O noticiário econômico dos Estados Unidos vem melhorando nos últimos tempos. Os pedidos de seguro-desemprego diminuíram e as pesquisas com empresários e consumidores indicam um crescimento sólido. O país ainda está perto do fundo de um poço bem profundo, mas ao menos já começou a escalá-lo. É uma pena que tantas pessoas, especialmente os políticos de direita, queiram ver os norte-americanos escorregarem mais uma vez lá para baixo. Porém, antes de entrarmos nesse assunto, vamos tratar dos motivos que fizeram a recuperação da economia demorar tanto.
Alguns economistas previam uma retomada rápida após a superação do período crítico da crise financeira aquilo que eu chamo de fase "meu Deus, vamos todos morrer" , o qual durou mais ou menos de setembro de 2008 a março de 2009. Mas as cartas nunca mostraram esse cenário. A bolha econômica gerada no governo Bush deixou muitos norte-americanos excessivamente endividados. Quando ela explodiu, os consumidores foram obrigados a cortar gastos, e era inevitável que demorassem um bom tempo até ajeitar as finanças pessoais. O investimento empresarial também estava fadado a ficar reprimido. Para que aumentar a capacidade de produção se a demanda é fraca e num momento em que fábricas e escritórios já existentes não são aproveitados?
A única saída que poderia ter evitado a crise prolongada era o gasto governamental, que devia ser usado para compensar a letargia. Mas isso nunca ocorreu. Na verdade, o crescimento das despesas estatais desacelerou com a recessão, na medida em que os estímulos federais, além de fracos, foram anulados por cortes orçamentários estaduais e municipais.
Dessa maneira, os EUA atravessaram mais de dois anos de desemprego elevado e crescimento inadequado. Mesmo com todo o sofrimento, as famílias norte-americanas melhoraram gradativamente sua situação financeira. E nos últimos meses surgiram sinais de um ciclo virtuoso em formação. À medida que as famílias colocaram suas contas em ordem, elas também passaram a gastar mais; com a demanda por consumo em alta, as empresas se mostram mais dispostas a investir; e isso faz a economia expandir-se, o que por sua vez melhora ainda mais a situação financeira das famílias.
Porém, esse ainda é um processo frágil, especialmente se forem considerados os efeitos da alta do petróleo e dos alimentos. Esses aumentos de preço têm pouco a ver com os EUA. Por um lado, eles decorrem do crescimento da demanda na China e em outros mercados emergentes; por outro, das interrupções de fornecimento causadas por turbulências políticas e problemas climáticos. Ainda assim, essas variações afetam o poder aquisitivo num momento extremamente delicado. E a situação pode piorar caso o Federal Reserve e outros bancos centrais reajam a esse índice amplo de inflação com uma elevação na taxa de juros.
O perigo real e imediato para a recuperação, no entanto, vem do âmbito político mais especificamente dos deputados republicanos, que exigem que o governo dos EUA corte imediatamente os gastos com nutrição infantil, controle de doenças, tratamento de água, entre outras coisas. Além das consequências que trariam no longo prazo, esses cortes levariam, direta e indiretamente, à eliminação de centenas de milhares de empregos com potencial para causar um curto-circuito no ciclo virtuoso de renda em alta e melhora nas finanças.
Os republicanos, é claro, acreditam ou fingem acreditar que o efeito direto da destruição de empregos embutido na proposta deles seria mais do que compensado pelo aumento da confiança entre os empresários. Como eu gosto de dizer, eles acreditam que a Fada da Confiança vai fazer tudo dar certo.
Mas não há por que o resto da população cair nessa história. Em primeiro lugar, é difícil entender como um plano tão obviamente irresponsável poderia aumentar a confiança desde quando deixar a Receita Federal implorando por um repasse de verbas ajuda a reduzir o déficit?
Além disso, é possível obter em outros países muitas pistas sobre quais são os prospectos dessa "austeridade expansiva" e elas são todas negativas. Em outubro, um estudo abrangente conduzido pelo FMI concluiu que "a noção de que austeridade fiscal estimula a atividade econômica no curto prazo encontra pouca sustentação nos dados".
Lembram-se da avalanche de elogios recebida pelo governo conservador da Grã-Bretanha, quando, logo após tomar posse em maio, a equipe administrativa daquele país anunciou duras medidas de austeridade? Como estão as coisas por lá? Bem, a confiança dos empresários na verdade não subiu quando o plano foi divulgado; ela despencou, e até agora não se recuperou. E pesquisas recentes indicam que a confiança caiu ainda mais, tanto entre os empresários como entre os consumidores sugerindo, como aponta um relatório, que o setor privado "não está preparado para preencher o vazio deixado pelos cortes do setor público".
O que nos conduz de volta ao debate sobre o orçamento dos EUA. Ao longo das próximas semanas, os deputados republicanos farão chantagens para que o governo Obama aceite as propostas de corte de despesas, ameaçando bloquear todas as ações do Poder Executivo. Eles alegarão que os cortes seriam bons para o país no curto e no longo prazo. A verdade, porém, é o exato oposto disso. Os republicanos conseguiram elaborar um plano que desempenharia uma dupla função, minando o futuro dos EUA e ameaçando abortar uma recuperação econômica incipiente.