Guedes foi voto vencido na discussão sobre reajuste a servidores e prevaleceu a vontade do presidente Bolsonaro. Definição de quem terá aumento, porém, não deve sair tão cedo.| Foto: Marcos Correa/PR
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Ao sancionar o Orçamento de 2022 da União na última sexta-feira (21), o presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu manter R$ 1,7 bilhão para o reajuste de servidores, sem "carimbar" o recurso para categorias específicas. Mas, diante da percepção negativa de boa parte do funcionalismo público federal com um possível reajuste apenas para as forças de segurança, Bolsonaro deve adotar a estratégia de deixar a discussão sobre o tema em "banho-maria" nas próximas semanas.

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No Planalto, especula-se que a decisão possa ser tomada somente no fim de março. No início de abril, entram em vigor restrições da lei eleitoral (9.507/1997) que podem dificultar a concessão de aumentos.

No período de 180 dias antes das eleições – que neste ano terão seu primeiro turno em 2 de outubro –, a legislação proíbe agentes públicos de fazer "revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição". Isso porque, segundo a lei, medidas como essas podem "afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos".

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Na visão de interlocutores do presidente, o assunto deve esfriar à medida que a área da saúde demandar mais atenção e recursos, com o aumento de casos de infecção por Covid-19. A estratégia, segundo aliados, é bater o martelo sobre o reajuste apenas quando a pressão do funcionalismo arrefecer.

Houve atos no dia 18 de janeiro e paralisações estão programadas para a próxima quinta-feira (27) e o dia 2 de fevereiro. Os servidores do Banco Central, por sua vez, preparam paralisação para o dia 9 de fevereiro e, caso as negociações não avancem, greve por tempo indeterminado a partir de 9 de março.

O movimento se intensificou depois do aceno do presidente com reajuste para servidores da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Cerca de 40 categorias do funcionalismo passaram a reivindicar aumento de salário e reestruturação de carreiras. Caso as demandas não sejam atendidas, servidores prometem estender a greve por tempo indeterminado.

Relembre as idas e vindas da questão do reajuste salarial ao funcionalismo:

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1. Em novembro, promessa de reajuste para todos, "sem exceção"

Em 15 de novembro de 2021, na esteira das discussões sobre a PEC dos precatórios que abriu espaço fiscal de mais de R$ 106 bilhões no Orçamento de 2022 da União –, Bolsonaro afirmou que, em caso de aprovação, usaria parte da nova margem de gastos para conceder aumento salarial ao funcionalismo.

"Daí dá para a gente atender [com a PEC dos Precatórios] os mais necessitados, dá para atender a questão orçamentária, pensamos até em obviamente, dado o espaço que está sobrando, atender em parte os servidores", disse Bolsonaro em 15 de novembro na Expo 2020, em Dubai.

No dia seguinte, ainda durante a viagem no Oriente Médio, o presidente afirmou que todos os servidores seriam atendidos pelo reajuste, "sem exceção". "A inflação chegou a dois dígitos. Conversei com o [ministro da Economia] Paulo Guedes, e em passando a PEC dos Precatórios, tem que ter um pequeno espaço para dar algum reajuste", disse. "[O reajuste é para] todos os servidores federais, sem exceção", completou.

O aumento não seria exatamente o que os servidores merecem, disse o presidente, "mas é o que nós podemos dar". "Por causa da inflação, os servidores estão há dois anos sem reajuste. Com a questão da pandemia, isso [aumento] até se justifica, porque muita gente perdeu o emprego ou teve até seu salário reduzido", afirmou.

Na época, integrantes do próprio governo relataram "espanto" com a promessa de Bolsonaro, que não teria sido discutida internamente com a equipe técnica. "Isso não está no nosso elenco", comentou o ministro da Cidadania, João Roma.

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Alguns especialistas também acusaram o governo de se "irresponsável" dada a possibilidade que se abriu para descumprir o teto de gastos com a PEC e o possível reajuste. O primeiro texto da peça orçamentária de 2022, além disso, não mencionava aumento de salário para o funcionalismo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

2. Bolsonaro volta a falar em reajuste

O presidente voltou a falar em reajuste aos servidores federais em 8 de dezembro, durante entrevista ao programa "Hora do Strike", da Gazeta do Povo. Entre outras coisas, Bolsonaro disse que, dado o contexto orçamentário apertado, não haveria recomposição de toda a inflação. Segundo ele, a ideia era de dar algum reajuste, mesmo que de apenas 1%.

"Teria 3, 4, 5%, 2, que seja 1%. Essa que é a ideia. Estamos completando aí no meu governo três anos sem reajuste. Agora, o reajuste não é pra recompor toda a inflação, porque não temos espaço para isso, então não tem irresponsabilidade do meu nome", afirmou Bolsonaro.

