famílias até de renda mais baixa. Foi a privatização da Telebrás que fez o salto dos telefones nas casas e nas mãos dos brasileiros. Privatização que Lula combateu até na última campanha eleitoral. Hoje existem 106 milhões de celulares no Brasil. Antes da privatização, dois milhões. O Brasil teria conseguido acompanhar as mudanças vertiginosas nessa área sem a privatização? Hoje existem 74,5% de domicílios com telefone no país. Na época da estatal eram apenas 19%.

O governo FH foi a era do telefone, o governo Lula está sendo a dos computadores. Parte do sucesso é a manutenção da moeda forte, e parte é uma redução setorial de impostos aprovada no governo Lula. O resultado é que o mercado de notebooks e desktops no Brasil saiu de três milhões para dez milhões de unidades por ano na era Lula.

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O governo Lula tem vários méritos, e eles estão expostos na Pnad, para alegria de todos. Ele só não tem o mérito inaugural que pensa ter em tudo o que está dando certo. Por outro lado, os governos FH e Lula erraram igual em algumas coisas, como o péssimo desempenho na área do saneamento.

A repórter Flávia Barbosa fez uma observação interessante na edição de sábado: o governo FH foi o avanço na educação, o governo Lula, na renda. De fato, a renda, que deu um salto após a queda da inflação, depois caiu por anos seguidos e está se recuperando agora. E o avanço de educação no governo FH é incontestável. Só um dado: o analfabetismo de 10 a 14 anos era de 12,4% em 92 e, ao final da era FH, era de 3,9%. Agora é de 2,9%. Foi exatamente na educação o pior erro de Lula. O erro foi não ter continuado o trabalho que estava sendo feito. Durante quatro anos o governo Lula tentou inventar um novo caminho, mudar indicadores e prioridades na educação, área onde, nas palavras de Armínio Fraga, o "Brasil não pode perder 15 minutos". Por causa disso colheu dois números horríveis na Pnad do ano passado: aumento do trabalho infantil, aumento da evasão escolar na adolescência. Mesmo assim, há alguns fatos a comemorar, como a entrada de mais negros e pobres na universidade através do Prouni e das políticas de inclusão social e racial.

O Brasil tem tanto a fazer que é até ridículo haver disputa de paternidade dos avanços. O país melhora em relação a ele mesmo, mas está longe do que deveria estar nessa altura dos acontecimentos. Uma lição esta Pnad traz: a continuidade das políticas é a mais eficiente das escolhas.