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Como a mão de obra barata virou combustível para a meta chinesa de liderar a inteligência artificial no mundo

Funcionários na sede da Ruijin Technology, em Jiaxian, na China. | YAN CONG/NYT
Funcionários na sede da Ruijin Technology, em Jiaxian, na China. (Foto: YAN CONG/NYT)

Alguns dos trabalhos mais críticos para promover os objetivos tecnológicos da China se realizam em uma antiga fábrica de cimento no centro do país. Um misturador de concreto abandonado ainda está no meio do pátio. Caixas de louça de melamina estão empilhadas em um armazém ao lado.

Lá dentro, Hou Xiameng dirige uma empresa que ajuda a inteligência artificial a compreender o mundo. Mais de 20 jovens examinam fotos e vídeos, rotulando quase tudo o que veem. Isso é um carro. Isso é um semáforo. Isso é pão, isso é leite, aquilo é chocolate. É assim que uma pessoa caminha.

“Eu achava que as máquinas eram gênios. Agora sei que nós somos a razão da genialidade delas”, disse Hou, 24 anos.

Na China, há muito tempo o chão de fábrica do mundo, uma nova geração de trabalhadores de baixo salário desenvolve as fundações do futuro. Startups em cidades pequenas e mais baratas surgiram para rotular a enorme quantidade de imagens e vídeos de câmeras de vigilância do país. Se a China é a Arábia Saudita dos dados, como diz um especialista, essas empresas são as refinarias, que transformam a informação crua no combustível da inteligência artificial, a grande ambição chinesa.

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A sabedoria convencional diz que a China e os Estados Unidos estão competindo pela supremacia na área de inteligência artificial, e que a primeira tem algumas vantagens. O governo chinês apoia amplamente empresas de inteligência artificial, financeira e politicamente. As startups chinesas constituíam um terço do mercado global de visão computacional em 2017, superando os Estados Unidos. Os trabalhos acadêmicos chineses são citados com mais frequência em pesquisas. Em um importante anúncio de políticas em 2017, o governo chinês disse que esperava que o país se tornasse líder mundial de inteligência artificial até 2030.

Mais importante: ainda segundo a ideia, o governo e as empresas chinesas têm acesso a montanhas de dados, graças às fracas leis e ao pouco controle da privacidade. Além do que o Facebook, o Google e a Amazon acumularam, as companhias de internet chinesas reúnem ainda mais informações, porque sua população usa pesadamente o celular para pagar por compras, refeições e ingressos de cinema.

Porém muitas dessas afirmações são duvidosas. Patentes e documentos chineses podem ser suspeitos. O dinheiro do governo pode estar sendo desperdiçado. Não está claro se a disputa pela inteligência artificial é um jogo de soma zero, no qual o vencedor fica com tudo. Os dados são inúteis a menos que alguém possa analisá-los e classificá-los.

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Mas a habilidade de classificar os dados pode ser a verdadeira força da IA na China, a única com a qual os Estados Unidos podem não ser capazes de competir. Na China, esse novo setor dá uma ideia de um futuro que o governo promete há muito tempo: uma economia baseada na tecnologia, não na manufatura.

“Nós somos os pedreiros do mundo digital. Nosso trabalho é assentar um tijolo após o outro. Mas temos um papel importante na IA. Sem nós, ninguém consegue construir arranha-céus”, disse Yi Yake, cofundador de uma empresa de classificação de dados em Jiaxian, cidade na província central de Henan.

Os mecanismos de IA são aprendizes velozes e bons em efetuar cálculos complexos, mas não têm nem mesmo as habilidades cognitivas de uma criança de cinco anos. As crianças pequenas sabem que um cocker spaniel marrom peludo e um grande dinamarquês preto são cães. Elas conseguem distinguir uma picape Ford de um Fusca, e sabem que ambos são carros.

A inteligência artificial tem de ser ensinada. Ela precisa digerir grandes quantidades de fotos e vídeos catalogados antes que perceba que um gato preto e um gato branco são ambos gatos. É aqui que entram as empresas de dados e seus funcionários.

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Os classificadores ajudaram a AInnovation, empresa de IA em Pequim, a corrigir seu sistema de caixa automatizado para uma cadeia chinesa de padarias. Os usuários colocavam seu pão em um scanner e pagavam por ele sem a ajuda de um ser humano. Porém, quase um terço das vezes, o sistema tinha problemas para diferenciar muffins de donuts ou de outra massa, graças à iluminação da loja e do movimento humano, o que tornava as imagens mais complexas. Trabalhando com fotos do interior da loja, os classificadores conseguiram chegar a uma precisão de até 99 por cento, disse Liang Rui, gerente de projeto da AInnovation.

“Toda a inteligência artificial é construída sobre o trabalho humano”, disse Liang.

A AInnovation tem menos de 30 classificadores, mas uma grande leva de startups de classificação facilitou o trabalho. Uma vez, Liang precisou classificar 20 mil fotos em um supermercado em três dias. Seus colegas realizaram a tarefa com a ajuda de empresas de dados por apenas US$ 2 mil.

“Nós somos a linha de montagem de 10 anos atrás”, disse Yi, o cofundador da empresa de dados em Henan.

Essas empresas estão aparecendo em áreas distantes das grandes cidades, muitas vezes em locais relativamente remotos, onde o trabalho e o espaço de um escritório são mais baratos. Muitos desses funcionários são pessoas que já trabalharam em linhas de montagem e em construções em cidades grandes. Mas a mão de obra está desaparecendo, os salários não aumentam e muitos chineses preferem viver mais perto de casa.

Yi, 36 anos, estava desempregado e tentando outros empreendimentos com colegas da escola primária quando alguém mencionou a classificação para a IA. Depois de pesquisas on-line, ele decidiu que o trabalho não era muito técnico, mas que precisava de mão de obra barata, algo que Henan tem em abundância.

Em março, Yi e seus amigos abriram a Ruijin Technology, que aluga escritórios do tamanho de duas quadras profissionais de basquete em um parque industrial por US$ 21 mil ao ano. Antes, o espaço era usado em eventos do comitê do Partido Comunista, por isso os lustres estavam cobertos de foices e martelos vermelhos.

A Ruijin emprega agora 300 pessoas, mas planeja ampliar para mil após o feriado do ano novo chinês, quando muitos migrantes vêm para casa.

Ao contrário dos trabalhadores e das empresas em todo o mundo, Yi não está preocupado com o fato de que a inteligência artificial vá tomar seu emprego. “As máquinas não são inteligentes o suficiente para aprender sozinhas ainda”, disse ele. A contratação é uma grande preocupação.

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O salário da Ruijin, entre US$ 400 a US$ 500 por mês, é maior que a média de Jiaxian. Alguns candidatos aos cargos ficam preocupados por não conhecerem a inteligência artificial. Outros acham o trabalho chato.

Jin Weixiang, 19 anos, disse que sairia da Ruijin depois do ano novo chinês para vender móveis em uma loja na cidade de Guangzhou (ou Cantão), no sul do país. “Gosto de estar em contato com gente. Estou fazendo classificação pelo dinheiro”, disse Jin.

Mas, para alguns ex-trabalhadores migrantes, o trabalho é melhor do que os de linhas de montagem. “Era o mesmo trabalho, o mesmo movimento dia após dia”, disse Yi Zhenzhen, funcionário da Ruijin de 28 anos que trabalhava em uma empresa de componentes eletrônicos. “Agora eu tenho de usar um pouco a cabeça.”

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