A situação política na Bolívia permanece grave, mesmo com a melhora nos ânimos de ontem e a reunião entre governo e oposição de hoje. A eventualidade de uma deterioração do conflito tem que estar nos cenários das autoridades brasileiras. Diante disso, é preciso se preparar para o risco de desabastecimento de gás. Situações explosivas como essa podem ficar incontroláveis.

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No episódio curto de redução do abastecimento de gás se viu uma correria das autoridades para preparar um plano de contingência. Foi apenas um susto. Ou um aviso. Diante disso, é melhor avaliar a dimensão da nossa dependência ao gás da Bolívia e o que pode ser alterado de imediato. Hoje, no país, 7 milhões de metros cúbicos de gás (m·), o que equivale a 20% do gás importado, são usados como combustíveis para carros. E o gás veicular ainda é incentivado. Cortar simplesmente seria absurdo, até porque os taxistas foram incentivados por impostos, e palavras, a fazer a conversão. Mas criou-se uma situação absurda, da qual é inevitável procurar uma saída que não dê prejuízo aos taxistas. O ideal seria incentivá-los a trocar de novo para álcool, que é igualmente limpo e produzido em casa.

A demanda de gás natural do Brasil é de 50 a 60 milhões de metros cúbicos por dia. Deste total, metade, 30 milhões, é importada da Bolívia. O restante da demanda nacional é abastecido pela Petrobras. Esses são dados da própria empresa, que não conseguiu, nos últimos anos, aumentar sua oferta do produto, deixando com que o país seguisse dependente do gás boliviano – que abastece 70% de São Paulo e do Sudeste e 100% do Sul.

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– Se tiver algum problema no abastecimento de gás da Bolívia, o governo brasileiro vai pagar a conta. Nos últimos cinco anos, a Petrobras não conseguiu aumentar a oferta de gás para fugir da dependência. O primeiro passo do governo, caso tivesse algum problema de fornecimento, deveria ser o de aumentar o preço do gás, para conter a demanda – diz Adriano Pires, do CBIE.

Uma conta feita pelo diretor da consultoria Gás Energy, Marco Tavares, mostra o tamanho da dependência brasileira. Se a interrupção no fornecimento de gás da Bolívia for de até 8 milhões de metros cúbicos, as medidas são mais simples. Como os reservatórios estão cheios, basta substituir a fonte de energia, utilizando também as térmicas movidas a outros combustíveis. Se a queda for entre 8 milhões e 15 milhões de m·, teria de substituir o gás em grande parte das indústrias, usar combustíveis mais caros nas refinarias e estimular a troca do GNV, nos táxis e carros, por álcool, ou, na pior das hipóteses, por gasolina.

O problema está numa interrupção maior.

– Se recebermos menos da metade do gás boliviano, aí não tem mágica: será necessário um racionamento. Vai ter de cortar de todo mundo. Neste caso, teria de ter o famoso comitê para discutir as formas de racionamento, mas ele não existe. É mais um complicador – explica Tavares.

No caso de racionamento, existe ainda o complicador político das medidas impopulares.

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– Na Argentina, quando houve o racionamento, não se cortou dos taxistas, porque isso bate diretamente na população. Neste caso, é mais fácil para o governo cortar o gás que vai para empresas do que o GNV – diz Pires. Por mais paradoxal que possa parecer parar a produção industrial de um país.

Até 2012, a Petrobras pretende aumentar a produção de gás do Brasil, que segundo ela ficou em 52 milhões de metros cúbicos por dia em agosto, para 73 milhões. Porém, para atender a demanda que a própria empresa estima para 2012, de 134 milhões de metros cúbicos, ainda seria necessária a importação dos 30 milhões de metros cúbicos de gás da Bolívia e 31,1 milhões de metros cúbicos de gás natural liquefeito (GNL).

A Petrobras diz que os navios para regaseificação do GNL estarão funcionando em outubro deste ano, no Porto de Pecém, no Ceará, e até o fim do primeiro semestre de 2009 no Rio de Janeiro. O projeto do Ceará deverá ter capacidade para 6 milhões de m·/dia. O do Rio terá capacidade para 14 milhões.

– O GNL reduz a dependência da Bolívia, mas é mais caro e a Petrobras deverá repassar esse custo para a cadeia do gás. Além disso, o terminal do Ceará não resolve o problema do Sudeste, pois o gás só poderia chegar ao norte do Rio de Janeiro. O GNL de Pecém pode gerar energia térmica por lá, e reduzir o consumo de energia elétrica no Sudeste. Só neste ponto ajudaria – conta Marco Tavares.

O Brasil já teve três momentos de tensão em relação ao envio de gás da Bolívia. O primeiro foi em 2004, quando Evo Morales, na oposição, bloqueou estradas e o escoamento da produção de líquidos associados ao gás ficou prejudicado. Outra foi quando o deslizamento de morros mostrou a fragilidade com que eram construídos os dutos. O último foi na crise atual boliviana.

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Investimentos em infra-estrutura foram feitos, mas não na velocidade necessária. A Petrobras não aumentou a oferta de gás. Outro problema é o conflito regulatório: o governo faz a política federal de gás, mas a distribuição nos estados é feita pelas empresas estatais.

O gás natural tem a grande vantagem de ser menos poluente. O ideal seria aumentar o consumo no país e aumentar a importação da Bolívia. Mas o ideal choca-se com os fatos, neste momento.