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Paul Krugman

Política americana atrapalha a economia

Antes da Grande Recessão, eu costumava, às vezes, dar palestras públicas em que eu comentava o aumento na desigualdade de renda, apontando que a concentração no topo havia alcançado níveis não vistos desde 1929. Com frequência, alguém na plateia perguntava se isso não significava que outra depressão estaria iminente? E, bem, vejam só agora!

Foi a ascensão do 1% (ou melhor, o 0,01%) que causou a Pequena Depressão em que vivemos agora? Provavelmente contribuiu. Mas o ponto mais importante é que a desigualdade é um dos grandes motivos pelos quais a economia ainda está em tão profunda depressão, e o desemprego tão alto. Pois respondemos à crise com uma mistura de paralisia e confusão – ambas tendo muito a ver com os efeitos perturbadores da concentração de renda em nossa sociedade.

Digamos assim: se algo como a crise financeira de 2008 tivesse ocorrido em 1971, por exemplo – o ano em que Richard Nixon declarou que "agora eu sou um keynesiano no assunto de políticas econômicas" – Washington provavelmente teria respondido de modo algo eficaz. Haveria um amplo consenso bipartidário em favor de ações fortes e haveria acordo sobre que tipo de ação seria necessária.

Mas isso foi outra época. Hoje, Washington está marcada por uma combinação de partidarismo amargurado e confusão intelectual – e ambos são, na minha opinião, em grande parte resultado da extrema desigualdade de renda.

Sobre o partidarismo: dois pesquisadores que estudam o Congresso, Thomas Mann e Norman Ornstein, têm causado furor com seu novo livro, onde reconhecem uma verdade que, até o momento, a educação impedia de ser mencionada em certos círculos. Eles afirmam que nossa disfunção política ocorre em grande parte por conta da transformação do Partido Republicano numa força extremista que "descarta a legitimidade de sua oposição política". Não é possível ter cooperação para servir aos interesses nacionais quando um lado da divisão não vê distinções entre o interesse nacional e seu próprio triunfo partidário.

E como foi que isso aconteceu? Ao longo do século passado, a polarização política tem acompanhado de perto a desigualdade de renda, e há todos os motivos possíveis para se crer que essa relação seja causal. Especificamente, o dinheiro compra poder, e a riqueza crescente de uma minúscula minoria com efeito comprou uma aliança com um de nossos dois grandes partidos políticos, destruindo, no processo, qualquer possibilidade de cooperação.

Eu defendo que a tomada de metade de nosso espectro político pelo 0,01% é também responsável pela degradação de nosso discurso econômico, que impossibilitou qualquer discussão sensata sobre o que deveríamos estar fazendo.

As disputas no campo econômico costumavam estar delimitadas por uma compreensão mútua das evidências, o que criava um amplo campo de acordo sobre as políticas econômicas. Para tomar o exemplo mais proeminente, Milton Friedman [1912-2006, economista] poderia se opor ao ativismo fiscal, mas ele apoiava, e muito, o ativismo monetário para enfrentar crises econômicas profundas, chegando ao ponto em que poderíamos situá-lo muito bem à esquerda política em muitos debates atuais.

Agora, porém, o Partido Republicado está dominado por doutrinas que antigamente pertenciam somente a uma minoria política. Friedman exigia flexibilidade econômica; hoje, boa parte dos republicanos é fanaticamente devota ao padrão-ouro. N. Gregory Mankiw, da Universidade de Harvard, conselheiro econômico de Romney, certa vez fez pouco caso dos comentaristas que afirmavam que os cortes tributários pagariam por si próprios, chamando-os de "golpistas e charlatões"; hoje, esta noção está muito próxima de ser a doutrina republicana oficial.

De fato, na prática, essas doutrinas, em sua maior parte, fracassaram. Por exemplo, faz três anos que certos investidores, conservadores e compradores de ouro, vêm feito previsões sobre uma vasta inflação e o aumento das taxas de juros, e essas previsões têm se demonstrado equivocadas todas as vezes em que foram feitas. Mas esse fracasso não fez nada para enfraquecer sua influência num partido que, como notam Mann e Ornstein, "não se deixa persuadir pela compreensão convencional de fatos, provas e ciência".

E por que o Partido Republicano é tão devoto a essas doutrinas, a ponto de ignorar fatos e provas? Isso claramente tem a ver com o fato de que os bilionários sempre amaram essas doutrinas em questão, que oferecem uma racionalização para políticas que servem os seus próprios interesses. De fato, o apoio dos bilionários tem sido, desde sempre, a principal coisa que leva esses golpistas e charlatões ao sucesso. E agora essas mesmas pessoas são donas de um partido político inteiro.

O que nos leva à questão de o que será preciso para acabar com a depressão em que nos encontramos.

Muitos comentaristas garantem que a economia dos EUA tem grandes problemas estruturais que impedirão qualquer recuperação rápida. Todas as evidências, porém, apontam para uma simples falta de demanda, que poderia e deveria ser curada muito rapidamente através de uma combinação de estímulo fiscal e monetário. Não, o verdadeiro problema estrutural está em nosso sistema político, que foi deturpado e paralisado pelo poder de uma minoria pequena e rica. E a chave para a recuperação econômica repousa em encontrar um modo de superar a influência malevolente dessa minoria.

Tradução de Adriano Scandolara.

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