Na entrevista, o presidente também rebateu críticas de que teria intenção de estourar o teto de gastos. "Quando eu falei em servidor, ninguém falou em estourar o teto de gastos. Nós estávamos trabalhando na PEC de precatórios. Uma vez aprovada a PEC dos precatórios, eu falei com o Paulo Guedes da possibilidade de dar um reajuste", disse.

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3. Mudança: reajuste só para forças de segurança

Em meados de dezembro, Bolsonaro passou a falar em reajuste apenas para forças de segurança. Foi a partir do dia 13 daquele mês, após reunião entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, representantes de forças de segurança e o gabinete do ministro Paulo Guedes para discutir uma possível reestruturação de carreiras e reajuste salarial dessas categorias.

Participaram da reunião os diretores-gerais da Polícia Federal, Paulo Gustavo Maiurino; da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques; e do Depen, Tânia Fogaça.

"Entreguei hoje (13), para processamento do @MinEconomia o resultado de meses de intenso trabalho do @JusticaGovBR: reestruturação das carreiras da @policiafederal, @PRFBrasil e do @depenmj! É o governo @jairbolsonaro buscando ainda mais valorização das forças de segurança!", escreveu o ministro da Justiça em seu perfil no Twitter.

Um dia após a reunião, o presidente anunciou, durante o lançamento do programa Rodovida 2022, no Palácio do Planalto, que estudaria com a equipe econômica um possível reajuste salarial para policiais até 2022, ouvindo dirigentes da categoria.

"Temos que valorizar vocês também, não podemos ficar apenas nos discursos e nas promessas", disse o presidente, no evento. "A questão de recursos [para o reajuste salarial] para vocês, a parte humana, se Deus quiser, hoje à tarde a gente resolve", disse Bolsonaro.

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4. Equipe econômica diz que não há espaço, e Guedes só admite reestruturação limitada

Desde sua origem, a ideia de reajustar salários do funcionalismo desagradou a equipe econômica do governo. O ministro Paulo Guedes avaliava que um reajuste linear de servidores em 2022 "não seria oportuno".

Na visão de Guedes, mudanças salariais deveriam se dar dentro de um contexto de reforma administrativa, exclusivamente. O titular da pasta, além disso, já vinha defendendo que o espaço fiscal advindo da PEC dos precatórios seria quase todo comprometido com outras despesas, dando a entender que não haveria espaço para elevar o gasto com o funcionalismo.

"Se aproveita e generaliza aumento de salário para o Brasil inteiro, para o funcionalismo em geral, estadual, municipal e federal, você vai fragilizar as finanças de todo mundo de novo", disse o ministro a jornalistas após participar de evento com empresários organizado pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), em 15 de dezembro.

Apesar disso, o ministro admitiu que poderia haver exceções para determinadas categorias – a exemplo das forças de segurança –, desde que o aumento fosse feito de forma "muito localizada e muito limitada".

"Uma coisa se chama aumento geral de salários, e esse não é o momento oportuno. A economia acabou de se levantar. É uma proposta geral, vale para todo mundo. Se chegar a ter um aumento aqui, pode trazer uma desorganização das finanças", afirmou, na mesma ocasião.

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"Estamos conversando, pode até se fazer reestruturação, uma reforma, mas tem que ser um negócio especifico, muito localizado e muito limitado em números", acrescentou Guedes.

5. Ministério encaminha pedido ao relator do Orçamento, mas alerta sobre riscos

Atendendo a pedido de Bolsonaro e a uma decisão da Junta de Execução Orçamentária, Guedes encaminhou ao relator-geral do Orçamento, em 16 de dezembro, ofício em que faz uma sugestão de alteração no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022.

No documento, ele solicitou a reserva de R$ 2,855 bilhões (R$ 2,5 bilhões em gastos primários e R$ 355 milhões em despesas financeiras), "tendo em vista a decisão do Presidente da República quanto à reestruturação de determinadas carreiras do Poder Executivo Federal".

Num quadro com os valores solicitados, o documento usava a expressão "limite destinado ao atendimento de PLs relativos a reestruturação e/ou aumento de remuneração de cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Executivo", sem especificar quais as carreiras afetadas.

"O pedido veio da classe política, eu estou na outra ponta", justificou Guedes em entrevista coletiva no dia seguinte, afirmando que foi voto vencido na decisão pela chamada reestruturação: "Eu disse: vamos segurar o negócio porque a inflação vai descer no ano que vem e vai ser melhor para todo mundo”.

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Guedes disse ter alertado o governo de que a medida poderia gerar um efeito cascata, com prejuízos para as gerações futuras. "Se sair uma onda generalizada de reposição de salários, quando a economia acaba de se levantar [da crise provocada pela pandemia] e a inflação está subindo, vamos romper o compromisso com as gerações futuras", afirmou Guedes na coletiva. "Quem pede aumento de salários está dizendo: já tomei a vacina e quero meu dinheiro de volta. Quero renegar o meu sacrifício. Se fizermos isso, vamos rolar para a frente esse endividamento, para nossos filhos e netos."

