Luiz Luz, da Belmonte: vendas para a Venezuela “travaram”| Foto: Brunno Covello/ Gazeta do Povo

Política comercial

Governo escolhe o que pode ser importado e quem pode comprar

À revelia da Organização Mundial do Comércio (OMC), a Venezuela tinha até pouco tempo atrás duas taxas de câmbio, o que ajudava o governo a "escolher" importações. No câmbio oficial, válido para a compra de produtos considerados essenciais, o dólar era cotado a 4,30 bolívares. Quem quisesse importar outras mercadorias tinha de pagar a taxa secundária, de 6,30 bolívares.

Em meados de fevereiro, o governo decidiu unificar as taxas em 6,30. Além da desvalorização de 32% no câmbio oficial, o que encareceu as importações, a medida significou um controle ainda maior sobre o acesso à moeda estrangeira.

"A situação piorou muito. Antes, quem quisesse importar algo não prioritário tinha de pagar mais caro. Agora simplesmente não consegue autorização para comprar dólar. Quem vender para essas empresas pode ter certeza de que não vai receber", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

"Travou tudo"

A Belmonte Comercial Exportadora, uma revendedora de compensados de madeira com sede em Pinhais, não manda nada para a Venezuela desde setembro. Até então, 30% das exportações da empresa iam para lá. "Travou tudo. O governo não liberou mais os pedidos de importação de nosso cliente", conta Luiz Luz, proprietário da empresa.

Castro, da AEB, salienta que em 1º de julho a Venezuela assume a presidência do Mercosul – e até agora não fez qualquer movimento para se adequar às regras do bloco: "O Mercosul será presidido por um país que define o que pode ser importado, quem pode importar e de quem".

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O Paraná não tem ganhado muito com a "revolução bolivariana" deflagrada por Hugo Chávez e agora conduzida pelo presidente interino da Venezuela, Nicolás Maduro. Embora tenham crescido nos primeiros anos do chavismo, as exportações paranaenses para aquele país caem quase sem trégua desde 2009 e atingiram, no ano passado, o menor nível desde 2004.

No começo os negócios foram afetados pela crise internacional. Mas, nos últimos anos, vêm sendo atravancados pelas dificuldades econômicas da Venezuela e, principalmente, pela crescente intervenção do governo sobre o comércio exterior.

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O ambiente piorou no mês passado. Além de reduzir o poder de compra das empresas venezuelanas, a nova desvalorização do bolívar – de mais de 30% – levou ao extremo a distinção que o Palácio Miraflores já fazia entre as importações de produtos ditos "prioritários" e as demais, paralisando parte dos negócios.

Em 2012, o Paraná vendeu US$ 156 milhões para a Venezuela, 62% menos que no auge das transações, em 2008 (US$ 408 milhões). Com isso, a participação da República Bolivariana nas exportações estaduais baixou de 2,7% para 0,9%. Na lista de destinos dos produtos paranaenses, o país caiu da 10.ª para a 29.ª posição.

Não há sinais de melhora neste ano. No primeiro bimestre, os embarques do estado para lá caíram 33%. As exportações brasileiras também recuaram, mas menos (-12%).

Rabeira

O Paraná foi um dos estados mais afetados pelas restrições do governo venezuelano. De 2008 para cá, apenas Distrito Federal e Acre tiveram resultados piores. No geral, o Brasil ainda exporta para a Venezuela menos que em 2008, mas pelo menos vinha conseguindo elevar as vendas nos últimos anos – entre 2009 e 2012, elas subiram 40%.

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A questão é que as transações esfriaram em setores cruciais para o Paraná, como a avicultura e a indústria automotiva. Com isso, as vendas de carne de frango e veículos produzidos no estado caíram mais de 90% em apenas quatro anos. Produtos como soja, milho, rações e cabos elétricos ganharam espaço, mas não a ponto de compensar as perdas dos demais.

Importações

Se por um lado vende cada vez menos, o Paraná tem comprado mais dos venezuelanos. As importações mais que dobraram no ano passado, chegando a US$ 19,5 milhões, pouco abaixo do volume de 2008 (US$ 20,4 milhões). Bastante limitada, a pauta se concentra em ureia (usada em fertilizantes), metanol e alumínio.

Haja paciência!Exportador demora meses para receber. E até importar é difícil

Quem exporta para a Venezuela precisa ter paciência: o pagamento pode demorar meses. As empresas venezuelanas dependem de autorização do governo para comprar os dólares com que vão remunerar seus fornecedores, em um processo moroso e sujeito ao humor das autoridades.

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Obstáculos como esse ajudam a explicar por que o número de empresas paranaenses que exportam para lá tem diminuído – nos últimos quatro anos, baixou de 203 para 174.

"Feito o embarque, o pagamento demorava de 90 a 120 dias. Com outros países, o prazo vai de uma a três semanas", conta Luiz Luz, proprietário da Belmonte Comercial Exportadora, que desde setembro não vende para a Venezuela – seu cliente não conseguiu mais autorizações para importar.

A curitibana Incavel, revendedora de peças para carrocerias de ônibus, decidiu não correr o risco: só faz o embarque depois de receber o dinheiro. "É uma forma de proteção contra a burocracia", explica a venezuelana Vannia Garcia Naranjo, responsável pelas vendas externas da empresa.

Crescimento

A fabricante de cabos elétricos Conduspar, de São José dos Pinhais, está no reduzido grupo de empresas que têm vendido mais para a Venezuela – o país é o principal destino de suas exportações, com 30% do total. Mas isso não quer dizer que seus processos corram mais rápido.

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Até importar de lá é difícil, segundo a analista de importação e exportação da Conduspar, Carolina Pessotto: "Compramos alumínio da Venezuela. Cada carga demora um mês a mais que o previsto para chegar, ora por problemas na alfândega, ora por falta de contêiner".

Auge foi no governo Requião

As relações entre Paraná e Venezuela nunca estiveram tão próximas quanto na gestão de Roberto Requião, amigo de Hugo Chávez. Em novembro de 2005, o governador paranaense liderou uma missão empresarial rumo à Venezuela, retribuída em abril do ano seguinte, quando o venezuelano veio a Curitiba. Em paralelo às rodadas de negócios entre os empresários, Chávez e Requião assinaram acordos de cooperação técnica e econômica – um deles estabeleceu preferência de atracação de cargas do Paraná nos portos venezuelanos, e vice-versa. Por um tempo, tudo funcionou muito bem para as empresas paranaenses. As exportações para a Venezuela, que já estavam em alta, mais que dobraram entre 2005 e 2008, período em que o número de exportadoras saltou de 146 para 203. A partir de 2009, no entanto, o comércio desandou.

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