Boeing e Embraer anunciaram, no último dia 5 de julho, joint venture que, se aprovada, deve criar uma nova empresa avaliada em U$ 4,75 bilhões e que deterá a totalidade das operações e serviços de aviação da companhia brasileira. A Boeing ficaria com 80% da empresa, enquanto a Embraer teria a fatia restante, de 20%.
As incertezas que permeiam o acordo, ainda em elaboração, fazem com que diferentes expectativas e análises apareçam sobre os impactos desta aliança para o setor industrial aeroespacial brasileiro. De qualquer forma, o acordo pode ser considerado previsível e conveniente, segundo Adeodato Volpi Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial, empresa de análises econômicas e financeiras.
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“É uma indústria muito pouco pulverizada, com grande concentração nas quatro principais (Airbus e Bombardier, Boeing e Embraer). Com os debates do ano passado sobre a possível tarifação da Bombardier no território americano, foi natural a aproximação da Embraer com a Boeing”, considera.
No início de 2018, a canadense Bombardier venceu uma disputa comercial pleiteada pela Boeing, que pedia que fossem aplicadas tarifas maiores sobre a concorrente na venda do jato C-Series para operadoras dos EUA. A Boeing alegava ter sido prejudicada pelas vendas dos jatos a preços abaixo do mercado americano e pedia que as vendas fossem tarifadas em quase 300%, o que foi rejeitado pela Comissão de Comércio Internacional dos EUA. A queixa da Boeing foi feita em 2017, logo após a Bombardier se unir a Airbus, principal concorrente direta da Boeing.
Na avaliação de Netto, a operação resultante da união Boeing-Embraer é mais forte que a da Airbus-Bombardier, dando origem a um player mais forte. “A diferença está na forma e na velocidade de execução desta aliança em função do envolvimento público brasileiro, as regras de governança e a questão das Golden Share, que tornam tudo mais complexo e pode tornar o processo mais vagaroso”, avalia. A previsão é de que a transação seja concluída até o fim de 2019.
A proposta da Boeing é pagar U$ 3,8 bilhões pelos 80%, assumindo fatia majoritária das operações comerciais. “O número é bastante razoável, não desabona o valor da Embraer. Costumo dizer que é melhor ter 20% de um negócio que vale US$ 1.000, que 100% de um que vale US$ 100”, afirma Netto. O estrategista lembra que a aviação é uma indústria de ciclos longos, e que se pensado em prazos maiores, os valores são positivos.
“A troca entre players relevantes faz muito sentido em um setor concentrado como este. Não só na ótica comercial, mas também pensando tecnológica e operacionalmente”, acrescenta Netto. A Embraer é reconhecida globalmente pela tecnologia, engenharia e soluções que desenvolve, e, para Netto, isso não deve mudar. “Será uma troca, com evolução das duas companhias. O negócio não está sendo feito com uma empresa que nasceu ontem e sem valor reconhecido. A Boeing tem uma das principais participações no índice Dow Jones, por exemplo”, lembra.
Como ficam os fornecedores da Embraer com o acordo com a Boeing?
Em matéria publicada no último final de semana pelo jornal Valor, o diretor titular do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Cesar Augusto Andrade e Silva, demonstrou preocupação quanto aos impactos do acordo para a cadeia de fornecedores da Embraer.
Segundo Silva, das 70 empresas que atendem a Embraer, e que empregam cerca de 5 mil funcionários, apenas 10 são exportadoras. Na reportagem, o diretor do Ciesp afirma que é preciso que o governo brasileiro garanta proteção para estes fornecedores, senão “a cadeia vai morrer num curto espaço de tempo, por falta de acesso ao mercado global e de competitividade”, disse.
A preocupação de Silva, que inclusive é dono de uma empresa que fornece à Embraer, não vai de encontro com a do Brazilian Aerospace Cluster, que reúne cerca de 90 empresas da cadeia aeroespacial e de defesa, 70% delas fornecedoras da Embraer. A maioria das empresas está localizada em São José dos Campos, onde também fica a Embraer.
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Marcelo Nunes, que coordena o Cluster, conta que desde que surgiram os primeiros rumores sobre a possível aliança, os empresários do setor já vinham se preparando. “Enxergamos de forma positiva, pois há uma ampliação do mercado de fornecimento de peças, aeroestruturas e serviços para um nível global, que é a capilaridade que a Boeing tem, com toda sua estrutura de manutenção, comercialização e suporte”, acredita.