"Se todos tiverem esses aumentos, é uma desonra com as futuras gerações. Aí a inflação vai voltar, vamos mergulhar em um passado tenebroso, vamos nos endividar em bola de neve. Nosso papel é assegurar que isso não aconteça", prosseguiu o ministro. "Se começa a todo mundo pedir, a inflação vai para 15%, 20%, aí quem sofre é a população pobre, aí o Auxílio Brasil vai a R$ 600."

Na época, o relator do Orçamento, Hugo Leal (PSD-RJ) demonstrou preocupação com a proposta de reajuste. "Acho muito difícil porque o reajuste tem impacto permanente. Esse espaço é para 2022 e temos que preparar o país para 2023, 2024, 2025… Pode ser merecido e importante para eles, eu tenho pessoas da minha família que são também servidores públicos federais, mas tenho a preocupação principal, que é a marca do relatório, é continuar atendendo a saúde e os benefícios de caráter social", disse Leal ao "Estado de S. Paulo".

6. Funcionalismo pressiona e Bolsonaro diz que reajuste "não está garantido para ninguém"

Em 8 de janeiro de 2022, após trabalhar diretamente na articulação para o aumento de salário de servidores e depois da reação negativa de parte do funcionalismo federal, Bolsonaro disse que o reajuste não estava garantido "para ninguém".

"Primeiramente, não está garantido reajuste para ninguém. Tem uma reserva de R$ 2 bilhões que você pode usar, poderia ser usado para PF, PRF, e também para o pessoal do sistema prisional, mas não está nada garantido no tocante a isso aí", afirmou.

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A mudança de postura desagradou as forças de segurança do funcionalismo. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (Fenaprf), Dovercino Neto, afirmou que a categoria pode se sentir traída caso o governo não conceda o reajuste salarial prometido.

"Caso o governo volte atrás e desista dessa reestruturação, a categoria poderá sentir isso como uma traição por parte do governo… Contudo, o momento é de crer que o governo Bolsonaro vai honrar com seu compromisso com o fortalecimento e a valorização da segurança pública", disse Neto.

A essa altura, sindicatos já se mobilizavam e davam indicativo de greve, contra o aceno de Bolsonaro exclusivo à categoria policial. Os trabalhadores realizaram atos em Brasília no dia 18 de janeiro e já preparam outros. Caso suas demandas não sejam atendidas, servidores prometem estender a greve por tempo indeterminado.

Em protesto, alguns servidores também entregaram seus cargos comissionados e a passaram a realizar a chamada "operação-padrão", também conhecida como "operação-tartaruga" – a realização de serviços seguindo os procedimentos operacionais padrão com o máximo rigor.

Apesar da mudança de tom, Bolsonaro disse reconhecer que os servidores "perderam bastante o poder aquisitivo", mas que "alguns [servidores] pegaram isso aqui [R$ 1,7 bilhão] e falaram 'também quero'".

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"E foi feita essa onda toda... Os servidores estão sem reajuste há três anos, tiveram a reforma da Previdência", disse. O presidente teria sido orientado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e outros aliados a não conceder reajuste para nenhuma categoria, como forma de conter o movimento grevista.

7. Presidente "suspende" reajuste e sugere que não atenderá todas as categorias

Na última quarta-feira (19), em entrevista à Jovem Pan News TV, Bolsonaro disse que o reajuste estava "suspenso", mas que haveria novos desdobramentos. E deu a entender que, se confirmado, o aumento seria mesmo apenas para as forças policiais.

"A gente pode fazer justiça com três categorias. Não vai fazer justiça com as demais, sei disso. Fica aquela velha pergunta a todos: vamos salvar três categorias ou vai todo mundo sofrer no corrente ano?", disse.

8. Bolsonaro sanciona verba de R$ 1,7 bilhão para aumento

O mais recente capítulo da novela foi a sanção do Orçamento de 2022 na sexta-feira (21). O texto foi publicado na segunda-feira (24) com alguns vetos, mas a previsão de R$ 1,7 bilhão para reajustes – esse valor, aprovado pelo Congresso, ficou abaixo do solicitado pelo governo em dezembro (R$ 2,855 bilhões) – foi sancionada pelo presidente.

O governo não informou quais categorias serão beneficiadas pela verba, mas por ora predomina a tendência de que apenas policiais federais, policiais rodoviários federais e funcionários do Depen serão atendidos.

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"Tem esse espaço aí de R$ 1,7 bilhão, mas ele é pequeno, né? Não dá para todo mundo. Vai dar quanto para cada um? Dez centavos de aumento? Difícil", disse o vice-presidente Hamilton Mourão na segunda-feira (24).