Na manhã de sexta-feira, 11, executivos de uma companhia estrangeira com projetos de ampliar seus investimentos no Brasil ligaram para seu consultor de negócios local com uma pergunta direta: a perda do grau de investimento pela Standard & Poor’s (S&P) indica que o Brasil está em uma trajetória de insolvência? O especialista respondeu que o país não vai quebrar, exceto se surgir um fato novo de grandes proporções, e desfiou um rosário de razões para convencer os interlocutores de que vale a pena continuar investindo no Brasil. A decisão da S&P deixou inseguros muitos investidores estrangeiros e nacionais com planos de aplicar recursos em projetos de infraestrutura. O primeiro impulso foi retornar às planilhas e refazer os cálculos. Segundo especialistas, nos próximos três anos, o Brasil poderá deixar de receber cerca de US$ 20 bilhões em investimentos estrangeiros diretos (IED) — ou seja, destinados à produção e não ao mercado financeiro — por conta do downgrade. A estimativa é da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).
O presidente da entidade, Luís Afonso Lima, explica que, no estudo da Sobeet, foram selecionados oito países, inclusive o Brasil, que receberam o selo de bom pagador, usando como base de comparação o período de três anos antes e três anos depois da concessão desse status. Na média, o IED dessas economias aumentou 121% no período. Pelas projeções de Lima, no Brasil o IED cairia de US$ 65 bilhões para US$ 45 bilhões até 2018. Ele explicou que, como o número de países que receberam o grau de investimento de agências de classificação de risco é bem maior do que os que perderam, a conta segue o caminho inverso. “Podemos esperar recuo do IED e, consequentemente, o menor crescimento da economia, devido aos ajustes que precisam ser feitos. O investimento direto é atraído pelo crescimento”.
Brasil em stand by
A perda do investment grade se traduz em um custo de financiamento maior, o que dificulta os investimentos produtivos. A consequência imediata que se espera é uma restrição maior do crédito, exatamente no momento em que o governo federal vem freando a oferta de financiamentos públicos. As rodovias leiloadas pelo Programa de Investimentos em Logística (PIL), a partir de 2014, por exemplo, ainda não conseguiram empréstimos definitivos junto ao BNDES — que tem feito exigências, como a emissão de debêntures, para conceder crédito.
A tendência de maior aperto no financiamento é um dos motivos para uma reavaliação dos investimentos e a busca de taxas de retorno mais altas em ativos como as quatro rodovias do PIL 2, que o governo quer leiloar ainda este ano. Segundo consultores, a mudança do cenário prejudica ainda grupos nacionais que buscavam investidores estrangeiros em projetos de dessalinização no litoral, concessões de saneamento básico e linhas de metrô.
Para muitos investidores institucionais de Europa e América do Norte, o grau de investimento é condição para aplicar recursos em determinado país. Se o Brasil perder o grau de investimento em mais uma agência, muitos fundos de pensão estrangeiros se verão obrigados a transferir seus recursos para outros países, o que afetará o financiamento dos projetos que contam com esse dinheiro. “Outros investidores poderão vir, mas os custos fatalmente vão ficar mais elevados”, prevê Carlos Eduardo Lima Jorge, presidente da Comissão de Obras Públicas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.
Ele destaca que as parcerias público-privadas (PPPs) e concessões no Brasil estão em um novo cenário, porque, sem o BNDES, o governo fica mais dependente de recursos de fora para financiar seus projetos. “O mundo está cheio de oportunidades de investimentos com boas taxas de retorno, e o custo do financiamento no Brasil ficou ainda maior”, observa Luciano Almeida, diretor-presidente da Find Consultoria, que faz a intermediação de negócios entre empresas brasileiras e estrangeiras.
Um articulador do setor de construção lembra que a sinalização do governo de que elevará impostos para atingir a meta fiscal, sem indicar quais serão, aumenta a incerteza dos potenciais empreendedores, que terão de voltar às planilhas se novos impostos surgirem pelo caminho.
Para Almeida, porém, a combinação de ativos baratos em dólar e a redução da nota pela S&P cria uma oportunidade única para o país avançar em reformas e atrair mais investimentos externos. “O que temos de fazer é sinalizar que as coisas têm como melhorar e ganhar mais segurança política. Os investidores querem bons projetos e segurança, por isso eles colocarão o Brasil em stand by até que as nuvens passem e tenhamos uma visão melhor do cenário”, recomenda Almeida.
Reflexo da crise política
Para o economista Gesner Oliveira, da GO Associados, potenciais investidores estão revendo sua posição, mas isso não muda a lógica do negócio. “Só o PIL tem R$ 200 bilhões em investimentos previstos, e a demanda reprimida é brutal. Não há dúvida da necessidade do leilão da “Rodovia do Frango” (em Santa Catarina e Paraná), do aeroporto de Porto Alegre. Se houver um mínimo de sensibilidade, sem regras que agridam a lógica do mercado, ele continuará a funcionar, porque o investidor está pensando em 30 anos”.
Já Gustavo dos Reis Vajda, gerente de negócios para o Brasil da Canadian Solar, que assumiu investimentos de R$ 700 milhões em projetos de energia solar no país em agosto, diz que o rebaixamento reflete uma crise mais política que econômica. “O setor de energia elétrica tem muita demanda e, por isso, não é tão afetado. Nossa maior preocupação hoje é a disparada do dólar, por causa do custo dos equipamentos”.
Na área econômica, o encarecimento do crédito e a alta dos juros, com o aumento do risco-país, são a maior preocupação. Mas há consenso de que, se o governo mostrar unidade e clareza sobre as medidas de ajuste, as perdas não serão tão grandes. “Se o governo tem previsibilidade, os investidores deixam de seguir as notas das agências”, diz uma fonte da área econômica.
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