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Paul Krugman

Depressão menor

Vivemos numa época interessante – e eu digo isso no pior dos sentidos. Ago­­ra mesmo estamos observando não uma, mas duas crises iminentes, ambas capazes de produzir um desastre global. Nos Estados Unidos, fanáticos de direita no Congresso podem bloquear um aumento necessário do teto do déficit, potencialmente arruinando os mercados financeiros mundiais. Enquanto isso, se o plano re­­cém-assinado pe­­los chefes de Esta­­do europeus fracassar em acalmar os mercados, poderíamos ver um efeito dominó em todo o sul da Eu­­ropa – o que também poderia ar­­ruinar os mercados financeiros mundiais.

Só podemos esperar que os políticos amontoados em Washington e Bruxelas obtenham sucesso em evitar essas ameaças. Mas eis o problema: mesmo se conseguirmos evi­­tar a catástrofe imediata, os acor­­dos sendo assinados em ambos os lados do Atlântico têm quase total garantia de piorar a crise econômica em seu sentido mais am­­plo.

Na verdade, os formuladores de políticas parecem determinados a perpetuar o que eu passei a chamar de Depressão Menor, a era prolongada de alta do desemprego que co­­meçou com a Grande Recessão de 2007-2009 e continua até hoje, mais de dois anos após ela ter su­­postamente terminado.

Falemos por um momento so­­bre o porquê de nossas economias estarem (ainda) tão deprimidas. A grande bolha imobiliária da última década, que foi um fenômeno tanto americano quanto europeu, foi acompanhada por um enorme aumento das dívidas domésticas. Quando a bolha estourou, a construção civil despencou, e assim também as despesas dos consumidores conforme as famílias endividadas se tornaram mais conservadoras.

Tudo poderia ainda ter ficado bem se outros grandes agentes econômicos tivessem aumentado suas despesas, preenchendo a lacuna deixada pela queda imobiliária e a retirada dos consumidores. Mas ninguém o fez. As corporações ri­­cas em dinheiro, em particular, não vêem nenhum motivo para investir esse dinheiro face a uma demanda fraca dos consumidores.

Os governos também não ajudaram muito. Alguns governos – aqueles de nações mais fracas na Europa, e governos locais e estatais aqui – foram, na verdade, forçados a cortar despesas face à queda de receita. E os esforços modestos de governos mais fortes – incluindo, sim, o plano de estímulo de Oba­­ma – foram, na melhor das hipóteses, mal capazes de contrabalancear essa austeridade forçada.

O desaparecimento do desemprego do discurso das políticas de elite e sua substituição pelo pânico do déficit tem sido realmente notável. Não é uma resposta à opinião pública. Numa pesquisa recente da CBS News/New York Times, 53% do público apontou para a economia e o desemprego como os problemas mais importantes a serem enfrentados, enquanto apenas 7% mencionou o déficit. Tampouco é uma resposta à pressão de mercado. As taxas de juro da dívida americana permanecem numa baixa quase histórica.

No entanto, as conversas em Washington e Bruxelas só se focam sobre cortes de despesas (e talvez aumentos de impostos, quero dizer, "revisões"). Isso é obviamente verdade para as várias propostas flutuando para resolver a crise do teto do déficit aqui nos EUA. Mas é igualmente verdade para a Europa.

Na quinta-feira, os "chefes de Estado ou governo da zona do Euro e as instituições da UE" – a expressão já lhe diz, por si só, o quão ba­­gunçado o governo europeu se tor­­nou – fizeram sua grande declaração. Não foi das mais animadoras.

Por um motivo: é difícil acreditar que e a engenhoca financeira que a declaração propõe consiga mesmo resolver a crise grega, que dirá a crise mais ampla da Europa.

Mas, mesmo que consiga, o que acontecerá depois? A declaração clama por reduções agudas de déficit, "todas em países exceto aquele sob programa", marcadas para acontecer "até 2013, no mais tardar possível". Uma vez que os países "sob programa" estão sendo forçados a entrar em drástica austeridade fiscal, caminha-se a um plano para fazer toda a Europa cortar despesas simultaneamente. E não há nada nos dados europeus sugerindo que o setor privado estará pronto para recuperar-se do prejuízo em menos de dois anos.

Para aqueles que conhecem bem a história dos anos 1930, isso é tudo familiar demais. Se qualquer uma das negociações de débito atuais fracassar, poderíamos estar prestes a reviver o que aconteceu em 1931, o colapso bancário global que fez com que a Grande Depres­­são tivesse esse nome. Mas, se as negociações obtiverem sucesso, estaremos prestes a reviver o grande erro de 1937: a contração fiscal prematura que descarrilhou a re­­cuperação econômica e fez com que a Depressão durasse até que a Segunda Guerra Mundial finalmente fornecesse o estímulo de que a economia precisava.

Por acaso eu mencionei que o Banco Central Europeu – embora, ainda bem, não seja a Reserva Na­­cional – parece determinado a pio­­rar ainda mais as coisas aumentando as taxas de juros?

Há uma velha citação, atribuída a várias pessoas, que sempre vem à mente quando eu olho a política pública: "Você não sabe, filho, com quão pouca sabedoria o mundo é governado". Agora essa falta de sabedoria está exposta ao público, enquanto as elites políticas de am­­bos os lados do Atlântico alardeiam suas respostas ao trauma econômico, ignorando todas a lições da história. E a Depressão Menor continua.

Tradução: Adriano Scandolara

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