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Míriam Leitão

Para além do gás

Os problemas no abastecimento de gás que aconteceram na terça-feira, sobretudo no estado do Rio de Janeiro, foram um prenúncio. Ou, para quem preferir, um sinal do que já se percebeu faz tempo: também no governo Lula, falta um planejamento eficaz do setor energético. Este episódio mostrou que consumidor, distribuidor, Aneel e Petrobrás não têm se entendido muito bem. Até no Ministério de Minas e Energia se continua improvisando. Desde a saída de Silas Rondeau, há mais de cinco meses, que o ministro é um interino.

Nada contra os interinos. Mas a pergunta que não quer calar é por que, depois de tanto tempo, não se conseguiu sequer decidir quanto a quem ocupa efetivamente o posto. Isso faz diferença. E também mostra uma clara dificuldade em se tomar decisões num setor que tem dado indícios de que é capaz de impedir que o Brasil cresça o tanto que ele, a princípio, seria capaz.

A descoberta de que não haveria gás suficiente caso fosse necessário ligar as termelétricas não foi feita esta semana. Desde 2005 (há dois anos, portanto), já se sabe que não existe gás disponível para atender todos os clientes. O gás é usado como fonte de energia para as indústrias, o comércio (principalmente em shopping centers), nos automóveis, mas também para a geração de energia.

Nesse corte que houve na terça-feira, a explicação era de que o nível dos reservatórios das hidrelétricas tinha baixado até um determinado ponto, e que, por isso, era necessário economizar a água. De fato, de um ano para cá, está diminuindo o nível dos reservatórios, mas há alguns especialistas que acham que pode ter havido um excesso de conservadorismo na decisão de interromper parte do fornecimento de gás para as indústrias. Isso porque, esperando o pior lá na frente, teriam provocado o pior já.

Segundo a Petrobrás, a suspensão no fornecimento de cerca de 2 milhões de metros cúbicos/dia (para Rio e São Paulo) foi feita seguindo orientação da Aneel. No entanto é difícil negar sua relação com a entrada de Maria das Graças Foster na diretoria de Gás e Energia. Um dos motivos por que Maria das Graças foi para essa diretoria foi justamente para cuidar do fornecimento de gás para as térmicas. Ildo Sauer, o antigo diretor, diferentemente dela, discordava dessa política da ministra Dilma Rousseff. Ele preferia dar prioridade ao fornecimento para as distribuidoras (que, por sua vez, vendem às indústrias), em vez das termelétricas. Dizia-se, inclusive, que Ildo Sauer praticava uma espécie de "overbooking" no fornecimento de gás. Firmava mais contratos do que era capaz de honrar.

Ontem à tarde, as informações eram de que o fornecimento no Rio, onde os problemas foram maiores, tinha sido todo retomado. Tanto indústrias quanto postos de GNV estavam com abastecimento normal. Pela manhã, já havia uma determinação da Justiça do Rio para que a Petrobrás voltasse a fornecer o gás natural.

A Justiça dizer para onde a Petrobrás deve fornecer o seu gás é um sinal claro de que está havendo falhas no sistema; de que os envolvidos não estão se entendendo. Quando se trata de energia, é possível notar que o problema não é só deste ou do outro governo. E mais que isso: não é só no planejamento federal, mas também no que diz respeito às determinações estaduais.

Consideremos o caso do Rio de Janeiro. O estado optou por fornecer o gás veicular natural de forma altamente subsidiada, com desconto grande no IPVA. Um produto escasso está sendo vendido a preço muito baixo. Essa política começou a ser executada lá atrás porque sobrava gás no estado. Tanto que, também aqui, foram construídas algumas termelétricas. Porém, com um crescimento nacional no consumo de gás de 20% ao ano entre 2003 e 2006, a realidade hoje é bem diferente. Em vez de abundância, são momentos de escassez.

De qualquer forma, não se quis mexer muito no preço do GNV. No Rio, para os veículos, vão 30% do total do gás. Como ele continua barato, a demanda aumenta em torno de 15% ao ano. No governo do Rio, mesmo depois do problema de anteontem, ninguém parece disposto a subir os preços do GNV, até porque o custo político pode ser bem alto. Como quem determina os preços é a agência reguladora do estado, o que se pensa em fazer é aumentar o preço do gás que é vendido para as termelétricas. Isso pode até adiantar, um pouco e temporariamente, mas não resolve o problema macro: há uma inegável escassez do produto.

A situação atual do setor energético é, novamente, bastante delicada no Brasil. Com o país crescendo, tem aumentado também o consumo de energia, que registra altas de 5%, 5,5%. E, desde 2004, já voltou aos patamares em que estava antes da época do apagão.

O susto desta semana pode acabar sendo apenas o que foi: um dia de grandes problemas. Mas ele é sintomático das falhas no planejamento energético. O governo tem apostado todas as fichas nas bilionárias hidrelétricas do Rio Madeira, ou em opções de fontes de geração muito poluentes. E, quando o modelo é criticado, atribui-se a culpa aos entraves ambientais. Querendo ele ou não, há um fato concreto, que essa microcrise mostrou: a energia anda pouca. Se o país quer crescer, vai precisar cuidar melhor desse setor.

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