Segundo Nunes, nos dez anos de existência do Cluster diversas ações foram desenvolvidas para que a indústria se aprimorasse para dar um próximo passo. Uma das parceiras neste sentido foi a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que ajuda a preparar empresas para o mercado internacional. “Temos 44 empresas, atualmente, em um programa aeroespacial se internacionalizando”, conta.
A indústria aeroespacial brasileira, de acordo com Nunes, é formada por uma grande quantidade de empresas que fornecem peças e não subconjuntos ou subsistemas, que possuem maior valor agregado. “É possível que surjam empresas maiores que façam a aquisição das menores, ou mesmo joint ventures. Com isso, talvez a gente veja no mercado o surgimento de empresas mais maduras, com capacidade de fornecer diretamente para os grandes players”, cogita.
Nunes considera o movimento de adensamento da cadeia produtiva como algo natural. “É mais simples para a empresa âncora negociar com poucos fornecedores e deixar com estes mesmos a responsabilidade de trabalhar com fornecedores menores”, completa.
O Brasil exporta, atualmente, fuselagem (“corpo” da aeronave), aeroestrutura (estruturas mais complexas que envolvem diversas peças conectadas), aviônicos (sistemas eletrônicos com software embarcados), e engenharia, de acordo com Nunes.
Uma importante questão, enquanto estratégia nacional, seria a facilitação burocrática e fiscal pelo governo federal para a importação de matéria-prima, que é, de acordo com Nunes, um dos gargalos da cadeia produtiva. Apesar de existirem instrumentos que visam facilitar, o processo é bastante burocrático, faltando, então, agilidade necessária para entrega de um produto ou peça de forma completa, seja para o mercado nacional ou para o internacional.
Nunes conta que, até então, o trâmite para a importação de matéria-prima era feito pela própria Embraer, que, pelo alto volume de compras, conseguia uma negociação mais atraente. A empresa, então, fornecia os insumos para o fabricante. “Agora, talvez, ele precise começar a fazer a negociação de importação. Muitas empresas acabam desistindo por conta de o processo ser tão burocrático”, revela.
Mas, assim como Netto, Nunes também vê o negócio entre Embraer e Boeing com bons olhos. “Será um desafio, mas as empresas já estão se preparando há um bom tempo. Agora é hora de mostrar tudo que fizemos até aqui”, diz.
“Todas as indústrias vão passar por momentos em que precisarão crescer e evoluir, isso é natural. Não gosto de pensar que é uma indústria fraca e que precisamos proteger. O que pode haver é uma seleção natural, e não um canibalismo”, finaliza Netto.
A Gazeta do Povo tentou entrevistar representantes do Ciesp, mas nenhum diretor estava disponível, segundo assessoria de imprensa do órgão.
Sindicato do metalúrgicos de posicionou contra acordo Boeing-Embraer
O memorando publicado pela Embraer também não deixou claro qual deve ser o futuro dos empregados da empresa, o que vem sendo apontado, desde o início dos rumores da negociação, como uma grande preocupação do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. Na data do anúncio, a entidade posicionou-se contra e defendeu que o acordo seja vetado.
A Embraer emprega cerca de 15 mil funcionários. De acordo com o diretor sindicato Herbert Claros, estima-se que cerca de 300 demissões já tenham acontecido desde janeiro. “Em nossa opinião, tem a ver com esta transação, pois não há nenhum outro motivo aparente. Não houve diminuição de produção, por exemplo”, diz. O Sindicato também não acredita que a Boeing vá priorizar os fornecedores brasileiros, e sim continuar a trabalhar com os americanos e mexicanos.
Nesta sexta-feira (13), membros de três sindicatos que representam os funcionários da Embraer se reúnem com o presidente da empresa, Paulo Cesar de Souza e Silva. “Por enquanto, queremos ouvir o que a Embraer tem a dizer sobre o assunto, já que até agora não houve diálogo com os trabalhadores”, diz Claros.
Ainda nessa semana, o Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp) preferiu não divulgar nenhum posicionamento antes que as dúvidas envolvendo os funcionários sejam esclarecidas.