Há alguns dias, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, fez um discurso em defesa de seu sucessor. Os ataques dos republicanos a Ben Bernanke, disse ele ao jornal Financial Times, são "completamente inapropriados e destrutivos". Ele tem razão nisso e essa é uma das pouquíssimas coisas que o ex-chefe acertou nos últimos anos.
Mas por que os ataques a Bernanke são tão destrutivos? Afinal de contas, ninguém na América deveria ser imune a críticas, muito menos aqueles como o presidente do Fed que, pela natureza de suas posições, possuem o poder imenso de mudar nossas vidas para melhor ou pior. E, embora haja uma indubitável bandidagem na campanha contra o Fed, com o famoso exemplo do aviso de Rick Perry de que o presidente do Fed seria tratado "bem mal" se visitasse o Texas, os maus modos dos críticos, com certeza, não são a questão mais importante.
Não, o verdadeiro motivo pelo qual os ataques a Bernanke partindo da direita são tão destrutivos é porque são parte de um esforço para induzir o Fed a fazer exatamente a coisa errada. Os opositores querem que o Fed pise nos freios, quando deveria estar pisando no acelerador; eles querem que o Fed impeça a recuperação, quando deveria estar fazendo mais coisas para acelerá-la. Fundamentalmente, a direita quer que o Fed fique obcecado com a inflação, quando a verdade é que nós estaríamos em melhor situação se o Fed prestasse menos atenção à inflação e mais atenção ao desemprego. De fato, um pouco mais de inflação seria uma coisa boa, não ruim.
Tudo bem, eu sei que muitos leitores já estão se sentido ultrajados. Mas aguentem aí e deixem-me mostrar como isso funciona, passo a passo.
Equívocos
Primeiro, sobre a obsessão da inflação. Durante pelo menos três anos, economistas, comentaristas e políticos de direita têm avisado que uma inflação descontrolada estava logo a caminho, e em todas as vezes eles se equivocaram. Vocês se lembram das reclamações sobre "desvalorizarem o dólar" durante esta época do ano passado? Se lembram do rancor direcionado contra Bernanke na última primavera, quando ele defendia que o aumento da inflação da época era somente um problema temporário, causado pelo preço da gasolina, e que iria logo diminuir? Bem, ele tinha razão. A esta altura, a inflação está mais uma vez um pouco abaixo do que o objetivo autodeclarado do Fed de 2%.
Agora o Fed tem, por lei, um duplo mandato. Ele deve se preocupar com a geração de empregos e com a estabilidade dos preços. Embora nós tenhamos já, mais ou menos, uma estabilidade de preços pela definição do Fed, estamos muito distantes de uma situação favorável nos empregos. Isso nos diz que o Fed está interferindo de menos e não demais. De fato, alguns oficiais do Fed notavelmente Charles Evans, presidente do Fed de Chicago tentaram usar esse exato argumento.
Para se ter certeza, uma política mais agressiva do Fed para enfrentar o desemprego poderia elevar a inflação para acima do objetivo de 2%. Mas lembremos do duplo mandato. Se o Fed se recusar a assumir o menor risco que seja quanto à inflação, apesar de seu desempenho desastroso quanto aos empregos, estaria violando seu próprio contrato. E, além disso, por acaso um aumento para 3% ou até mesmo 4% na inflação seria mesmo algo terrível? Pelo contrário, tenho quase certeza de que iria ajudar a economia.
Como assim? Pois bem, amplas partes do setor privado continuam aleijadas pelo grande débito acumulado durante os anos de bolha; esse ônus deficitário é, discutivelmente, a principal coisa que segura as despesas privadas e perpetua a crise. Uma inflação modesta, porém, reduziria a dívida ao erodir o valor real desse débito e ajudaria a promover a recuperação necessária do setor privado.
Enquanto isso, outras partes do setor privado (como boa parte da América corporativa) estão sentadas em cima de enormes pilhas de dinheiro; a perspectiva de uma inflação moderada faria com que a ideia de deixar o dinheiro sentado lá ficasse menos atraente, agindo como um empurrãozinho para se investir o que, novamente, ajudaria a promover uma recuperação generalizada.
Resumindo, longe de temer que mais ações contra o desemprego pudessem levar a uma alta da inflação, o Fed deveria, na verdade, receber esta previsão de braços abertos. O que nos leva de volta àqueles ataques republicanos e seu efeito congelante sobre as políticas.
Inações
É verdade que Bernanke gosta de insistir que ele e seus colegas não se deixam afetar pela política. Mas essa alegação é difícil de enquadrar nas ações do Fed, ou melhor, em suas inações. Como muitos observadores notaram, as previsões do próprio Fed indicam que, embora as coisas possam estar melhorando um pouco recentemente, ainda se espera inflação baixa e desemprego alto por anos a fio.
Dada essa perspectiva, mais do procedimento da "flexibilização quantitativa", que é agora a principal ferramenta do Fed, seria uma decisão para se tomar sem pensar. No entanto, as pautas recentemente publicadas de uma reunião de 13 de março mostram que o Fed está inclinado a não fazer nada, a não ser que as coisas piorem.
Então, o que está acontecendo? Eu penso que, admitindo ou não, os oficiais do Fed se sentem intimidados e que os trabalhadores americanos estão pagando o preço de sua timidez.
Tradução de Adriano Scandolara.