A usina de José Pessoa de Queiroz Bisneto, que tinha 820 indígenas trabalhando em situação degradante, pensou em abrir capital no novo mercado. Desistiu porque a bolsa anda instável. O que seis fiscais, um procurador e seis policiais viram lembra o velhíssimo mercado. "Tudo está documentado, fotografado, filmado. Para ninguém dizer que não foi assim", disse-me o procurador Jonas Moreno.

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– Esta notícia é um exagero. Estou chegando aqui agora, mas discordo de quem dá essas notícias alarmistas – disse-me o empresário, logo após pousar em Mato Grosso do Sul, onde fica a Debrasa, uma das sete unidades produtoras da CBAA, Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool.

No dia 13, a fiscalização chegou lá, e está lá até hoje. O procurador Jonas Moreno acompanhou a operação:

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– Eles tratavam os trabalhadores não índios bem melhor que aos indígenas. Os não índios tinham refeitório, a comida era melhor; os índios comiam em marmita que praticamente só tinha arroz. Ficavam em alojamentos superlotados, onde fazem suas refeições noturnas perto das fossas sanitárias. Moscas que circulavam nas fossas pousavam na comida. Entendemos que o almoço seja em marmita, no campo, mas por que não haver refeitório para eles no jantar? Por que a discriminação?

O empresário garante que não há discriminação:

– Os indígenas trabalham no canavial, os não indígenas são trabalhadores da indústria. É por isso que comiam em local diferente, mas a comida é a mesma que eu como quando vou lá; o gerente come; todos – afirma.

O procurador diz que a equipe comparou a comida.

– Nos canaviais, os trabalhadores não tinham banheiro. Tinham que usar o mato mesmo. Os equipamentos de proteção eram precários. Os ônibus que transportavam os indígenas eram velhíssimos, sem condições de segurança. Tinham porta amarrada, por exemplo. O alojamento era inabitável, insalubre. A médica e o engenheiro que acompanharam a ação não tiveram dúvidas de lavrar o auto de interdição da empresa.

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Ela ficará interditada até que tudo se resolva. O desleixo, diz o procurador, com a saúde e a segurança dos trabalhadores, estava em toda parte, inclusive na industrial. No equipamento que mede a pressão das caldeiras, não havia segurança adequada.

O empresário negou cada uma das informações, mas admite que está pensando em reformar tudo.

– Vamos reformar os alojamentos, mudar todo o layout. O alojamento está velho mesmo. Esses ônibus são da empresa terceirizada que, aliás, é uma empresa regular. Mas agora vamos comprar ônibus novos, só nossos. Os banheiros no canavial são dentro do próprio ônibus.

O quadro que os fiscais encontraram é descrito como "inaceitável exploração dos trabalhadores" pelo procurador Jonas Moreno.

– Ô Miriam, você me desculpe, mas se há uma empresa que zela pelo social somos nós. Zelamos pela qualidade de vida dos nossos colaboradores. Achar alguma coisa errada numa empresa a 400 quilômetros da capital, no meio do mato, é fácil. Foi um acidente. Acidentes acontecem – disse José Pessoa.

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Todo o material colhido lá vai ser usado na instrução do inquérito policial que está sendo aberto na Delegacia de Três Lagoas. O empresário diz que a empresa sempre foi fiscalizada e que não houve problemas. O procurador conta que essa é a terceira vez que os fiscais encontram irregularidades na usina. Em 1998 e 2002, ele assinou acordo para corrigir os erros.

Os trabalhadores são índios Terena, de Miranda, no Pantanal, Guarani e Caiuá.

– No povoamento daquela região, muitas décadas atrás, eles foram confinados nessas aldeias, onde a área é tão pequena que não conseguem produzir. Por isso foi feito um pacto social permitindo que trabalhem nos canaviais, mas, após 70 dias, têm que voltar para o convívio da tribo – explica o procurador.

As boas notícias: todos tinham carteira assinada e não havia caso de servidão por dívida, como foi encontrado na usina Gameleira, em Mato Grosso, onde, em 2005, havia 1.003 trabalhadores em condições parecidas com a de escravidão, e na Pagrisa, este ano, no Pará.– Não basta carteira assinada, tem que haver um ambiente de trabalho digno – diz o procurador.

De 2005 a 2006, os fiscais do trabalho encontraram 7.523 trabalhadores em situação próximas a de escravidão; a maioria sem direito de ir-e-vir. Deles, 44% eram analfabetos, 45% nasceram no Maranhão ou Pará e 60% tinham entre 18 e 34 anos. Os casos com mais trabalhadores sempre acontecem em usinas de cana-de-açúcar. A maioria dos flagrantes, 61%, em fazendas de gado.

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O Brasil enfrenta competidores ferozes na exportação de carne e no etanol. Eles usam vários argumentos contra o álcool. Um deles, Débora Thomé, aqui da coluna, viu, na semana passada, repetido num seminário de energia em Roma: é se isso não vai acabar prejudicando o abastecimento mundial de alimentos. Outro é de que o etanol vai destruir a Amazônia, e um terceiro é que a produção é feita de forma desumana. O lobby contra o etanol é fortíssimo. E os produtores brasileiros fazem tudo para fortalecê-lo. As usinas de açúcar e álcool do Brasil têm diante de si a melhor oportunidade de sua história. Por que repetem os velhos erros? Além de imoral, ilegal, é burrice.