No início da semana passada, o inspetor-geral do Programa de Alívio para Ativos Problemáticos, também conhecido como fundo de resgate dos bancos, revelou seu relatório sobre o socorro à seguradora American Interna­tio­nal Group (AIG), ocorrido em 2008. O relatório bate muito na tecla de que funcionários do go­­verno norte-americano não teriam se esforçado para conseguir certas concessões perante os banqueiros, mesmo apesar desses banqueiros terem recebido enormes benefícios do pacote de resgate. Perdeu-se muito mais que dinheiro. Ao conceder um verdadeiro presente multibilionário a Wall Street, os políticos minaram sua própria credibilidade – e colocaram toda a economia em risco.

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O resgate da AIG faz parte desse cenário. Durante a crise financeira, funcionários-chave do governo (dentre eles o notável Timothy Geithner, que era presidente do Fed de Nova Iorque em 2008 e hoje é secretário do Te­­souro) se abstiveram de qualquer medida que pudesse afetar Wall Street. O paradoxo amargo é que essa abordagem cheia de "não me toques", e aparentemente segura acabou minando outras possibilidades para a recuperação econômica.

O trabalho de consertar a economia quebrada está longe de terminar – além disso, terminar a tarefa se tornou quase impossível agora que o povo, ao observar boquiaberto a distribuição de dinheiro justamente àqueles que nos colocaram nessa baderna, perdeu a fé nos esforços do governo.

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Sobre o caso da AIG: durante os anos bolha, muitas empresas do setor financeiro criaram a ilusão de solidez financeira através da compra de swaps de crédito da AIG – basicamente, apólices de seguro nas quais a AIG prometia pagar uma dívida caso algum cliente do segurado entrasse em inadimplência. Isso era uma ilusão, visto que as seguradoras não tinham, nem de perto, dinheiro suficiente para cumprir sua palavra em caso de um calote. E, é óbvio, houve muitos calotes.

Por que então proteger os banqueiros das consequências de seus próprios erros? Bem, na época em que a insolvência da AIG ficou aparente, o sistema financeiro mundial estava à beira de um abismo e os funcionários do governo norte-americano acharam – provavelmente com razão – que permitir a falência da seguradora seria o empurrão final para que o sistema financeiro caísse no tal abismo. Dessa forma, a AIG foi praticamente nacionalizada; suas promessas viraram obrigações de contribuintes.

Havia jeito de limitar essas obrigações? Resumidamente, os bancos teriam sofrido prejuízos enormes caso a AIG falhasse. Ou seja, nada seria mais justo do que dividir os custos do resgate, o que eles poderiam fazer caso tivessem aceitado uma "tesourada" nos valores que a AIG lhes devia. Na verdade, o governo pediu para que eles fizessem isso. Mas os bancos disseram não, e esse foi o fim da história. E foi assim que os contribuintes acabaram sendo forçados a honrar promessas tolas feitas por outras pessoas, centavo por centavo.

As coisas podiam ter sido diferentes? Alguns comentaristas argumentam que os funcionários do governo não tiveram meios para forçar os bancos a aceitar a "tesourada" – ou deixavam a AIG falir, o que não queriam fazer, ou tinham de honrar os contratos da seguradora.

Tal cenário, todavia, parece uma visão muito ingênua de como Wall Street funciona. Os grandes grupos financeiros são um clube pequeno, com interesse comum na sustentabilidade do sistema; desde os dias de J.P. Morgan, é comum pedir aos gigantes do sistema para que se esqueçam dos lucros de curto prazo em prol do bem comum do setor. Em 1998, foi um consórcio de bancos privados – não o governo – que angariou fundos para resgatar o fundo Long Term Capital Management.

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Além disso, as grandes empresas financeiras têm relações de longa data, tanto com o governo quanto entre si, e podem pagar o preço caso atuem de maneira egoísta em tempos de crise. O Bear Stearns, um banco de investimentos, atraiu para si muita antipatia ao se recusar a participar do resgate de 1998, e é crença comum que esse sentimento foi o que causou a sua bancarrota, exatos dez anos depois.

Os funcionários do governo poderiam ter obtido um acordo melhor com os bancos, para o bem dos próprios bancos, e, simultaneamente, forçar uma sensação de vergonha naqueles que se recusassem a ajudar. Foi escolha do governo não fazer isso, assim como também não manter um controle mais acirrado sobre os bancos resgatados no início de 2009.

Como eu disse, essas escolhas aparentemente seguras colocaram a economia em grande perigo. O sistema econômico ainda está em sérios apuros e precisa de muita ajuda do governo. O índice de desemprego ainda tem dois dígitos; precisamos desesperadamente de gastos governamentais na criação de vagas de trabalho. Os bancos ainda estão fragilizados, e o crédito ainda está escasso; precisamos desesperadamente de mais ajuda do governo no setor financeiro. Todavia, tente convencer um eleitor comum a apoiar tal ideia e você provavelmente irá ouvir: "De jeito nenhum. Tudo que eles vão fazer é dar mais dinheiro a Wall Street".

Aqui vai a real tragédia do resgate de araque: funcionários do governo, talvez influenciados por passarem tempo demais com banqueiros, esqueceram que se quiserem governar de maneira eficaz devem manter a confiança do povo. Ao usar panos quentes para a indústria financeira – grande responsável por nos colocar na bagunça atual, que fique bem claro –, eles jogaram essa confiança fora.

Tradução:Thiago Ferreira

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Paul Krugman, Nobel de Economia em 2008 e professor na Universidade de Princeton, escreve neste espaço às segundas-feiras.