Aposto que todo mundo já conheceu alguém que, incrivelmente, parecia estar sempre com a sorte ao seu lado. Em meio a tantas decisões, sempre escolhia a correta, como se pudesse prever o futuro, saber por onde as pessoas iam passar e o que iam fazer. Marcelo, um cliente meu de muitos anos, era assim. Sua ascensão na empresa ocorreu de forma rápida e fenomenal. Eu o admirava pelas conquistas, mas, de alguma forma, tinha a impressão que algo ocorria de forma estranha com aquele profissional. Até que um dia ele me procurou, buscando ajuda. Achei estranho, pois sempre o considerei um profissional visionário e centrado. Mas, as aparências enganam e acabei descobrindo que tudo aquilo que ele havia conquistado não passava de uma grande armação.
O feitiço, finalmente, virou contra o feiticeiro, e ele, agora, não sabia muito bem o que fazer. Por trás de toda essa escalada vitoriosa, havia escondida uma pessoa ardilosa e extremamente sagaz. E o que pessoas como ele são capazes de fazer é assustador.
Antes de contar suas artimanhas, uma definição geral do que é uma pessoa ardilosa: indivíduo de raciocínio rápido, muitas vezes obsessivo pelo poder, cínico, avesso a sentimentos, capaz de descobrir seus pontos fracos e usá-los contra você, sem compaixão. Pessoas com essa característica usam os outros sem qualquer consideração pela amizade para conseguir o que querem. Não se importam se machucarão os outros ou se conseguirão algo de forma desonesta, tudo que querem é sua satisfação pessoal/profissional, nem que para isso tenham que passar por cima de outros, seja amigos ou colegas de trabalho. Assemelha-se com a personificação do mal. Infelizmente, diante de mim naquele momento havia uma pessoa assim.
Marcelo ingressou numa grande loja de varejo como repositor de estoque e, em pouquíssimo tempo, passou a coordenador da mesma área, gerente de loja, diretor regional e, quando tentava chegar a diretor nacional de vendas da empresa, sua dissimulação foi descoberta. Sua história de ascensão parecia a realização do sonho de muitas pessoas, mas quando me contou a forma como tinha conseguido subir tão rapidamente, quase caí da cadeira.
Para chegar lá, subornou um cliente da loja para incriminar/prejudicar o trabalho de outro repositor, e, por ter "descoberto" a "fraude" do colega, fora promovido. Quando conseguiu a nova promoção, descartou as pessoas que julgava prejudiciais a seus planos como objetos sem sentimentos. Em seguida fraudou o sistema de TI para que pudesse "arrumá-lo antes de um mal pior", e depois forjou um negócio com um grande falso cliente. Um dia, em sua ausência no escritório, uma ligação para ele foi atendida por outra pessoa, que, desconfiada com ascensão tão rápida, fingiu ser ele, e descobriu o próximo golpe que tramava. Como deveria ter acontecido há muito tempo, fora demitido por justa causa e agora respondia por um processo criminoso.
O bom comportamento pode ser duvidoso, incerto e difícil demais para os ardilosos. Suas artimanhas e o jeito diferenciado de lidar com as coisas e pessoas, de forma quase não humana, são muito melhores para eles. É daí que o cuidado de nossa network ser formada por boas pessoas surge. Ser visto como o amigo de uma pessoa geniosa como essas pode manchar sua reputação profissional. Para não ser visto em maus lençóis, basta conhecer a reputação de seus contatos no mercado, as notícias de desonestos são bem fáceis de encontrar.
Depois de ouvir sua história, encaminhei-o a uma psicóloga, para que pudesse acompanhá-lo e fizesse repensar sua conduta. Infelizmente, tudo isso está muito mais ligado a caráter, e mudar isso é extremamente difícil. Mas acredito que ele tenha aprendido alguma coisa, mesmo que a duras penas. Nem sempre o caminho mais fácil é o honesto e correto. Falar isso pode até ser mais antigo que andar para frente, mas é sempre bom relembrar os bons e velhos costumes. Largar deles, jamais.
Mande sua história para coluna@debernt.com.br e não deixe de conferir as atualizações no twitter/bentchev