Dólar alto puxa preço de matéria-prima importada, inflando custos de produção já pressionados pelos reajustes.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A produção industrial brasileira caiu 3,3% em 2014 e deve recuar mais 2,2% neste ano, segundo economistas do mercado financeiro. Como se não bastasse a retração da atividade, o setor começou 2015 sob o impacto de uma inflação de custos raramente vista desde a estabilização da moeda, há duas décadas.

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Desventuras em série

Para o economista Flávio Castelo Branco, a situação atual tem a combinação mais desfavorável desde o Plano Real. “Em 1999, na maxidesvalorização do real, não havia pressões tão fortes sobre os custos. Em 2001, no racionamento de energia, a demanda ainda estava em alta. Em 2009, a inflação e contas públicas mais controladas permitiran ao governo usar política fiscal e monetária para estimular a economia.”

Os gastos com insumos, taxas de juros e impostos dispararam após as eleições, em decorrência de programas de ajuste fiscal – na União e em estados como o Paraná – e do chamado “realismo tarifário”, que inflou preços até então represados, como os da energia elétrica e dos combustíveis. Quem depende de matérias-primas importadas ou cotadas em dólar sofre ainda com a forte alta da moeda norte-americana, que subiu cerca de 20% desde o início do ano.

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Sinuca

Nos últimos anos, o governo obrigou vários setores a trocar o imposto sobre a folha de pagamento por um tributo sobre o faturamento. Agora o governo quer elevar o tributo, mas deve permitir que cada empresa opte pelo modelo que preferir. “É o ponto positivo desse pacote. As empresas poderão verificar periodicamente o que é mais vantajoso”, diz Carlos Tortelli, sócio da Consult Consultoria Empresarial.

O único alívio parece vir do próprio câmbio: como o real perdeu valor, os produtos brasileiros ficaram um pouco mais competitivos lá fora e os importados, mais caros aqui dentro. A questão é que nem o mercado interno nem o externo andam muito compradores. Assim, o aumento das despesas não é compensado de imediato por vendas maiores.

Roupa cara

Simulação do Departamento Econômico da Fiep mostra que a variação de três itens deve provocar um aumento de 7,11% nas despesas da indústria do vestuário: alta da energia, aumento de salários e da alíquota do imposto sobre faturamento. Ainda assim, diz a Fiep, voltar para a tributação sobre a folha seria desvantajoso.

O mais recente indicador de custos industriais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), referente ao terceiro trimestre de 2014, mostrava uma redução de 1,2% nas despesas do setor em relação ao segundo trimestre. É muito provável que essa queda tenha sido revertida desde então.

“Com certeza vamos detectar um aumento de custos, e não será pequeno”, observa Flávio Castelo Branco, gerente executivo da unidade de Política Econômica da CNI. “[Nos próximos indicadores] a tributação será maior. Os custos financeiros serão maiores. Algumas matérias-primas vão subir por causa do ajuste cambial. A energia, que já vinha subindo, também estará mais cara. Apenas a mão de obra pode ter um arrefecimento. Há uma pressão de custos de quase todos os lados, uma dificuldade a mais num momento em que a demanda está se retraindo.”

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A fabricante de pisos multiestruturados Masterpiso, de Curitiba, é afetada principalmente pela alta do diesel, que encarece o frete de sua principal matéria-prima. “Cerca de 70% da madeira que usamos é eucalipto, do interior do Paraná. O restante vem do Norte do país”, diz o diretor da empresa, José Antônio Baggio. Segundo ele, com os reajustes recentes, o peso da energia elétrica nos custos de produção subiu de 2,7% para perto de 4%. E, em 1.º de abril, a alíquota do ICMS no Paraná subirá de 12% para 18%.

Reajuste faz energia no Brasil ser a mais cara

Segundo levantamento da Firjan, eletricidade comprada pela indústria custa em média R$ 534, o maior valor entre 28 países

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Baggio relata uma preocupação comum a todo o setor industrial: como a demanda está em queda, é quase impossível repassar todo esse aumento de custos para o consumidor. Resta às empresas absorver parte da inflação e queimar gorduras em sua estrutura – se ainda houver o que queimar. “Não estávamos nadando de braçada. O ano passado foi difícil e, no geral, o que tinha para ser cortado já foi”, conta Cesar Rippel, gerente industrial da Perfecta, que produz equipamentos para panificação em Curitiba.

Segundo o executivo, no momento a maior pressão vem dos fornecedores. “O reajuste da energia não pesou tanto para nós, mas afetou quem nos fornece plástico, aço, fibra de vidro, alumínio, motores. Mas não temos como absorver todo o aumento que eles pedem, nem repassá-lo a nossos clientes, porque o mercado não está aquecido para ninguém”, diz Rippel.

