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Paul Krugman

Obama enfrenta sua Anzio

Lembra aquelas ameaças republicanas de que transformariam a reforma da saúde na Waterloo do presidente Barack Obama? Bem, as pesquisas sugerem que, até onde a reforma da saúde foi uma questão nas eleições de terça-feira, ela funcionou a favor dos democratas. Todavia, apesar de a reforma da saúde não ter sido a Waterloo de Obama, a política econômica está começando a parecer sua Anzio.

É verdade que as eleições não foram um referendo sobre Obama. A maioria dos eleitores se concentrou em questões locais – e aqueles que se concentraram nas questões nacionais tendiam a votar nos democratas. Em Nova Jersey, os eleitores que consideravam a reforma da saúde a questão mais importante votaram no governador Jon Corzine por uma margem de 4 votos a 1; Chris Christie conquistou os eleitores que estavam preocupados com os impostos imobiliários e com a corrupção.

Mesmo assim, havia um elemento nacional na eleição. Os eleitores em todos os Estados Unidos estão de mau-humor, principalmente por causa da situação econômica ainda ruim. Quando os eleitores se sentem mal, eles costumam se voltar contra quem está no poder. Até mesmo Michael Bloomberg, o prefeito de Nova Iorque, viu sua reeleição supostamente fácil se transformar em uma disputa acirrada

E os oponentes se saíram bem, mesmo quando não tinham nenhuma alternativa coerente a oferecer. Christie nunca explicou como reduzir os impostos imobiliários dada a difícil situação fiscal de Nova Jersey – mas os eleitores, mesmo assim, levaram os santinhos do político para casa.

Isso é um mau presságio para os democratas nas eleições do próximo ano – não porque os eleitores rejeitarão seu programa, mas porque tudo indica que, daqui um ano, o desemprego estará em índices dolorosamente altos. Os republicanos poderão se beneficiar, apesar de terem se tornado um partido sem ideias. O que me remete à analogia de Anzio.

A batalha de Anzio, na Segunda Guerra Mundial, foi um exemplo clássico dos perigos de ser cauteloso demais. As forças aliadas desembarcaram bem atrás das linhas inimigas, pegando seus oponentes de surpresa. Em vez de explorar esta vantagem, o comandante americano se fixou em sua praia – e logo se viu cercado pelas forças alemãs nas colinas ao redor, o que resultou em baixas pesadas.

Isso faz um paralelo com a atual política econômica da seguinte forma: no início deste ano, o presidente Obama assumiu com popularidade alta e proclamou a necessidade de uma ação ousada na economia. Suas ações, no entanto, foram mais cautelosas do que ousadas. Elas foram suficientes para tirar a economia do lodo, mas insuficientes para baixar os índices de desemprego.

Desta forma, o pacote de estímulo ficou muito longe de ser o que muitos economistas – incluindo alguns do próprio governo – consideravam apropriado. Segundo a revista The New Yorker, Christina Romer, presidente da Junta de Conselheiros Econômicos, estima que um pacote de mais de US$ 1,2 trilhão seria justificado.

Ao mesmo tempo, o governo recusou propostas de injetar grandes quantidades de capital adicional nos bancos, o que provavelmente exigiria a nacionalização temporária das instituições mais fracas. Ao invés disso, ele optou por uma estratégia de negligência benigna – basicamente, na espera de que os bancos pudessem recuperar sozinhos sua saúde financeira.

Oficiais do governo supostamente argumentariam que estavam restringidos pela realidade política, ou seja, que uma ação ousada não seria aprovada pelo Congresso. Mas eles nunca testaram tal suposição, e também não deram qualquer indicação pública de que estavam fazendo menos do que queriam. Os relatos oficiais eram de que a política era a mais correta a ser adotada, o que dificulta explicar agora por que é necessário fazer mais.

E fazer mais é necessário. Sim, a economia cresceu razoavelmente rápido no terceiro trimestre – mas não rápido o suficiente para promover um progresso significativo no número de empregos. E há poucos motivos para esperar que as coisas melhorem daqui para frente. O estímulo já teve seu efeito máximo sobre o crescimento. Até mesmo Timothy Geithner, secretário do Tesouro, admite que os bancos permanecem relutantes em emprestar. Muitos economistas preveem que o crescimento da economia, como está, poderá esmaecer ao longo do próximo ano.

O problema é que não está claro o que Obama pode fazer com relação a esse problema. A sabedoria convencional em Washin­gton parece ter congelado em torno da visão de que déficits orçamentários impedem qualquer estímulo fiscal adicional – um ponto de vista econômico totalmente errado, mas que parece não importar. Enquanto isso, a base democrata, tão energizada no ano passado, perdeu grande parte de sua paixão, ao menos em parte porque a delicadeza com que governo trata Wall Street pareceu a muitos uma traição de seus ideais. O presidente, então, tendo fracassado em explorar suas oportunidades iniciais, está cercado em uma pequena praia, como em Anzio.

Se os democratas sofrerem uma derrota feia nas eleições do ano que vem, os apresentadores de jornais dirão que Obama tentou fazer demais, que este é um país de centro-direita e assim por diante. A verdade é que Obama colocou sua agenda em risco fazendo muito pouco. A decisão fatídica, no início deste ano, de optar por medidas econômicas pela metade poderá assombrar os democratas por muitos anos.

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