Choveu no Sul e as previsões de curto prazo são de mais água chegando ao Sudeste e Centro-Oeste, regiões mais duramente afetadas pela escassez hídrica recente; ainda assim, a expressiva alta de 20% no ano no preço da energia elétrica já ameaça a recuperação brasileira. O economista da XP, Rodolfo Margato, avalia que os efeitos indiretos da pressão sobre o sistema elétrico, com expressivo aumento no custo da eletricidade, já têm sido responsáveis (junto de outros itens) por revisões baixistas nas expectativas de crescimento da economia brasileira.
Segundo ele, é difícil de traçar uma avaliação isolada sobre os efeitos da crise hídrica por causa da existência de diversos fatores que tem pressionado custos e limitado a produção - como a alta dos combustíveis e problemas no fornecimento de insumos. É possível estimar, no entanto, que esses aumentos, de modo geral, devem retirar 0,2 ponto percentual do Produto Interno Bruto neste ano.
"Colocando em números, nossa projeção oficial para a variação do PIB em 2021 é de 5,3%. Mas atribuímos um viés de baixa para essa projeção e um dos fatores é justamente o impacto da crise hídrica, que aumenta o custo de produção na indústria e também acaba limitando a expansão do consumo", revela. Para 2022, a perda estimada é maior.
"Revisamos a expectativa de crescimento do PIB no ano que vem, que chegou a ser de 2,3% e atualmente está em 1,3%, ou seja, 1 p.p. a menos. A maior parte dessa revisão ocorreu devido ao aperto das condições monetárias, a elevação de taxas de juros, mas ali tem uma parcela menor, mas importante, de 0,3 p.p. que estimamos devido à crise hídrica e toda a pressão de aumentos de custos de produção – não apenas eletricidade, mas de alguns outros insumos também fundamentais", resume o Margato.
Os custos da crise da energia
A economista-chefe da plataforma de inteligência de mercado de capitais TC, Fernanda Mansano, estima efeitos negativos menos significativos para o PIB. Segundo ela, a escassez por si só não justificaria uma revisão da perspectiva de crescimento, por exemplo. A avaliação é de que o impacto mais direto – e que poderia trazer riscos – está relacionado à indústria, entretanto estudo da TC aponta que os custos extras da escassez acabam por se dissipar na cadeia de produção e não necessariamente alcançam o consumidor final, amortecendo os estragos.
Por outro lado, a continuidade dos efeitos da crise de energia sobre a inflação ainda inspiram preocupação. Segundo Mansano, avaliações feitas a partir do cenário crítico de 2013 demonstram que a energia elétrica tem impactos de curto prazo que se estendem por cerca de oito meses. Assim, os efeitos do aumento do preço da energia devem se estender ao menos até o primeiro trimestre de 2022, com alcance mais prolongado a depender de um eventual avanço da crise nos reservatórios.
Esses efeitos da crise sobre a inflação são mais fáceis de traçar, uma vez que o item tarifa de energia elétrica aparece no IPCA, que é a medida oficial de inflação do país. As perspectivas da XP são de que a eletricidade responda diretamente por 1 ponto percentual de toda a inflação projetada para 2021, que é de 9%.
Só neste ano a energia teve alta de 20%, puxada pela progressão normal de adoção das bandeiras tarifárias, pelo reajuste da bandeira vermelha patamar 2 e, por fim, pela criação do patamar "escassez hídrica", concebido para arcar com os altos custos de acionamento das térmicas, demandadas ao máximo para evitar o uso das hidrelétricas para geração durante a estação seca.
Margato afirma que um eventual racionamento de energia representaria obviamente panorama mais crítico, mas reforça que há perdas importantes mesmo sem a medida.
"A crise hídrica e a elevação do custo de eletricidade já vem impactando a nossa atividade local, reduzindo poder de consumo das famílias e, ao mesmo tempo, ampliando os custos de produção, sobretudo na indústria", diz. "Isso não deixa de ser um fator que limita o ritmo de crescimento da produção industrial e, consequentemente, da economia como um todo", completa.
Chegada de chuvas diminui, mas não zera risco de racionamento
As avaliações de cenário mais recentes feitas pelo ONS e pelo Inmet apontam melhora no horizonte brasileiro. Na comparação com o que era esperado, o país teve um mês de setembro com mais água chegando aos reservatórios e a perspectiva atual é de um período úmido dentro dos padrões históricos – diferente do ocorrido em 2020, quando as chuvas foram mais escassas.
Conforme os estudos, o cenário é mais otimista, com disponibilidade energética suficiente para o atendimento da demanda. O aumento do volume de chuvas em algumas regiões – notadamente no Sul – já se refletiu nos reservatórios, que encerraram setembro com índices superiores aos de agosto. Ainda de acordo com o ONS, a tendência se mantém para outubro, mês que tem sido de abundância de chuvas em parte da Região Sul.
Esse diagnóstico, apresentado ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e à Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidrelétrica (Creg), dá força ao discurso do governo federal, que em momento algum admitiu a hipótese de impor um racionamento obrigatório à população.
A negativa foi feita mais uma vez pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, na última quinta-feira (14), mas consultorias que acompanham os desdobramentos da crise hídrica ainda não afastam completamente o risco.
O próprio ONS destaca que a situação hidroenergética brasileira ainda é considerada sensível e pode ser agravada por uma eventual frustração dos recursos considerados na avaliação citada ou pela retirada das medidas excepcionais que vem sendo adotadas no enfrentamento da crise de energia.
Segundo economistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a necessidade de adoção de racionamento não é encarada como o cenário mais provável e as chances de o país precisar lançar mão da medida diminuíram nas últimas semanas. Entretanto, ainda se calcula que há aproximadamente 10% de probabilidade nos próximos 12 meses.
Em relatório recente, o Bradesco aponta que o cenário central considera risco reduzido, mas que "se eleva com o passar do tempo, caso a hidrologia continue ruim". Desse modo, "as chuvas do período úmido [de novembro em diante] serão determinantes para dimensionar o risco de racionamento em 2022" – ou seja, não é possível afastá-lo em definitivo.
Rodolfo Margato, da XP, frisa que a possibilidade de adoção da economia compulsória de energia caiu para 12%, contra os 17% apontados em relatório anterior, baseado nos dados de agosto. O número torna o risco remoto, mas não é desprezível. "Não é zero, existe algum risco de racionamento de eletricidade no nosso país, especialmente no ano que vem, mas essa probabilidade vem caindo", afirma.
Numa condição de aprofundamento da crise, na qual a redução compulsória do consumo se torne inevitável, as consequências da escassez podem até mesmo zerar o PIB do próximo ano, diz a XP.
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