A Vale está em férias coletivas, a Arcelor-Mittal parou 14 altos-fornos um, da CST, deve ficar parado um ano e suspendeu as compras da Vale até o fim do ano. A China está reduzindo sua produção de aço em 30%. As montadoras querem socorro dos governos, inclusive no Brasil. Outubro deixou uma devastação. Aqui, quem ganhou até agora foi o governo: bilhões com a desvalorização do real.
Esse é um momento difícil, em que as empresas pedirão socorro do governo. É preciso ter critério e transparência nas fórmulas de ajuda e empréstimo. A Vale procurou o BNDES e disse que talvez não precise sacar os R$ 4 bilhões de uma linha de crédito já estabelecida. Ela está com caixa, de uma captação que fez um pouco antes do agravamento da crise. Isso ajuda as outras.
Mas os próximos meses serão duros para a Vale, porque a Arcelor-Mittal suspendeu todas as compras até o fim do ano. É a maior cliente da empresa. Aqui, Tubarão vai suspender um alto-forno, o que significa redução de 30% da produção. Parar um alto-forno para revisão, para conserto, é uma coisa. Mas parar por falta de demanda pode levar a um enorme prejuízo na hora de religar.
Exportadores garantem que continua a falta de ACC. O empresário Luiz Hafers, exportador de café, me garantiu ontem que os bancos estão liquidando, e não renovando, os ACCs no café, que exporta 2,5 milhões de sacas por mês. Quando renovam, aumentam de 5% para 15% os juros. Segundo ele, já se ouve falar de empresas grandes com atrasos nas faturas.
Dos vários lados dessa crise gigante, um dado curioso apareceu nas estatísticas oficiais. O governo teve, em setembro, um enorme ganho com a desvalorização do real. Foi isso que permitiu a ele ter o superávit nominal que anunciou ontem. Superávit nominal significa que, mesmo com os juros, as contas fecharam no positivo. Quando saírem os números de outubro, provavelmente haverá outro ganho. Isto acontece porque o Banco Central assumiu, meses atrás, uma posição ativa em dólares e devedora em juros. Nos swaps reversos, o BC recebe a variação cambial e paga juros pela Selic. Quem achava que o dólar só cairia, ficava com este papel. Quando o dólar caia, o Banco Central perdia. No começo de setembro, o dólar estava em R$ 1,63. No fim do mês, estava em R$ 1,91. O BC teve um enorme lucro. Ontem, fechou em R$ 2,16, o que significa que em outubro pode ganhar de novo. Ou seja, o governo estava na outra ponta de quem perdeu com a alta do dólar, entre eles, as empresas.
As empresas queriam proteção contra a contínua queda do dólar e o BC ofereceu um instrumento de proteção. Agora, ele está fazendo a operação contrária para quem quer se proteger da alta do dólar.
Os bancos públicos vão ajudar as empresas que perderam dinheiro nos derivativos cambiais. O governo garante que não vai ajudar. O erro não é financiar empresas boas a saírem de problemas temporários, mas essa mania do governo de dizer que não fará o que já está fazendo. O Banco do Brasil socorreu a Sadia, o BNDES vai emprestar à Aracruz, o BC tem vendido reservas. Tudo isso ajuda as empresas a saírem do córner em que estão.
Sadia, Aracruz e Votorantim são boas empresas brasileiras. Criam emprego, exportam, investem. Não têm que carregar nenhum estigma. Há outras perdedoras já conhecidas, ou a serem reveladas nos balanços. Não é errado fazer hedge cambial. Houve exagero, decisões amalucadas, riscos exagerados. Ganharam muito com isso por anos seguidos, e afrouxaram a noção do perigo. Perderam desta vez, mas têm patrimônio.
Nesta hora de lançar a rede das instituições financeiras estatais é bom ter critérios transparentes, proteção para o contribuinte e uma conversa franca, bem informada e adulta com os cidadãos brasileiros.
As montadoras vão anunciar uma queda de vendas de 10% ou mais. Sem motivos para alarmismos. No acumulado até agora, as vendas estão 20% maiores, e a produção, 27%. O setor automotivo previa crescer 24% em 2008, vai crescer menos. Mas não se pode achar que não crescer o que se previa é crise.
A Aracruz perdeu US$ 2 bilhões com derivativos, mas o BNDES, que estava para vender seus 12,5% de ações da empresa, não sai e ainda estuda como ajudar a empresa, talvez em empréstimo, talvez em aumento do investimento. A Sadia anunciou que, além das perdas conhecidas, terá mais no futuro. porque tem mais US$ 2,4 bilhões de exposição cambial.
Houve problemas de governança, falta de transparência, e as empresas desrespeitaram as normas delas mesmas de limite de riscos. Têm explicações a dar aos minoritários. Mas quando estavam ganhando, os diretores eram gênios, os executivos recebiam seus bônus, os acionistas estavam satisfeitos, os novatos nas bolsas comemoravam e o governo da autolouvação atribuía a si o mérito de todo o sucesso.
Agora que perderam, houve um ou outro bode expiatório, e as empresas querem empréstimos. O governo ruge que não as salvará, enquanto abre o balcão do BNDES e de outros bancos públicos para a operação de salvamento. Três regras de ouro: não relaxar as normas prudenciais dos bancos públicos, não dar atendimento especial, não estigmatizar as empresas que perderam.