Este é o período em que os comentaristas tradicionalmente fazem previsões sobre o ano que começa. As minhas tratam de economia internacional: eu prevejo que 2010 será o ano da China.
E não no bom sentido.
Na verdade, os maiores problemas com a China se referem a mudanças climáticas. Mas hoje quero focar em sua política monetária.
A China se tornou uma potência financeira e comercial. Mas não age como outras grandes economias. Em vez disso, segue a política mercantilista, mantendo seu superávit comercial artificialmente alto. E, no mundo de hoje, em depressão, essa política é, para colocar de forma bem clara, predatória.
É assim que funciona: ao contrário do dólar, do euro e do iene, cujos valores flutuam livremente, a moeda da China é indexada, de acordo com uma política oficial, em 6,8 yuan por dólar. Com essa taxa de câmbio, o setor manufatureiro chinês possui uma grande vantagem competitiva sobre seus rivais, o que leva a grandes superávits.
Em circunstâncias normais, o fluxo de dólares resultante desses superávits faria a moeda chinesa se valorizar, a menos que isso fosse compensado pelo movimento de investidores privados no sentido contrário. Investidores privados estão tentando entrar na China, e não sair dela. Porém o governo chinês restringe a entrada de capitais, mesmo que isso signifique comprar dólares e investi-los no exterior, aumentando suas reservas em moeda estrangeira, que já superam US$ 2 trilhões.
Essa política é boa para o complexo industrial estatal chinês, voltado à exportação, mas não muito vantajosa para os consumidores chineses. Mas e quanto ao resto de nós?
No passado, o acúmulo de reservas estrangeiras da China, muitas das quais foram investidas em títulos dos Estados Unidos, em tese, estava nos fazendo um favor ao manter as taxas de juros baixas apesar de termos aproveitado aquelas taxas baixas para, principalmente, inflar uma bolha imobiliária. Mas agora o mundo está nadando em dinheiro barato à procura de um algum lugar para investimento. As taxas de juro de curto prazo estão próximas de zero e as taxas de juro de longo prazo estão mais altas, mas apenas porque os investidores esperam que a política de juro zero vá acabar algum dia. As compras de títulos feitas pela China fazem pouca ou nenhuma diferença.
Enquanto isso, o superávit comercial retira da economia mundial uma demanda que é muito necessária em meio à depressão. Um cálculo rápido sugere que, nos próximos dois anos, o mercantilismo chinês pode acabar fechando 1,4 milhão de postos de trabalho nos Estados Unidos.
Os chineses se recusam a admitir o problema. Recentemente, Wen Jiabao, o primeiro-ministro, desdenhou as queixas estrangeiras: "De um lado, vocês pedem que o yuan se valorize e, de outro, tomam todo tipo de medidas protecionistas". De fato: muitos países estão adotando (modestas) medidas protecionistas, justamente porque a China se recusa a deixar sua moeda subir. E mais medidas desse tipo são totalmente apropriadas.
São mesmo? Geralmente, ouço duas razões para não confrontar a China por conta de suas políticas. Nenhuma se sustenta.
Primeiro, há o argumento de que não podemos confrontar os chineses porque eles arrasariam a economia dos Estados Unidos ao liquidar suas reservas de dólares. Isso está totalmente errado - e não apenas porque, ao fazer isso, os chineses acarretariam enormes prejuízos a si mesmos. O ponto principal é que as mesmas forças que tornam o mercantilismo chinês tão danoso agora também significam que a China tem pouca ou nenhuma alavancagem financeira.
Ressalto: agora, o mundo está nadando em dinheiro barato. Por isso, se a China começasse a vender dólares, não haveria razão para se pensar que isso elevaria significativamente as taxas de juros nos Estados Unidos. Provavelmente, enfraqueceria o dólar frente a outras moedas - mas isso seria bom, não ruim, para a competitividade e o emprego norte-americanos. Portanto, se os chineses realmente se desfizerem de seus dólares, devemos enviar a eles uma nota de agradecimento.
Em segundo lugar, há o argumento de que o protecionismo é sempre ruim em qualquer circunstância. Se você acredita nisso, aprendeu economia básica com as pessoas erradas porque, quando o desemprego é alto e o governo não consegue restaurar o pleno emprego, as regras usuais não se aplicam.
Permitam-me citar um artigo clássico do falecido Paul Samuelson, que de certa forma criou a economia moderna: "Com o emprego em nível inferior ao pleno...todos os argumentos mercantilistas desmoralizados" ou seja, a noção de que nações que subsidiam suas exportações efetivamente roubam postos de trabalho de outros países "acabam se tornando válidos". Ele disse ainda que as taxas de câmbio persistentemente desalinhadas criam "problemas genuínos para os apologéticos do livre mercado". A melhor resposta para esses problemas é levar as taxas de câmbio de volta ao nível em que deveriam estar. Mas isso é exatamente o que a China se recusa a fazer.
A questão fundamental é que o mercantilismo chinês é um problema crescente, e suas vítimas têm pouco a perder em um confronto comercial. Por isso eu aconselharia o governo da China a reconsiderar sua teimosia. Caso contrário, o próprio protecionismo leve do qual reclama atualmente pode ser o começo de algo muito maior.