A imposição de cotas para o uso da banda larga fixa no Brasil faz parte da profunda transição das operadoras que não querem mais ser simples “fábricas de minutos” para chamadas telefônicas e trabalham para se transformar em “fábricas de gigas” para a internet. Nessa mudança, empresas tentam faturar mais. Dona da Vivo, a espanhola Telefónica diz que a intenção é aproveitar a oportunidade e “monetizar” o tráfego de dados nas residências. Com a mudança, a companhia promete aos acionistas “dobrar a taxa de crescimento das receitas em um futuro próximo”.
Enquanto o anúncio dos limites para uso da internet fixa é questionado duramente por clientes, as operadoras e os analistas defendem a estratégia especialmente com o argumento de que essa é uma maneira de reequilibrar o jogo de forças entre receitas e despesas em um setor que exige investimentos maciços. Com a medição do uso e a respectiva cobrança de cada cliente, operadoras já prometem a melhora dos resultados financeiros aos acionistas.
“Nós temos um potencial muito importante e considerável sobre a monetização dos dados na internet fixa. Alguns anos atrás, começamos a transição no celular. Agora, faz todo o sentido considerar um caminho semelhante para a internet fixa”, disse o então presidente da Telefónica, César Alierta, em teleconferência com analistas e investidores no fim de fevereiro. O executivo não citou o Brasil, mas a Vivo havia adotado as cotas na internet fixa dias antes dessa apresentação. Além do Brasil, a Telefónica adotou limites para a internet fixa na Alemanha, Argentina e Chile.
Para defender a mudança, a direção da Telefónica usou um forte argumento financeiro. “Nós podemos dobrar nossa taxa de crescimento das receitas em um futuro muito próximo”, disse Alierta. “Essa oportunidade de crescimento não está sendo considerada pelo mercado atualmente. Mas claramente está lá, e nós estamos indo pegá-la”, completou o executivo que deixou o cargo no mês passado e foi substituído por Jose Maria Alvarez-Pallete.
Analistas que acompanham o setor de telecomunicações encaram a medida com bons olhos, pois permitiria ao setor ganhar fôlego para os investimentos exigidos pelo uso crescente da internet. “Atualmente, o serviço de dados é o que importa para as operadoras. Esse limite é uma forma de cobrar mais de quem usa mais. Estudos mostram que o consumo vai disparar nos próximos anos e serão precisos investimentos pesados. E, para conseguir, elas precisam se adaptar”, diz o analista da corretora Renta4 em Madri, Iván Carbajo.
Igual argumento foi usado pela alemã Deutsche Telecom, que anunciou limite para o uso de dados em 2013. A maior operadora da Alemanha anunciou na época a adoção de limites para a banda larga fixa com a explicação de que o tráfego crescente na rede não poderia ser financiado por preços cada vez mais baixos. Na época, a empresa projetava que o volume de dados quadruplicaria entre 2013 e 2016. O limite da operadora, porém, acabou sendo bloqueado pela Justiça e a operadora continua oferecendo banda larga fixa sem limite na maioria dos pacotes disponíveis.
A estratégia de impor limites começou na década passada nos Estados Unidos. Em 2008, a operadora Comcast passou a estabelecer cotas para a internet fixa. Nos primeiros anos, clientes eram raramente acionados pelo uso. Atualmente, porém, há número crescente de reclamações de consumidores que atingem o limite e são obrigados a pagar mais. A também norte-americana AT&T adotou igual estratégia em 2011.