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Alterar a forma de tributação dos combustíveis, como o governo federal tem sinalizado que pretende fazer, é “inócuo” se não houver uma fiscalização mais eficiente sobre a sonegação de impostos no setor. A opinião é do especialista em direito tributário Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Conselho Superior do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
“Se houver um combate efetivo à sonegação, a arrecadação sobe, permitindo uma diminuição das alíquotas e uma redução no preço ao consumidor final”, afirma. Pelos cálculos dele, o combate efetivo à sonegação permitiria elevar a arrecadação em R$ 20 bilhões ao ano e, com isso, reduzir em até três pontos porcentuais o ICMS e em cinco pontos, o PIS e a Cofins.
Nesta sexta-feira (12), o presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso uma proposta que estabelece uma alíquota única do ICMS para todos os estados e determina que a cobrança do tributo sobre os combustíveis seja feita nas refinarias, além da cobrança de um valor fixo por litro em vez de um porcentual.
“Toda essa discussão, a gente entende como inócua”, diz Amaral. “O que define o preço dos combustíveis é o mercado internacional, e a tributação acompanha essa variação. O grande problema são as alíquotas elevadíssimas, que taxam muito o combustível.”
Somados, PIS e Cofins, tributos federais, e o ICMS, que é cobrado pelos estados, compõem mais de 45% do preço final do combustível para o consumidor. “Diminuir as alíquotas altera o preço final dos combustíveis. Mas o governo fala em mudar a forma de incidência, o que não vai produzir resultado.”
O governo federal tem argumentado que, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para que seja possível reduzir algum imposto, é necessário indicar uma fonte de compensação. “De fato, não se pode abrir mão de receita, tanto pela LRF quanto pela própria necessidade, já que estamos vivendo um déficit fiscal muito grande”, diz o presidente do conselho superior do IBPT.
Segundo ele, há estados em que a arrecadação com combustíveis representa 25% do total recolhido com o ICMS sobre todas as mercadorias e serviços. “A melhor maneira de garantir receita é combatendo a sonegação. É o meio mais eficaz para que o preço do combustível caia na bomba.”
De acordo com os cálculos do tributarista, o total de impostos devidos mas que não são pagos sobre os combustíveis gira em torno de 20% do que poderia ser arrecadado. Além de PIS, Cofins e ICMS, quando a venda do produto não é declarada, há impacto também no recolhimento de Imposto de Renda e de contribuição social.
“A arrecadação geral fica em torno de R$ 100 bilhões anuais, considerando todas as repercussões. Ou seja, com um combate efetivo à sonegação, poderia se chegar a um aumento de até R$ 20 bilhões em arrecadação ao ano”, diz o tributarista. Com isso, seria possível reduzir em até três pontos porcentuais o ICMS e em outros cinco pontos, o PIS e a Cofins.
Estado já tem ferramentas para fiscalizar sonegação sobre combustíveis
Amaral explica que a tributação sobre combustíveis no país incide sobre duas etapas da cadeia do setor: nas refinarias – ou usinas, no caso do etanol – e nas distribuidoras. “Quando o produto chega ao posto, já houve a tributação”, diz. “A sonegação ocorre quando se deixa de emitir nota fiscal na venda. Como não sai combustível sem nota fiscal da refinaria, esse trânsito não declarado vai se dar entre a usina e a distribuidora, no caso do etanol, e entre a distribuidora e o posto”, explica.
O Brasil tem hoje cerca de 45 mil postos de combustível, em torno de 300 distribuidoras e perto de 50 refinarias. “A sonegação é totalmente rastreável, porque você tem o combustível saindo com nota fiscal da origem”, diz o tributarista. Dados da Nota Fiscal Eletrônica (NFe) e do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTe), que já estão à disposição tanto da Receita Federal quanto das Secretarias da Fazenda dos estados, permitiriam detectar irregularidades.
Essa verificação poderia ser feita, por exemplo, com os cruzamentos do volume de combustível transportado com o volume de notas fiscais emitidas, do volume produzido e distribuído de combustível com a arrecadação individual de cada empresa, e com o monitoramento de CTes, verificando as distâncias percorridas pela carga. “Como o frete é um elemento importante no preço final do produto, não há racionalidade em um transporte que sai de São Paulo e vai até Pernambuco, ou que sai do Paraná e vai para a Bahia”, exemplifica.
“Não que seja algo simples, mas é totalmente viável”, diz Amaral. Para ele, falta vontade política tanto por parte do governo federal quanto dos governos estaduais em aumentar essa fiscalização, em razão do lobby do setor, que detém uma força econômica muito grande no país.
Falta de fiscalização prejudica consumidor duas vezes
Apenas em janeiro de 2021, a Petrobras anunciou dois aumentos para a gasolina e um para o diesel, acumulando altas de 13% e 4,4% no preço dos combustíveis nas refinarias, respectivamente. Em fevereiro, novo reajuste, de 8,2% para a gasolina e 6,2% para o diesel. “A sonegação, ao mesmo tempo que diminui a arrecadação pelos cofres públicos e eleva os custos ao consumidor, também reflete na qualidade do combustível”, diz Amaral.
É comum, por exemplo, o uso da nafta na composição da gasolina, uma vez que o produto, também derivado do petróleo, paga menos imposto. Também em razão da tributação menor, adiciona-se etanol à gasolina em porcentuais acima dos permitidos por lei. “Se não há controle do fluxo de combustível que sai da refinaria até a venda na bomba, permite-se que o combustível seja batizado. O consumidor é lesado duas vezes: por pagar um tributo que não vai para o estado e por receber um produto de má qualidade.”
O impacto da omissão no pagamento de tributos sobre combustíveis chega a toda a economia do país. Por estar embutido no custo do frete, o preço do diesel em particular resulta em aumento nos valores de produtos de alimentação, vestuário, higiene, limpeza e até da energia elétrica e telecomunicações. “Somos um país em que o transporte de carga se dá principalmente por rodovias, mas mesmo os modais ferroviário e hidroviário dependem dos combustíveis.”