A aquisição dos ativos da Kirin – dona da marca Schin – fará do Brasil a maior operação individual global da holandesa Heineken, passando o México, que ocupava o posto desde a compra dos ativos de cerveja da Femsa, em 2010. Após sete anos no país, o grupo vai dobrar sua participação de mercado nacional de cervejarias, mas, em termos industriais, o salto será maior: serão 12 novas fábricas (hoje são cinco) e 10 mil funcionários (além dos 2 mil atuais).
ENTREVISTA: confira depoimentos do presidente da Heineken Brasil, Didier Debrosse
O aumento da operação no Brasil acompanha a tendência dos últimos dez anos, período em que a América Latina foi a região que mais cresceu dentro da empresa. A Heineken deixou de ser uma empresa essencialmente europeia para assumir uma característica mais global. Foi um movimento capitaneado pelo presidente global, Jean-François van Boxmeer. Diante do sinal verde do chefe mundial, a empresa fez grandes aquisições que mudaram sua posição, em especial em importantes mercados emergentes.
Na América Latina, o movimento mais importante foi a compra dos negócios de cerveja da Femsa, em 2009, por cerca de US$ 5,5 bilhões. Embora a maior parte dos ativos estivesse localizada no México, a aquisição foi a “ponte” para a entrada da companhia no mercado brasileiro, onde herdou a marca Kaiser, na época a terceira colocada do setor no País, e também as suas fábricas.
Com os ativos da Femsa nas mãos, a empresa viu o México se tornar o seu maior mercado individual global - posição que agora vai passar a ser do Brasil, após a aprovação da aquisição da Brasil Kirin, por R$ 2,2 bilhões, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Entre 2009 e 2015, de acordo com a consultoria Euromonitor, a participação latino-americana nas vendas globais da Heineken subiu de mero 1% para 23%. Agora, ao mais do que triplicar sua presença industrial no Brasil, com a compra das 12 fábricas da antiga Schincariol, a Heineken deverá ampliar ainda mais essa posição.
“Entre 2009 e 2015, a Heineken transformou seu perfil geográfico”, explica a analista de pesquisa da Euromonitor, Anna Ward. Ela lembra que o continente europeu representava 73% do volume global de bebidas alcoólicas da Heineken no fim da década passada. Seis anos depois, essa relação havia caído para 48%. “No que pese o fato de a Europa Ocidental ainda ser o maior mercado regional para a Heineken, agora ela representa apenas 28% do volume total da companhia.”
Disputa
Esse empenho da Heineken em se tornar uma empresa mais global está relacionada ao forte movimento de suas concorrentes. Agora, AB InBev e SAB Miller aguardam aprovação para a união de seus negócios globais em um acordo de mais de US$ 100 bilhões. Com a concretização do negócio, a nova cervejaria terá 31% do setor no mundo, contra pouco mais de 9% da holandesa.
No Brasil, apesar de o movimento de aquisição dos ativos da Kirin ter dobrado a fatia de mercado da companhia para quase 18%, o caminho da Heineken ladeira acima também será duro. Mesmo com a entrada de novos rivais no setor nos últimos anos - como o grupo brasileiro Petrópolis, dono da Itaipava, e a própria Heineken -, a Ambev (parte da AB InBev) continuou como a líder isolada em cervejas, exibido um domínio de mercado que varia entre 65% e 70%.
“O Brasil não é para iniciantes”, diz presidente da Heineken Brasil
O Brasil será a maior operação individual global da holandesa Heineken, com 12 novas fábricas e 10 mil funcionários, além dos 2 mil atuais. Para comportar essa nova estrutura, o grupo passará por mudanças em produção, distribuição e marketing. Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o presidente da Heineken Brasil, Didier Debrosse:
Como a compra se encaixa na estratégia global da Heineken?
Tornar a Heineken mais global foi uma iniciativa de Jean-François van Boxmeer (presidente global da empresa). Fizemos aquisições importantes na Ásia e compramos a Femsa, que tornou o México nosso maior mercado global, posição que passará agora para o Brasil (após a finalização do negócio com a Brasil Kirin).
A experiência adquirida no Brasil ajudou nessa aquisição?
O Brasil não é para iniciantes, especialmente quando o estrangeiro olha o ambiente de negócios aqui, que inclui burocracia e preocupações com a carga tributária e o sistema legal. Mas sentimos que agora conhecemos o país. Cremos ter condições de crescer e de nos arriscarmos mais por aqui. Aceitamos esse cenário volátil.
Como as marcas da Kirin serão ‘digeridas’ pela Heineken?
Temos um bom portfólio no Brasil, mas podemos crescer em várias regiões. A Kirin é complementar. No segmento de entrada, a Schin é forte no Nordeste, onde temos pouco alcance. Vamos trabalhar as regiões, para a Schin não se sobrepor à Kaiser e à Bavária, fortes no Sul e em São Paulo. A Schin pode ajudar também a Amstel, que tem preço um pouco mais alto, a crescer no Nordeste. A Heineken é forte no segmento premium, o que pode auxiliar as artesanais BadenBaden e Eisenbahn.
Qual é a importância das novas fábricas para a Heineken?
Elas são essenciais. No setor de cervejas, a posição industrial é importante, pois estar mais perto do cliente significa menores custos com logística - e isso é especialmente importante no Brasil. Além disso, estaremos presentes em mais estados que oferecem incentivos tributários.
Qual é a situação das fábricas da Brasil Kirin?
A Schincariol investiu muito nas fábricas, e a Kirin fez um bom trabalho. Teremos, claro, de fazer investimentos. Mas adquirimos boas indústrias, melhores do que as que compramos da Kaiser (em 2010, no ‘pacote’ da Femsa).
O que acontecerá com a área de água e refrigerantes da Kirin?
Ainda não há decisão tomada, podemos manter ou vender. Não se encaixa na estratégia global. Mas nos traz mais escala no Brasil.
E como ficam os distribuidores da Kirin frente ao acordo da Heineken com a Coca-Cola?
Não há decisão. Temos as duas opções. Mas, como somos agora muito maiores no Brasil, vamos escolher a melhor opção pensando no longo prazo.
A Heineken vai entrar com um posicionamento agressivo de preços para ganhar mais mercado?
É muito cedo para dizer. Já estamos bem grandes, comprando um ativo enorme. E não é segredo para ninguém que, apesar de tudo, esse novo negócio precisa de reestruturação.
As novas fábricas vão produzir Amstel e Heineken?
Sim, mas o caso da Amstel é mais simples. O caso da Heineken é complicado, porque o processo produtivo exige muitos testes.
Dá para introduzir mais marcas estrangeiras no curto prazo?
Temos de digerir essa aquisição antes. São 12 fábricas e 10 mil funcionários. Precisamos de uma pequena pausa.
Como enfrentar a queda do mercado de cerveja no país?
A situação atual é complicada, o mercado caiu um pouco em 2015 e 2016. Mas o Brasil ainda é “verde”, com boa chance de expansão no Nordeste, onde o consumo per capita é baixo. E o segmento premium ainda tem uma fatia muito menor do que no resto do mundo. É uma oportunidade para nós.
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