A questão fiscal do país é um assunto complicado, meio enjoado até, mas do qual não se pode mais fugir. Ainda que os superávits primários tenham se tornado uma política de Estado, mantida mesmo com a mudança de governo, o Brasil continua num processo permanente e, de certa forma, inconseqüente de aumento de gastos. Fazendo um recorte desde o período Collor-Itamar, em todos os governos os gastos primários cresceram mais que o PIB.
Há 20 anos, o economista Fabio Giambiagi, hoje no Ipea, acompanha minuciosamente os números que contam a história fiscal recente do Brasil. No seu último artigo "17 anos de política fiscal no Brasil: 1991/2007", ele mostra que o aumento do gasto não é exclusividade de nenhum governo. Ao contrário.
As contas fiscais parecem sempre muito complexas. E são mesmo, um pouco, mas funcionam de forma parecida com um orçamento doméstico, por exemplo. Existe a receita, que vem para o governo principalmente através dos impostos; e as despesas, que são os salários, as aposentadorias, os repasses para estados e municípios, entre outras coisas. No meio da conta, está também a enorme dívida brasileira. Não a externa, que hoje já está solucionada, mas a interna, que atualmente equivale a 52% do PIB.
De 1991 a 2007, o gasto primário do governo central, que não considera o pagamento dos juros da dívida, aumentou 5,9% ao ano, em média. No mesmo período, o PIB cresceu, em média, 2,9% ao ano. O maior aumento nos gastos aconteceu nos benefícios do INSS. Praticamente toda a variação se deu, segundo diz o artigo, em gastos considerados sociais, o que deixa a questão ainda mais complexa. Paralelamente, a receita do governo central também aumentou. Em 1991, ela era de 14,56% do PIB, com uma despesa primária de 13,71% do PIB. Hoje está em 23,9% do PIB, com gastos de 21,78% do PIB. Os dois gráficos abaixo contam um pouco dessa história.
A conta até fecha, afinal despesa e receita cresceram. Mas o aumento da receita vem de uma carga tributária crescente, que está hoje já nos 34,5% do PIB.
Esse cenário mostra que há urgência em se debater o assunto. Giambiagi, defensor de uma estrutura mais sustentável, destaca em seu texto, conciliatório, que "tanto a tese acerca da irrelevância de novas reformas como a de que podemos assistir no futuro próximo a uma grande crise fiscal podem se revelar equivocadas, se a economia tiver um crescimento da ordem de 4%".
(O problema é que, infelizmente, não dá para garantir que o crescimento será dessa monta.)
De qualquer forma, a polarização que ocorre hoje no debate fiscal tem sido péssima para resolver o problema. Teses catastrofistas advêm tanto dos que são contra reformas, quanto dos que querem cortes drásticos nos gastos.
Para o país andar a passos mais largos, para poder investir mais em setores estratégicos, é fundamental que se encontrem soluções para o risco fiscal.
A demanda brasileira tem sido sempre por mais recursos. Um denominador comum em todos os governos, ao longo do processo, tem sido a resistência a estabelecer limites para o gasto comenta Giambiagi
Nesse contexto, o economista indica alguns "desafios a enfrentar"; a saber: a necessidade de aumentar o investimento público, a diminuição da carga tributária (sobre isso, Giambiagi acredita factível, com juros baixos e superávit primário, chegar, daqui a 15 anos, a 30% do PIB de carga), diminuir o aumento da dívida interna, perseguir superávits nominais aos moldes do que ocorre no Chile e conter a expansão dos gastos correntes.
O remédio indicado por Fabio Giambiagi, ao fim do artigo, é o mesmo, amargo, que o Brasil tem tentado evitar: reformas consistentes. Tanto na questão dos tributos, quanto no que diz respeito às aposentadorias e a limitar gastos do governo. Se não fizer isso, afirma o autor, o Brasil não periga quebrar, mas, sim, corre o risco de não conseguir ter um crescimento que condiz com o seu potencial.
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ACABA HOJE este meu período de interinidade na coluna. Amanhã, a super-Míriam Leitão está de volta. Obrigada, leitores. E até mais, pessoal...