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Paul Krugman

Willie Sutton chorou

Existem três coisas que você precisa saber sobre o atual debate a respeito da crise orçamentária norte-americana. Em primeiro lugar, ele é uma fraude. Em segundo, a maioria dos que posam de preocupados com o déficit está fingindo. E, por último, apesar de o presidente Barack Obama não ter se distanciado completamente das opiniões fraudulentas, ele não é tão ruim quanto os seus opositores – e merece muito mais crédito pelas medidas de responsabilidade fiscal.

Quanto à fraude: no mês passado, Howard Gleckman, do Centro de Políticas Tributárias, descreveu o presidente como o "anti-Willie Sutton", em referência ao famoso assaltante que declarou que roubava bancos porque era o local onde estava o dinheiro. De fato, Obama tem buscado dinheiro onde ele não existe, fazendo o maior estardalhaço sobre o congelamento de gastos discricionários não relacionados à segurança, algo que responde por meros 12% do orçamento federal.

Mas isso é o que todos fazem. Os deputados republicanos enchem o peito para falar de redução de despesas – mas se concentram apenas sobre esses mesmo trocados orçamentários. E, ao propor cortes profundos e imediatos nos gastos, os republicanos não só buscam dinheiro "onde" ele não existe como também "quando" ele não existe. Passar a tesoura nas despesas enquanto a economia ainda está muito deprimida é uma receita para o crescimento econômico mais lento, o que significa menos arrecadação de impostos – ou seja, toda redução do déficit decorrente dos cortes propostos pelo Partido Republicano seria parcialmente anulada pela diminuição da receita.

O debate sobre o orçamento é, portanto, uma completa farsa. Os deputados republicanos, em particular, estão literalmente roubando comida da boca dos bebês – o auxílio-nutrição para grávidas e crianças pequenas é um dos itens no seu rol de cortes – para que possam fazer a pose, falsa, de "guardiães do orçamento".

Mas o que uma abordagem séria sobre os problemas fiscais dos Estados Unidos deveria envolver? Posso resumir em sete palavras: saúde pública, saúde pública, saúde pública, arrecadação. Percebam que eu cito a "saúde pública" e não "benefícios". As pessoas de Washington costumam generalizar a previdência, o Medicare e o Medicaid para então tratar do aumento na idade da aposentadoria. Porém isso é mais uma ideia "anti-Willie Sutton". Projeções de longo prazo sugerem que os gastos com os maiores benefícios sociais irão subir drasticamente nas próximas décadas, mas o grosso desse aumento virá dos programas federais de saúde, e não da previdência.

Assim, qualquer indivíduo que esteja realmente preocupado com a questão orçamentária precisa abordar, antes de tudo, a saúde. E abordar não significa escrever um número e esperar que alguém faça com que ele se torne real – um truque conhecido na elaboração de orçamentos como o "asterisco mágico". O que eu quero dizer é que é preciso tomar medidas específicas para a contenção de custos.

Sob essa lógica, a comissão Simpson-Bowles, cujo trabalho vem sendo tratado como o padrão ouro da seriedade fiscal, foi na verdade profundamente superficial. Seu relatório "é um grande asterisco mágico", nas palavras de Bob Greenstein, do Centro de Prioridades Orçamen­tárias e Políticas. O mesmo se pode dizer da alardeada proposta feita por Paul Ryan, o suposto grande pensador do atual Partido Republicano, para que se substitua o Medicare por um programa de vales cujo valor ficasse sistematicamente abaixo dos custos do setor. O que aconteceria quando os idosos descobrissem que não podem arcar com um plano de saúde?

Como seria, então, uma ação efetiva em relação à saúde? Bem, ela incluiria uma comissão independente com poderes para assegurar que o Medicare arcasse somente com o custo de procedimentos de real necessidade médica; a recompensa dos planos que oferecessem serviços de qualidade em vez do simples pagamento de uma quantia fixa por procedimento; o limite nas deduções tributárias relacionadas a planos particulares; e assim por diante.

O que essas medidas têm em comum? Todas elas foram incluídas na reforma da saúde do ano passado. E é por isso que eu digo que Obama recebe pouco crédito. Ele fez mais para conter o aumento do déficit de longo prazo do que todos os seus antecessores. Se a oposição levasse a sério esse assunto, ela apoiaria esses projetos e pediria mais; em vez disso, os republicanos preferem promover uma gritaria sobre os "painéis da morte".

Agora, ainda que tenhamos sucesso na contenção dos gastos com a saúde, os EUA permanecerão com um problema de déficit de longo prazo – a diferença brutal entre os gastos do governo e a arrecadação de impostos. O que deve ser feito a esse respeito? Isso nos leva à sétima palavra do meu resumo de verdadeiras questões fiscais: é preciso considerar seriamente o aumento de impostos para tapar pelo menos parte desse rombo. Tributos mais altos não são populares, é verdade, mas o corte de programas governamentais também não. Por isso deveríamos acrescentar à lista de mentirosos todos aqueles que, assim como a maioria dos críticos do déficit, tratam da questão orçamentária como se ela estivesse resumida aos gastos públicos.

Embora o orçamento domine o atual noticiário, não existe um debate verdadeiro. Tudo não passa de som, fúria e pose, o que nos diz muito sobre o cinismo dos políticos, mas em nada ajuda a reduzir o déficit. E não deveríamos satisfazer esses políticos ao fingir que a realidade é diferente.

Tradução: João Paulo Pimentel

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