O bom, o mau e o aloprado

Um às de paus e um valete de ouros faziam parecer quase impossível que John Marston perdesse a rodada de pôquer. Mas, como se tratava de jogo de azar, as últimas fichas foram parar nas mãos de um dos parceiros de carteado. Ao todo, perdeu 10 dólares. Parece pou­­co hoje em dia. Na época do Velho Oeste americano, no entanto, muitas vidas não valeriam um décimo da quantia.Quando se retirava do salão, uma mensagem de texto apareceu na tela explicando que, da próxima vez, teria mais sorte se trajasse roupas novas. Foi o suficiente para o que apenas era uma desconfiança se transformasse num motivo real e imediato. Marston havia sido passado para trás. Recuou e com apenas dois tiros matou dois dos três homens com quem acabara de jogar. No terceiro preferiu acertá-lo no abdome. A vítima caiu ge­­men­­do e só parou de sofrer após receber um disparo na face. Re­­virou os corpos e recuperou mais que o dinheiro perdido.Os disparos foram ouvidos pela vizinhança e, em pouco tempo, foi criada uma confusão generalizada. Marston gostava da comunidade. Havia sido muito bem tratado após ser salvo da quase morte. Uma das mantenedoras do local lhe conferiu a responsabilidade de cuidar das cercanias. Com isso, poderia aferir alguns trocados como jagunço e poderia usar livremente uma espingarda. Do delegado também tinha boas memórias, principalmente depois de ter ajudado a recapturar um foragido. Vinte pratas a mais no bolso.

Montou no cavalo o mais rápido que pôde e fugiu da cidade. Se ficasse, muito mais mortes se sucederiam. Logo atrás veio a polícia. Cavalgou por um bom tempo até perceber que o confronto era irremediável. Foi quando os quatros policiais tombaram dos cavalos. Voltar à cidade e tentar retomar a vida que lhe agradava parecia impossível. Sobrou-lhe apenas seguir seu destino: vingar-se do irmão e antigo parceiro.

John Marston é o protagonista de Red Dead Redemption, lançado na semana passada para Playstation 3 e Xbox 360. Um jogo desenvolvido pela Rockstar Games, conhecida e reconhecida pela famosa série Grand Theft Auto, o que levou ao lançamento desta semana ter sido apelidado pela imprensa especializada como um "GTA do Velho Oes­­te". É bom frisar, no entanto, que a alcunha não faz jus ao produto final.

De parecido entre os dois títulos há um mundo aberto e quase 100% explorável. Uma mecânica que permite ao jogador ter muita liberdade: com um cavalo pode-se ir de uma vila à outra em pouco tempo. E diversos minigames que fazem o jogador perder muito tempo até que se lembre do objetivo maior, como no caso do jogo de pôquer narrado nos primeiros parágrafos. Este colunista jogava como um bom moço, até a ira subir a cabeça após descobrir que havia sido enganado. De bom cidadão passou a ser considerado um foragido. Quando, na verdade, o personagem desenvolvido até então não passava de um aloprado que passava as tardes passeando pelo campo à procura de flores azuis que poderiam lhe render mais um punhado de dólares.

Red Dead Redemption, sequência do faroeste Red Dead Revolver, lançado para PlayStation 2 e Xbox em 2004, se passa em 1908, quando os EUA começam a se tornar urbano e os foras da lei iam perdendo espaço. Num sentido mais amplo, o jogo explora o fim melancólico da era dos cowboys.

Diferentemente de GTA, o jogador não é incentivado a praticar delitos para prosseguir na narrativa. Eles são possíveis, claro, pois se trata de um jogo de reputação. No caso da história desenvolvida por este colunista, e que dificilmente será igual para outros jogadores, o protagonista acabou se tornando um procurado pela Justiça após matar alguns personagens. Nem por isso os caminhos ficaram mais difíceis, apesar da perseguição policial e de caçadores de recompensa. No futuro, talvez este John Marston obtenha sua redenção e volte para o mundo cercado por leis. No momento, no entanto, ele procura apenas uma nova mesa de pôquer, na qual suas vestimentas digam menos sobre o seu passado.