Retrocesso
Acordo com chineses ameaça reprimarizar economia argentina
Para especialistas, o tipo de troca estabelecido , de matérias-primas por manufaturas, leva ao risco de "reprimarizar" a economia regional. "A relação argentina com a China deveria ser coordenada com o Brasil, como houve em missões binacionais em 2002 e 2003. Está claro que é preciso se relacionar com a China, isso não é uma opção, pois o mercado europeu caiu e há instabilidade geral. Mas isso deveria ser feito em conjunto, como bloco Mercosul, ou estamos fritos", diz Alejandro Bercovich, professor de macroeconomia na Universidade de Buenos Aires (UBA).
O economista Ariel Slipak, também da UBA, ressalta que há desequilíbrio nas negociações envolvendo chineses desde o momento em que eles se apresentam como emergentes para conseguir vantagens em relação às potências ocidentais. "A China como financiadora exige condições especiais. Reforma a ferrovia que passa por 70% do território argentino, mas os vagões têm de ser comprados lá, até componentes que são feitos no Brasil e na Argentina. De alguma maneira, pode coagir os países a contratar chineses", diz Slipak.
Subordinação
Embora a aproximação com a China incomode o Brasil, a Argentina também perde. "A subordinação dos dois países, em razão dessas assimetrias, desarticula a industrialização regional. Os chineses, em 90%, querem produtos primários, com petróleo cru, minerais ou soja", diz Ariel Slipak, salientando que os vizinhos latino-americanos perdem em investir na produção de tecnologia de média e alta complexidade.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, chega hoje à Argentina para articular com a cúpula econômica kirchnerista uma difícil reaproximação comercial com o Brasil. Em janeiro, a troca comercial entre os dois países foi a pior em seis anos.
A visita ocorre três dias depois de a presidente Cristina Kirchner voltar da China com 15 acordos, estimados em US$ 21 bilhões, que incluem financiamentos capazes de engordar as reservas argentinas, em troca de privilégios legais e burocráticos que, segundo analistas, afetarão o intercâmbio entre os vizinhos sul-americanos.
Vieira foi durante seis anos embaixador na Argentina, até 2010. Embora o intercâmbio comercial não seja o único tema de sua visita, é o mais urgente. Segundo a consultoria argentina Abeceb, a queda de 25,3% no comércio bilateral no primeiro mês do ano, em relação ao mesmo período do ano passado, levou o volume de negócios mensal a U$S 1,6 bilhão, nível mais baixo desde janeiro de 2009.
Tábua de salvação
"A China é uma tábua de salvação para Argentina, que está numa situação mais difícil do que a do Brasil. Temos problema de falta de dólares. Por isso essa decisão de restringir as importações do Brasil e de todo o mundo. A situação é tão grave que fizemos importações de produtores brasileiros que não pagamos", afirma o economista Mauricio Claverí, coordenador de Comércio e Negociações Internacionais da Abeceb.
O Brasil fechou o mês passado com mais de 1,2 mil Declarações de Importação Antecipadas (DJAIs) pendentes de aprovação pelo governo argentino, o que atingiu praticamente todas as exportações brasileiras e explica a baixa histórica.
A medida faz parte de uma estratégia argentina para controlar a saída de dólares, já que o país tem dificuldade em obter divisas (enquanto no câmbio oficial o dólar é vendido a 8,5 pesos, no paralelo chega a 13,5 pesos).
Ao segurar a liberação da moeda para que os importadores paguem os produtos comprados no Brasil, ocorre o atraso no pagamento mencionado por Claverí.
Segundo o economista, o financiamento chinês deu oxigênio ao governo, depois de o país ter tentado financiamento brasileiro.
"Essa aliança política e econômica tem um custo para o Brasil, por uma série de benefícios que vão para os chineses. Nas licitações para infraestrutura, sejam portos ou construções navais, haverá favorecimento dos chineses. Há parte do acordo que prevê até a dispensa de licitação, além da redução da burocracia", acrescenta Mauricio Claverí.
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