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Alta do dólar dá fôlego a alguns setores

Em meio à disparada dos custos, a alta do dólar pode dar algum fôlego a muitos segmentos da indústria. É o caso do vestuário, que sonha reconquistar parte do mercado brasileiro. “Nos últimos três anos, amargamos prejuízos por causa da entrada de importados. Como muita gente vai deixar de importar por causa da alta dos preços, agora vemos a perspectiva de ganhar mercado aqui no Brasil”, diz a empresária Luciana Bechara, presidente do Sindivest Paraná, que representa as empresas do ramo, e dona da Be Little, especializada em moda bebê.

Para ela, os fabricantes de roupas infantis devem ser os primeiros beneficiados. “A mãe não tem como comprar roupa que dure dois ou três anos. É para seis meses. Então o reflexo é mais rápido que para a moda masculina ou feminina”, diz. Segundo a empresária, os importados tinham uma fatia de 20% nesse mercado, que deve cair para perto de 12%. “Com isso, a indústria nacional ganha pelo menos 8% de mercado”, calcula.

A Masterpiso, que exporta 60% de sua produção, também vê ganhos com a desvalorização do real. Mas o lucro não virá tão fácil, diz o diretor da empresa, José Antônio Baggio. “O câmbio nos tornou mais competitivos, mas o cliente lá fora sabe que o dólar subiu aqui e, por isso, pede desconto. E o nosso fornecedor pede aumento”, diz. (FJ)

Quem é que sobe

Confira abaixo alguns aumentos de custos dos últimos meses

Taxas de juros

De outubro a fevereiro, as taxas de juros de mercado pagas por empresas subiram de 24,32% para 26,11% ao ano. A Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que era de 5% ao ano, chegou a 6% na semana passada. E os juros do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que variavam de 4% a 8% ao ano, agora vão de 6,5% a 11%

Óleo diesel

O aumento do PIS/Cofins, em fevereiro, elevou o preço do combustível em cerca de 7%.

Energia

No mercado regulado do Paraná, a tarifa industrial subiu em média 39% em março, sem contar os efeitos da bandeira tarifária vermelha. Segundo estudo da Fiep, o peso da energia nos custos do setor dobrou em menos de um ano, de 1,4% para 2,8%

ICMS

A alíquota do imposto no Paraná subirá, em abril, de 12% para 18% para centenas de produtos. O aumento é superior à margem de lucro de muitos segmentos da indústria. Boa parte desse aumento de tributo deve ser repassada ao consumidor

Tributos federais

A contribuição sobre o faturamento – cobrada em troca da desoneração da folha de pagamentos – pode subir de 1% para 2,5% em alguns casos, e de 2% para 4,5% em outros. A questão ainda não passou pelo Congresso

Dólar

Do início do ano até a última sexta-feira (27), a moeda norte-americana ficou 21% mais cara em relação ao real. Se por um lado facilita as exportações, por outro esse movimento encarece as matérias-primas importadas. O resultado final dessa combinação depende da estrutura de custos da empresa e da fatia de sua produção que é exportada

Reajustes reduzem a competitividade

Os aumentos de juros, impostos e preços dos últimos meses afetam toda a economia, mas é na indústria que o estrago é maior. Mais exposto à concorrência de estrangeiros, tanto no mercado externo quanto no interno, o setor sente mais intensamente o aumento do custo de se produzir no país. Um agravante é que, ao mesmo tempo em que eleva impostos, o ajuste fiscal reduz o investimento público em infraestrutura, o que resulta em mais custos – de transporte, por exemplo – e menos produtividade.

Cesar Rippel, gerente industrial da fabricante de equipamentos de panificação Perfecta, explica o que o aumento do “Custo Brasil” representa dentro de uma empresa globalizada. A empresa, de Curitiba, foi comprada em 2012 pela norte-americana ITW, dona de dezenas de companhias mundo afora. “Até cinco anos atrás, os custos daqui eram comparáveis aos da China. Agora, se aproximam dos custos dos Estados Unidos. Quando a matriz quiser lançar produtos, vai escolher a unidade que for mais vantajosa. Por melhores que sejam os nossos produtos, o custo não pode ser tão elevado”, diz.

No ano passado, a Perfecta absorveu as seis linhas de produção da marca Hobart, que tinha fábrica em São Paulo e também pertence à ITW. “E fizemos isso com ganhos de produtividade, sem elevar o quadro de pessoal”, diz. (FJ)