Furnas, impedida de estar no leilão das hidrelétricas do Rio Madeira, vai trabalhar com a Odebrecht na preparação do projeto para o leilão. Assim o governo agrada à Odebrecht. Depois do leilão, a estatal vai virar sócia do vencedor. Isso agrada às outras empreiteiras e desagrada à Odebrecht. O grande projeto do governo Lula II corre extremo risco: a ocupação política da presidência de Furnas.
O governo entrou na armadilha montada por seus próprios aliados. O maior dos erros foi entregar ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a relatoria do projeto da CPMF. O segredo de polichinelo mais mal guardado do Congresso Nacional é que ele está usando este poder. Quer a presidência de Furnas para Luiz Paulo Conde, quer ter controle sobre o Real Grandeza, o fundo de pensão do setor elétrico.
Sua arma, entregue a ele por algum gênio da articulação política do governo Lula, é aceitar a emenda que transforma a contribuição em imposto. Sendo imposto, tem que dividir com os estados e municípios.
Ele pôs isso debaixo do braço e saiu por aí, como todos sabem no Congresso Nacional disse um influente deputado da base governista.
Furnas é a queridinha das empreiteiras e é também a queridinha dos políticos. Os potenciais concorrentes no leilão de Santo Antônio e Jirau brigam à luz do dia pela mão de Furnas. E ela pode dar uma enorme mãozinha a quem vencer.
Furnas é o maior laboratório de concreto rolado do país, pelas barragens que fez desde 1957, quando foi fundada por JK. Fez dez grandes barragens, administra a maior subestação de energia contínua e alternada do mundo, a de Itaipu; 40% da energia do país ou é de Furnas ou passa num bem de Furnas conta um técnico do setor.
É a parceira ideal para construir as hidrelétricas do Rio Madeira. Por isso a Odebrecht fez um duplo cravado: casou-se com ela no projeto inicial e no EIA-Rima e fez a empresa estatal assinar um documento de que dará exclusividade à parceria no leilão.
Ter Furnas desequilibra tanto a disputa que o governo tomou a decisão acertada: ninguém vai com Furnas para o leilão. Mas, como já tem documento assinado, a decisão ainda não dita claramente é: ela não vai dar lance, mas estará com a Odebrecht durante toda a preparação da concorrência, oferecerá a ela a confidencialidade e os esforços técnicos para o lance. Não casa, mas estará vivendo junto.
Quando isso ficar estabelecido, as empreiteiras que disputam com Odebrecht devem reagir. Para acalmá-las antecipadamente, o governo tem dito que Furnas se casará com o vencedor, qualquer que seja ele. A Odebrecht tem dito ao governo que isso tira dela sua maior vantagem. O governo tenta se equilibrar entre as duas pressões.
Furnas é um gigante. Desenvolveu sua capacidade em anos de esforço, trabalho e formação de quadros técnicos na área elétrica. Quase sempre teve presidentes mineiros. Alguns indicados politicamente. Um deles, Dimas Toledo, esteve no centro de uma feia briga política, mas a maioria absoluta se formou na velha escola de excelência técnica do primeiro presidente, John Cotrim, e de outro presidente João Camilo Penna. A tal lista de Dimas Toledo, encontrada na Operação Enguia, de políticos beneficiados, era uma falsificação grosseira. Como ele era do governo anterior, o atual governo usou sua máquina explicitamente, inclusive de forma irregular, para vasculhar indícios comprometedores. Não encontrou.
Mas o fato é que entregar Furnas agora ao mais explícito loteamento político, quando ela estará na mais cara, complexa e controversa obra do PAC, será uma insensatez. O governo que se acautele antes de definir quem estará no comando de Furnas.
O setor elétrico diz que o Brasil tem hoje 100 mil megawatts instalados, com 56 mil megawatts de energia firme. Precisará ter 140 mil megawatts instalados em 2016. Desse acréscimo, 17 mil MW estão previstos para gás, eólica, biomassa e outras fontes alternativas. Mas não se sente no setor elétrico nenhum empenho por fontes como eólica ou biomassa. Furnas fez uma experiência de eólica em Arraial do Cabo e desistiu. Concluiu que teria que pôr 130 postes para obter 60 megawatts em 30% do dia. Angra 3 é considerada importante, mas ninguém duvida que é cara e será subsidiada como são as atuais usinas nucleares. O gás é tido como incerto, inclusive o GNL. Todo o raciocínio é de que a grande fonte de nova capacidade é hidrelétrica e dos rios da Amazônia.
É a barragem que impera no setor elétrico brasileiro. A ministra Marina Silva vem repetindo: é contra que todo o peso seja jogado sobre a Amazônia, acha que é hora de diversificar fontes, e continua absolutamente contra a energia nuclear.
Haverá muito conflito nos próximos anos entre energia e meio ambiente, entre as empreiteiras, entre facções do setor de energia. O governo ainda não entendeu que terá que blindar as obras de Madeira contra os loteamentos políticos e a corrupção, e que o aquecimento global fez o dado ambiental entrar definitivamente na equação.