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Míriam Leitão

Dia da gangorra

Não há porto seguro quando os mercados financeiros se interconectam. O contágio se dá nos bons e maus momentos. Ontem foi num mau momento. Toda a Ásia caiu, a Europa ficou negativa, os Estados Unidos operaram nos boatos, e muita gente vendeu no Brasil para cobrir prejuízos. A conexão é conhecida, mas o sobe-e-desce nesta quinta-feira foi vertiginoso. Nos últimos anos, o contágio internacional nos puxou; ontem nos derrubou.

O dia foi particularmente difícil para todos os mercados, indicando que quedas e recuperações continuam ao sabor dos acontecimentos. O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, mesmo com toda a sua experiência de crise, achou que o dia foi intenso demais:

– Em relação a outras crises, o mercado cresceu, tem mais gente, mais conexão entre mercados; há mais produtos, mais sofisticação. Tudo ficou maior. O UBS tem um indicador de tensão que, nesta quinta-feira, registrava um nível maior que na quebra do LTCM; e que na queda das Torres Gêmeas.

A diferença, diz ele, é que o Brasil está efetivamente muito melhor que em outras crises. Nos últimos anos, o país se livrou de vários fatores de risco. A dívida externa pública despencou; as reservas multiplicaram-se por dez em cinco anos; várias dúvidas sobre a política monetária e cambial foram dissipadas. Isso, embora não garanta uma blindagem, deve ajudar bastante caso agora se instaure uma temporada mais difícil.

O problema é que, quando a liquidez fica escassa, o medo substitui a ganância dos mercados, a aversão ao risco sobe, todos os defeitos que os países e as economias têm passam a ser vistos. Por isso, se o clima de crise continuar, o mercado começará a contabilizar o que o Brasil não fez.

O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, acredita que não se pode falar de crise ainda, e que o que está havendo é um episódio que vai se refletir por várias semanas em volatilidade nos mercados. Mesmo com essa visão mais otimista que outros analistas, acha que o Brasil perdeu tempo:

– O melhor momento da economia internacional passou. O aumento dos gastos públicos brasileiros é insustentável e se baseia num aumento da arrecadação também insustentável.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor internacional do Banco Central no governo Lula, admite que esse é o ponto de fragilidade:

– Nós trabalhamos no BC desde o primeiro governo Lula para reduzir as fragilidades. Esse foi o objetivo da acumulação de reservas. Mas a questão fiscal continuou sem ser resolvida. Havia o mito de que o problema fiscal brasileiro eram os juros altos que comprimiam os outros gastos. Não é isso, os gastos aumentaram mesmo.

Entrevistei os dois no programa "Espaço Aberto", da Globonews. A visão que eles sustentaram de que o mundo não vive ainda uma crise, mas, sim, está passando por um episódio forte, de conseqüências em vários mercados, é reconfortante. Pastore alerta que, por várias semanas, haverá dias de melhora e de piora, mas ainda não é crise.

– Crise só haverá se quebrar um bancão – disse.

Por enquanto, alguns bancos estão apenas perdendo dinheiro – outros ganhando, dependendo da posição –, mas redução de ganhos não tem maiores conseqüências. Pastore acha que a economia americana já estava num processo de redução do nível de atividade, e que isso pode ocorrer em outros países.

– A China, em algum momento, vai passar por uma desaceleração do ritmo de crescimento. A inflação está subindo – argumenta.

Com menor crescimento no mundo, haverá vários reflexos. As commodities deverão ter um preço menor, reduzindo parte das vantagens do Brasil. Elas já caíram, mas não muito.

Este cenário é até benigno perto de outros desenhados por economistas mais pessimistas. De qualquer forma, todos admitem que ainda não se sabe o tamanho da crise ou da instabilidade financeira atual. Além disso, se desconhece quem mais está com ativos podres. O quadro é de incerteza e, em horas assim, os defeitos aparecem.

– Quando o mercado está com óculos cor-de-rosa, ele vê tudo bonito, mas, quando tira esses óculos, os problemas ficam mais visíveis – admite Pastore.

Um desses problemas que ficarão visíveis, acredita Schwartsman, é a falta de investimento brasileiro em infra-estrutura. Ele acha que, apesar do sucesso da privatização da telefonia, por exemplo, o governo não continuou no mesmo rumo:

– Ele não tinha recursos para investir; o setor privado tinha. O governo não tomou decisão. Só agora, depois de cinco anos, saiu a concessão para rodovias. Tomara que aconteça.

Um governo que gasta demais, investe de menos e não tem agilidade regulatória para criar espaço para investimento privado é o calcanhar-de-aquiles do Brasil nestes momentos de tremores globais.

Luiz Carlos Mendonça de Barros acha que a situação vai se acalmar nas próximas semanas, apesar do que chama de "irresponsabilidade na concessão de empréstimos". Mas ele está convencido de que o mundo sairá desta crescendo menos.

– Esta crise é diferente das outras que enfrentamos no passado. Acontece no centro da economia global. É o mercado financeiro americano o centro da crise.

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