Muita gente já argumentou que a recessão brasileira é tão profunda e longa que só pode ser comparada ao que acontece em países em guerra. Há um exagero no argumento. A economia de guerra é outra coisa e nela a recessão é um problema secundário – desabastecimento e crise humanitária são mais urgentes nesses casos do que fazer a economia andar. Muita gente também já argumentou que a recessão brasileira, do tamanho que foi, só pode ser efeito de uma crise internacional. Crise global também é outra coisa. O mundo continuou crescendo enquanto o Brasil afundava.
O que foi a bagunça fiscal brasileira que nos custou um pouco mais de 7% do PIB em três anos. Produzimos no ano passado que produzíamos em 2010. Voltamos alguns anos no tempo e a razão principal é como os políticos enxergam o dinheiro público. O Brasil não está sozinho nessa. Se pegarmos os países com recessões do tipo que vivemos nos últimos 11 trimestres (sim, entramos em recessão em 2014, um tempo inédito de retração na nossa história) estaremos em boa companhia: Grécia, Espanha, Portugal e Suécia, por exemplo. De diferentes formas esses países também chegaram a um modelo fiscal insustentável e precisaram passar por reformas.
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Economia do Paraná encolhe pelo terceiro ano, mas em ritmo mais lento que o país
O caso da Grécia chama a atenção por sua dramaticidade. Passou anos negociando ajuda internacional, quase foi despejada da Zona do Euro. Sua economia encolheu mais de 30% ao mesmo tempo em que o governo se encontrava em estado falimentar. Há particularidades gregas, como o fato de estar em uma união monetária, o que dificulta comparações. Mas o ponto mais importante aqui é que, mesmo com esse contexto dramático, o país relutou em fazer reformas.
A Grécia tinha um dos sistemas de aposentadorias mais generosos da Europa. Seu governo acumulava déficits insustentáveis, que logo tiraram do país o grau de investimento, como ocorreu com o Brasil. Sua economia é uma das menos produtivas do continente europeu, em parte por causa de regulações antiquadas, que não estimulavam a competição. É clássico o caso das padarias gregas, protegidas por um emaranhado de regras que proibiam a venda de pães em supermercados e ditavam pesos e outros padrões. A negociação entre o país e seus credores entrou nesse tipo de minúcia.
Felizmente, o que experimentamos é só uma amostra do que aconteceu na Grécia. Nossa crise fiscal não nos levou a uma renegociação da dívida. Apenas elevou a inflação a um ponto incômodo e nos colocou em um ciclo longo de juros altos.A crise fiscal foi acompanhada por uma queda abrupta na confiança, algo bem comum em todas as recessões do gênero. Empresas e pessoas percebem que a inflação incomoda, notam que isso pode ser acompanhado de mais impostos ou de juros mais altos e tiram o pé do acelerador. Quando o sistema político falha junto, como ocorreu aqui, fica pior.
Outra coincidência é que a Grécia também teve seus escândalos de corrupção – o mais alardeado era um que envolvia empresas alemãs. Aqui temos as empreiteiras cercadas pela Lava Jato. É mais que coincidência. A má gestão fiscal muitas vezes é acompanhada de um sistema político capenga, com mais brechas para a corrupção. E, no fim, essa combinação é que transforma um ciclo de retração em uma recessão de origem fiscal.
Não podemos dizer que todas as intenções por trás desse tipo de recessão sejam ruins. A Suécia passou nos anos 90 por um episódio do tipo. O problema não era o sistema político capenga e corrupto (“é a Suécia!”, como disse outro dia o presidente americano Donald Trump em uma gafe histórica), mas a intenção de o Estado fazer tudo que estava a seu alcance para atingir o bem estar social. Existem, como eles descobriram, limites para essa intervenção. Com uma mão muito pesada, o Estado reduz o apetite empreendedor, faz escolhas erradas, gasta em coisas com retorno duvidoso e cobra a conta depois em impostos ou déficits mais altos. Passamos por isso nos anos até a crise.
É bom saber que o Brasil não está sozinho nessa. Mas também é bom lembrar que esse tipo de crise é evitável. Quando as pedaladas fiscais vieram à tona, ainda antes das eleições de 2014, já não eram poucos os que apontavam para o perigo que corríamos. Contas públicas manipuladas, inflação controlada à força, programas de financiamento público ineficientes e investimentos corrompidos não dariam em boa coisa. Agora precisamos olhar também para as minúcias, porque cada milésimo de ponto percentual que ganharmos em competitividade faz diferença. Grandes e pequenas reformas se tornaram inevitáveis.
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