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Na quarta-feira por vir, o assim denominado supercomitê, um grupo bipartidário de legisladores, deverá chegar a um acordo sobre como reduzir futuros déficits. Salvo algum tipo maligno de milagre – cuja malignidade eu explicarei na sequência – o comitê fracassará em cumprir este prazo.

Se esta notícia lhe surpreende, você não deve estar prestando atenção. Se isso lhe deprime, anime-se: neste caso, o fracasso é bom.

Por que o supercomitê está fadado ao fracasso? Primeira­amente porque o abismo entre nossos maiores partidos políticos é enorme. Republicanos e democratas não têm somente prioridades diferentes; eles vivem em diferentes universos morais e intelectuais.

No mundo dos democratas, chão é chão, e teto é teto. Au­­mentar os impostos aumenta a receita, e cortar despesas en­­quanto a economia está em de­­pressão reduz o nível de empregos. Mas, no mundo republicano, é tudo ao contrário. A maneira de se aumentar a receita é reduzindo os impostos dos ricos e das corporações, e cortar as despesas do governo é uma estratégia de criação de empregos. Só tente fazer com que um dos líderes republicanos admita que os cortes nos impostos feitos no governo Bush aumentaram os déficits, ou que os cortes bruscos nas despesas do governo (exceto no setor militar) iriam lesar a recuperação econômica.

Além disso, os partidos têm pontos de vista nitidamente distintos sobre o que constitui justiça econômica.

Os democratas veem programas de assistência social, da Previdência Social ao Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP, na sigla em inglês), como servindo ao imperativo moral de fornecer segurança básica aos nossos concidadãos e auxiliar aqueles em situações de carência.

Os republicanos têm um ponto de vista totalmente diferente. Eles podem amenizar este ponto de vista em público – nas eleições do ano passado, eles até conseguiram fazer pose de defensores do Medicare [sistema de saúde público] – mas, fora da vista do público, eles veem o estado de bem-estar social como algo imoral, como se fosse o mesmo que os cidadãos serem forçados, com uma arma apontada na cabeça, a dar seu dinheiro aos outros. Ao criar a Previdência Social, declarou Rick Perry em seu livro Fed Up! [Farto!, em tradução livre], o ex-presidente Franklin Roosevelt estava "violentamente jogando fora qualquer respeito pelos princípios de nossos fundadores". Alguém duvida de que ele falava em nome de muitos de seu partido?

Então, o supercomitê reuniu legisladores que discordam completamente tanto sobre como o mundo funciona quanto sobre qual o papel do governo. Por que alguém achou que isso funcionaria?

Bem, talvez a ideia seja que os partidos possam se comprometer por causa do medo de haver um preço político por parecerem intransigentes. Mas isso só podeia acontecer se a mídia estivesse disposta a apontar quem está recusando o compromisso. E ela não está. Se e quando o supercomitê fracassar, virtualmente todas as reportagens serão "ele disse isso", "ela disse aquilo", citando democratas que põem a culpa nos republicanos e vice-versa, sem que a verdade seja explicada.

Ah, e deixem-me dar uma declaração especial aos comentaristas "centristas" que não admitem que o presidente Obama já lhes deu o que eles queriam. O diálogo, a essa altura, parece seguir assim. Comentarista: "Por que o presidente não faz uma mescla de cortes de despesas e aumento de impostos sobre produtos?" O sr. Obama: "Eu apoio uma mescla de cortes de despesas e aumento de impostos sobre produtos". Comentarista: "Por que o presidente não faz uma mescla de cortes de despesas e aumento de impostos sobre produtos?".

Como se vê, admitir que um lado está disposto a fazer concessões, enquanto o outro não, iria manchar as credenciais do centrista. E o resultado é que o partido republicano não paga preço nenhum por se recusar a ceder.

Logo, o supercomitê fracassará – e isso é bom.

Uma coisa é certa, a história nos mostra que o partido republicano renegará seu lado do acordo assim que tiver a chance. Lembrem-se, a perspectiva fiscal dos EUA era muito boa em 2000, mas assim que os republicanos ganharam o controle da Casa Branca, eles desperdiçaram o su­­perávit com cortes de impostos e guerras sem fundos. Então, qualquer acordo a que se possa chegar agora não seria nada além de um acordo para se cortar a Previdência Social e o Medicare, sem nenhuma melhora a longo prazo no déficit.

Também tenho quase certeza de que qualquer acordo a que se possa chegar agora acabaria piorando a crise econômica. Cortar despesas enquanto a economia está em depressão destrói os empregos e é provavelmente até mesmo contraproducente em termos de redução de déficit, uma vez que leva a receitas mais baixas, tanto agora como no futuro. E as projeções atuais, como as da Reserva Federal, sugerem que a economia permanecerá em depressão até pelo menos 2014. Melhor não ter acordo nenhum do que um que imponha cortes de despesas nos anos por vir.

Mas será que nós eventualmente não teremos que equivaler as despesas e a receita? Sim, mas a decisão sobre como fazer isso não é uma questão de contabilidade. É uma questão de valores fundamentais – e é uma decisão a ser feita pelos eleitores, não por algum comitê que alega transcender a divisão partidária.

Eventualmente, um lado ou outro dessa divisão receberá o tipo de mandato popular necessário para resolver nossos problemas de orçamento a longo prazo. Até lá, tentativas de se obter uma Grande Barganha são fundamentalmente destrutivas. Se o supercomitê fracassar, como é o esperado, será motivo de comemoração.

Tradução: Adriano Scandolara

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