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A raiva não leva a lugar algum

Adianta alguma coisa ser bravo e fazer todos terem medo de dar bom dia a você? Alberto era a prova viva de que isso não adiantava nada. Executivo com mais de quinze anos de atuação no segmento automotivo, o administrador construiu sua carreira de uma forma um tanto quanto tortuosa e conquistando, durante esse tempo, uma legião de desafetos. Estive com Alberto poucas vezes, que foram suficientes para eu ter a noção do quão insuportável era ficar ao seu lado. Porém, tenho um grande amigo que trabalhou com ele por mais de cinco anos, tempo o bastante para falar com propriedade sobre a personalidade agressiva do executivo.

Segundo Pablo, Alberto só podia ser completamente desequilibrado, pois seu mau humor poderia ser considerado algo do outro mundo. Chegava todos os dias antes do horário comercial para não ter que cumprimentar as pessoas pelo caminho e, quando, por algum motivo, precisava se atrasar, passava pelos corredores de cabeça baixa para não ter que desejar bom dia para quem cruzasse sua passagem. Sua sala ficava sempre fechada e para entrar lá só mesmo se os funcionários tivessem bons motivos, pois eles próprios evitavam ter que enfrentar a fera.

Nos dias de reunião com Alberto, as demais pessoas preferiam ficar caladas para evitar reações negativas do administrador. Porém, quando necessárias falas ou apresentações, isso era feito de forma breve e sucinta na tentativa de não deixá-lo irritado pela demora. Quando Alberto se irritava, a coisa ficava feia. Pablo me contou alguns casos que me deixaram bastante assustado. Segundo ele, houve uma vez em que Alberto chegou a atirar objetos em cima de uma funcionária e, para desviar dela, atirou uma cadeira contra um janelão que tinha na sala de reuniões, fazendo com que o vidro se espatifasse.

Mas, o que é mais impressionante é que o relato de Pablo demonstrava certo trauma. Instiguei até onde pude, na tentativa de arrancar dele alguma história que parecia me esconder. Cada vez mais que eu o incitava, mais detalhes das coisas absurdas feitas por Alberto, Pablo ia me contando. Mas, ainda parecia esconder algo. Contou-me de uma vez que Alberto ficou tão nervoso com um fornecedor, que estourou um telefone na parede. A secretária de Alberto, coitada, não sabia o que fazer nessas horas. A senhora, com mais de 50 anos, colocava-se a chorar todas as vezes que o chefe tinha alguma crise. Aliás, Pablo nem sabia como que ela suportava o executivo há tantos anos.

Fiquei curioso, na verdade, tentando entender como que ele, mesmo com aquele temperamento, conseguia permanecer na empresa há tanto tempo. Deveria ser um exímio profissional, não tinha outra explicação. E, quando toquei no assunto, Pablo riu jocosamente, como se eu tivesse contado alguma piada.

Contou-me que ele também nunca entendeu isso. De acordo com ele, os executivos do topo da organização só podiam ter algum "rabo preso" para manter Alberto na Gerência, pois, na verdade, seus resultados não eram ruins, mas nada excepcionais também. Nada que compensasse a rudeza dele com fornecedores, colaboradores e, às vezes, até clientes.

Não demorou muito para que Pablo contasse o que considerei a afirmação de que havia algo realmente errado nessa história toda. Relatou-me os entremeios de uma negociação da qual ele (Pablo) fez parte e, por ter errado alguns números no orçamento que forneceu a um cliente, recebeu uma represália em forma de ameaças do seu gerente. Indignado com aquilo, correu para o RH e pediu as contas, dizendo que entraria com um processo contra Alberto e contra a empresa. Mas, para sua surpresa, a alta direção o chamou para uma conversa e pediu, encarecidamente, que ele permanecesse na empresa e que jamais entrasse com um processo contra Alberto. Pediram desculpas em nome do executivo e justificaram sua atitude, dizendo que ele estava passando por maus momentos na família e que, por isso, havia perdido a cabeça. Pablo engoliu as desculpas, pois eles lhe prometeram algumas regalias para se manter calado. Porém, independente do que fizeram por ele ou não, o mais intrigante de tudo foi o fato de Alberto ser assim tão ignorante e de todos da empresa o acobertarem.

Mande sua história para coluna@debernt.com.br e siga-me no twitter @bentschev.

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