Não é novidade para ninguém que ser um profissional completo, hoje em dia, requer de nós abdicação de muitas coisas, inclusive do convívio com nossa própria família. Não é baixo o número de pais que só vêem seus filhos nos fins de semana e, mesmo assim, não conseguem se dedicar a eles da forma que eles merecem. Pietra e Cristiano são um exemplo clássico de pais que, infelizmente, não acompanham o crescimento da filha, Júlia. A menina, com 10 anos, é cuidada em tempo quase integral pela avó, o que os deixa completamente tristes.
Pietra é gerente administrativa de uma empresa do segmento gráfico e, além das horas semanais dedicadas à empresa, precisa, frequentemente, ficar até tarde no escritório fechando números e relatórios. Como se não bastasse, nos fins de semana é convidada com uma frequência além do normal a conceder entrevistas em debates de rádio e a palestrar em universidades. A moça lamenta a ausência com a filha, porém reconhece a importância de atender às necessidades da empresa, visto a posição que ocupa.
Já com Cristiano o problema é ainda mais grave. Diretor comercial de uma empresa do segmento alimentício, o profissional vive viajando pelas estradas brasileiras, o que o torna ainda mais ausente que Pietra. Cristiano chega a ficar um total de 72 horas por mês em casa, fazendo com que Júlia possa desfrutar muito pouco de sua companhia. Janete, mãe de Pietra, é que faz o papel de mãe e pai da menina, cuidando de tudo que envolve a rotina da criança e um pouco mais. É ela quem leva e busca Júlia na escola, ajuda com as tarefas escolares, alimenta, dá carinho e atenção.
A interferência de Janete é tão grande que o casal chegou a convidá-la para morar na mesma casa, já que a rotina de ir todos os dias para a casa da família havia se tornado um tanto quanto cansativa. O convite foi aceito sem que a avó hesitasse, pois ela tinha Júlia como uma filha e quanto mais perto pudesse ficar da neta, melhor.
Certo dia, ao me reunir com Pietra e Cristiano numa festa e tomar conhecimento da rotina dos dois, perguntei se eles não se preocupavam com a formação da menina, já que a ausência dos dois era latente. Curiosamente, a resposta dos dois veio quase ao mesmo tempo: "fazemos isso pelo futuro de Júlia". E, confesso, esse é o discurso de muitos profissionais que conheço. Mas é o mais adequado?
O mercado de trabalho não está fácil e para crescer e alcançar uma posição de destaque é fundamental que algumas coisas sejam adequadas às necessidades do empregador, mais do que a família. É aí que entra a importante missão de ponderar sobre o que o profissional realmente quer para si: uma ascensão profissional ou uma família bem cuidada e saudável. Não tenho dúvida que Janete cuida muito bem de Júlia. Aliás, com sua experiência, certamente cuida bem melhor do que, provavelmente, Pietra seria capaz de cuidar.
Mas, e Júlia? Como ela fica nessa história? Como fica a formação de sua personalidade sendo cuidada longe dos mimos e carinhos de seus pais, que só aparecem no fim da noite ou da semana para dar um abraço e, mesmo assim, cansados da rotina intensa de trabalho?
Antes de dar um puxão de orelha no casal, parabenizei pela excelente projeção profissional que vinham conquistando nos últimos anos. Expliquei que, assim como eles, eu conhecia outras dezenas de profissionais que passavam pelo mesmo problema. Porém, em todas as famílias que conheci nessa situação, houve um fator decisivo que fez a diferença. Quando se tem dois profissionais de alto escalão numa família, é quase inevitável que um dos dois abra mão de sua carreira.
Sei que é difícil largar tudo para cuidar dos filhos. Mas, se não houver possibilidade de equilibrar o tempo que se passa com as crianças e o tempo que se passa no escritório, alguma coisa tem que mudar. Pietra e Cristiano entenderam aonde eu queria chegar, porém se negaram a abrir mão de suas carreiras. Não os condenei por isso. Porém, chamei a atenção para a importância de conseguirem mais tempo para ficar com Júlia, caso contrário, os frutos "podres" do que eles estavam plantando poderiam ser colhidos em breve. Claro que o problema é grave e nem sempre de fácil resolução, até porque, para cada situação há uma solução mais adequada, que começa sempre com uma reflexão acompanhada de forte decisão.
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