Desde que o dólar caiu abaixo de R$ 2,50, no ano passado, a tradicional ladainha das montadoras de automóveis instaladas no Brasil ficou mais forte. Como as principais empresas do setor são grandes exportadoras, e perdem dinheiro com a valorização do real, alertas sobre a necessidade de demissões ficaram ainda mais freqüentes. Mas, ao menos quando o assunto é mercado interno, poucos fabricantes têm do que reclamar: em boa parte dos casos, a forte expansão das vendas no Brasil compensou a perda de clientes lá fora.
Até mesmo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que costuma ser a porta-voz da choradeira, admite: os resultados do mercado doméstico nos primeiros 11 meses de 2006 superaram as expectativas. No começo do ano, esperava-se um crescimento de 7%. Mas a redução dos juros, o alongamento dos prazos de financiamento e o aumento da confiança do consumidor frutos da estabilização da economia brasileira surpreenderam até os mais otimistas, e agora a previsão é de um aumento de quase 12% nas vendas de veículos leves, caminhões, ônibus e máquinas agrícolas.
O resultado é que 2006 já pode ser considerado o segundo melhor ano da história para o mercado automotivo brasileiro, com 1,91 milhão de veículos vendidos, pouco atrás do recorde de 1,94 milhão de unidades estabelecido em 1997. Só não foi mais positivo por conta da redução das vendas de caminhões e colheitadeiras, já que, no caso dos veículos leves (automóveis e utilitários), o recorde deve ser alcançado já em 2006. Para a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), o número de emplacamentos vai atingir 1,79 milhão, pouco mais de 100 mil unidades a mais que em 1997.
"O grande fator de crescimento da indústria de veículos leves foi o crédito", diz Richard Dubois, especialista em setor automotivo da consultoria AT Kearney. "Hoje você pode parcelar seu carro em até 60 meses, enquanto há dois anos o prazo não passava de 48 meses. Nesse período, os juros caíram de 3% ao mês para cerca de 1,7%."
Segundo David Wong, vice-presidente da consultoria Kaiser Associates, a duração média dos financiamentos passou de 28 para 38 meses de 2005 para cá. "No ano passado, os bancos liberaram em média R$ 3,2 bilhões por trimestre para financiamento de veículos e motos. Já no primeiro trimestre de 2006, esse valor passou a R$ 4,2 bilhões, com um crescimento de mais de 30%." Com isso, a proporção de carros comprados a prazo no Brasil hoje em quase 70% está se aproximando dos níveis europeus e norte-americanos, que oscilam entre 85% e 90%.
Para Dubois, da AT Kearney, a possibilidade de novos distúrbios econômicos como os que fizeram o mercado desabar depois de 1997 é muito pequena. Por isso, espera-se pelo menos mais dois ou três anos de expansão nas vendas de veículos. No entanto, como esse crescimento é baseado no crédito, e acredita-se que uma parte considerável de quem queria comprar carro já assumiu financiamentos, as estimativas são de que o mercado avance mais lentamente agora: a Anfavea aposta em crescimento de 7,7% em 2007, enquanto a consultoria MB Associados prevê aumento de 9,1%. "Se não houver mais emprego e renda no país, a capacidade de compra das pessoas vai acabar. Depois de pagar seus parcelamentos, elas vão demorar muito tempo para assumir outros", diz Wong, da Kaiser Associates.