Assim, meio discretamente, teve início um racionamento de gás. Não se sabe quanto tempo vai durar e se vai durar , mas fato é que ontem várias empresas já começaram a ter problemas no abastecimento de sua fonte de energia. O gás serve tanto para as fábricas quanto para as termelétricas. Quando falta gás, a decisão política é abastecer as térmicas, e quem acaba ficando sem são as indústrias.
No Brasil, 80% da energia são gerados pelas hidrelétricas. No entanto, como se sabe, para elas funcionarem, é preciso a ajuda divina; neste caso, chuva. Olhando lá para a frente, o órgão regulador ficou preocupado com a escassez de água no futuro. Decidiu, então, começar a fazer estoque nos reservatórios das hidrelétricas. Com a demanda crescente por energia, para isso ser feito foi necessário aumentar o fornecimento vindo das termelétricas a gás.
Resumo da ópera: acabou faltando gás para abastecer as indústrias. Ontem pela manhã, várias empresas receberam e-mails informativos da CEG Rio de que o fornecimento estava com problemas "devido a restrições de oferta de gás por parte da Petrobrás". É a Petrobrás que fornece o gás para as distribuidoras, que, por sua vez, entrega-o às fábricas. Empresas como Bayer e Guardian (de vidros) registraram problemas.
Até ontem, a escassez vinha sendo considerada um "racionamento branco", pois a própria Petrobrás estava conseguindo redirecionar o fornecimento de gás. Mas agora deixou de ser branco e passou a ser claro: não tem gás suficiente para atender a toda a demanda.
O que acontece hoje no consumo de gás no Brasil é preocupante. A demanda total estimada, segundo a consultoria Gás Energy, é de 58 milhões de m·/dia; a oferta disponível, de 52 milhões de m·/dia. Fazendo a conta de cabeça já dá para ver que não fecha. No ano passado, o consumo interno foi de 52 milhões de m·/dia. Este ano, mesmo com o país crescendo, a demanda não tem aumentado e, sim, caído. Isso não por outro motivo que não falta de gás para atender à procura.
São vários os fatores que explicam estes problemas no abastecimento de gás. A começar, a própria falta de um planejamento bem feito. Houve, não faz muito tempo, diversos programas para estimular o aumento da demanda. Indústrias foram incentivadas a trocar sua fonte de energia pelo gás, mais limpo e mais barato. Mas agora lhes está faltando combustível. E o país terá que resolver este nó energético para continuar crescendo.
A Petrobrás produz cerca de 40 milhões de m·/dia de gás natural no país, mas apenas 55% desse volume é destinado ao consumo; a outra parte é usada ao longo do processo de produção de petróleo. Além disso, os novos campos brasileiros de gás não devem começar a produzir tão cedo.
Na Bolívia, nosso grande fornecedor, o quadro é o seguinte: o país produz 40 milhões de m·/dia. No gasoduto, cabem 30 milhões de m·/dia, mas 2 milhões de m·/dia são usados para injetar o gás. Para consumo interno boliviano, vão 6 milhões de m·/dia. O que sobra vai para a Argentina, outrora exportadora de gás, mas onde hoje falta energia. A partir de 2010, por contrato, a Bolívia terá que fornecer 27,7 milhões de m·/dia de gás para a Argentina. A única coisa que ninguém sabe é como isso poderá ser feito.
O pior, no meio disso tudo, é que a Bolívia vive hoje sérios problemas de investimento.
Existem reservas provadas na Bolívia que poderiam aumentar bem a produção em quatro anos. As petroleiras estão capitalizadas, mas falta marco regulatório. De qualquer forma, é melhor ficar lá que perder tudo. Um dos problemas é que, para se fazer investimento, é necessária a aprovação da estatal, a YPFB, e falta a ela capacidade técnica para isso diz Pedro Camarota, da Gás Energy, recém-chegado da Bolívia, onde passou 3 anos, na Repsol.
Esta escassez de gás já agora está fazendo com que a idéia de sair da Bolívia seja o país instável ou não torne-se inviável. As quatro grandes lá, Petrobrás, Repsol, BG e Total, ficaram, mesmo sob as novas regras.
Para tentar resolver os problemas no abastecimento no Brasil, a Petrobrás tem sugerido a várias empresas um "contrato firme flexível" no fornecimento: quando não tiver gás, fornece óleo combustível ao mesmo preço. Mas o processo de mudança de fonte de energia é caro; e nada trivial.
Essa escassez de agora pode até não durar tanto, nem afetar diretamente o consumidor. Mas preocupa. Até porque a expectativa é de que, só em 2010, a relação entre oferta e demanda de gás deve se estabilizar.
Para terminar: Peru Brasil
Depois que o Brasil descobriu que era visto como imperialista na Bolívia, e já era assim considerado no Paraguai, é agradável saber que os peruanos, pelo menos por enquanto, nada tem contra nós. Ao contrário.
Uma pesquisa feita no Peru pelo Instituto de Opinião Pública da PUC de lá identificou que, entre os países latino-americanos, o Brasil é o que mais desperta simpatia. Também foi considerado por 31% dos entrevistados o principal aliado do Peru. Na menção espontânea de presidente, Lula foi o mais querido. Para Farid Kahhat, professor de relações internacionais da universidade, isso "contrasta com o temor de políticos e intelectuais brasileiros quanto à imagem de potência imperialista que teriam na região".
Com muitas empresas brasileiras investindo lá, essa visão positiva do Brasil, a princípio, até pode tranqüilizar. Mas não anula o temor de que se repita, em outros países, os problemas que foram vividos na Bolívia.
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