Ao anunciar a redução de até 25% na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no fim de fevereiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o corte deve ter impacto na inflação no curto prazo, embora tenha ressalvado não ser este o objetivo principal da medida. O mercado, no entanto, não recebeu o anúncio com o mesmo entusiasmo e vê efeitos limitados na desoneração.
“Tem um impacto de curto prazo sim no IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo], mas é uma medida de política industrial e não de política inflacionária. Tira mesmo um pouco da pressão dos preços industriais, vai dar uma derrubadinha no IPCA, mas o que vai determinar se vai ter inflação é a atuação do Banco Central”, disse Guedes.
A redução linear é de 25% para todos os setores, com exceção de tabaco e derivados, e de automóveis que transportem até dez pessoas, para os quais o corte será de 18,5%. Como o setor já conta com regime diferenciado, na prática a desoneração chegará também a 25%. Segundo o ministro, a medida beneficia mais de 300 mil empresas. “É um marco na reindustrialização do país”, afirmou.
O corte no IPI foi a primeira das medidas anunciadas pelo governo federal para impulsionar a economia neste ano. Nesta quinta-feira (18), o presidente Jair Bolsonaro lançou um pacote que inclui liberação de saque de até R$ 1 mil do FGTS, antecipação do pagamento do 13.º salário e programas de crédito.
Nos últimos dias, o Ministério da Economia passou a estudar uma nova redução no IPI, mas ainda não há decisão a respeito. Em paralelo, na quinta-feira (17), o Bolsonaro pediu publicamente à pasta a isenção do IPI cobrado em motos compradas por mototaxistas e pessoas com deficiência.
Indústria celebrou redução do IPI
Representantes da indústria comemoraram a redução de até 25% já promovida no IPI, em linha com o discurso de Guedes. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, disse que a medida deve reduzir os preços dos produtos industrializados, “com benefícios para os consumidores e no controle da inflação”, lembrando que os produtos industriais representam 23,3% do IPCA.
Andrade também defendeu que o corte deve impulsionar a atividade econômica do país. “A indústria de transformação tem um potencial de puxar o crescimento ainda maior. Cada R$ 1,00 a mais produzido na indústria resulta R$ 2,67 a mais no PIB. E nos últimos dez anos, a indústria encolheu, em média, 1,6% ao ano. Perdeu espaço no PIB brasileiro e na produção mundial. Perdeu espaço nas exportações brasileiras e nas exportações mundiais de manufaturados”, explicou, em nota.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), também elogiou a medida. “É sempre muito bem-vinda qualquer proposta que alivie a pesada carga tributária sobre a indústria de transformação no Brasil. A redução do Custo Brasil, embora ainda tímida, é benéfica não só para o setor industrial, mas também para a geração de empregos, para os consumidores e para a sociedade como um todo”, disse em entrevista coletiva.
Efeito sobre a inflação pode ser limitado
Mas ainda antes de o corte entrar efetivamente em vigor, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que a redução de impostos “estruturalmente” não ajuda a reduzir a inflação, destacando que essa conclusão leva em conta não apenas o histórico do Brasil, mas de outros países que adotaram medidas semelhantes, como a Colômbia.
“Você abaixa um imposto ou faz alguma coisa que abre mão de receita para obter um preço do produto mais baixo naquele momento, estruturalmente você não está ajudando a inflação. Você pode ter uma queda no curto prazo, mas, na parte de expectativa de inflação, isso vai se incorporar e esse elemento tende a prevalecer estruturalmente, falando no médio e longo prazo”, declarou após ser questionado sobre o tema durante participação em um evento.
O economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, não vê com muito otimismo o corte no IPI. Ele diz que há uma elevação de custos recente que a indústria enfrenta e que a diminuição na alíquota do imposto regulatório deve ser absorvida pela cadeia produtiva. “O setor infelizmente não costuma ter muita velocidade para fazer esse repasse [da redução para o consumidor]”, afirma. “A gente já viu isso acontecer em 2010 e 2011, quando o governo fez uma desoneração monstruosa e não só não estimulou a atividade econômica, como também acabou por não ajudar a inflação.”
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA acumula alta de 10,54% em 12 meses até fevereiro.
No mercado financeiro, a expectativa para a inflação de 2022 deu um salto nos últimos dias, passando de 5,65% para 6,45% em apenas uma semana, de acordo com a última edição do boletim Focus, do BC. O motivo desse novo avanço foi a disparada de commodities como o petróleo, em decorrência da guerra na Ucrânia, e a consequente alta dos combustíveis no Brasil. A projeção sobe há nove semanas e indica uma inflação muito acima da meta perseguida pela autoridade monetária (3,5%, com tolerância até 5%).
A XP Investimentos calculou que a redução linear de 25% no IPI, com exceção de fumo, e de 18,5% de automóveis, teria um potencial impacto de 0,49 pontos porcentuais no IPCA, caso fosse repassada integralmente para os preços dos produtos industrializados.
Montadoras de veículos como Kia, Ford e Toyota divulgaram novas tabelas de preços após o corte do IPI. A redução de valor na maioria dos modelos ficou em cerca de 2%, chegando a 4,6% no caso do Ford Mustang Mach 1, que caiu de R$ 545 mil para R$ 519.790.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, considera que o corte pode ter efeito inverso no longo prazo. “Vale ressaltar que a política é insustentável em termos fiscais. A justificativa de que a arrecadação foi positiva e permite a redução do imposto é algo efêmero, e quando a arrecadação voltar à normalidade os impostos voltariam a subir encomendando o repique inflacionário futuro”, diz.
“A redução de impostos, para que seja de maneira sustentável, exige uma redução e/ou maior eficiência do Estado. Visto que nenhum dos citados teve progresso, é provável que uma compensação de impostos seja feita futuramente, ainda que não sejam nos setores aliviados.”
Estados e municípios, que perdem receita, criticaram redução do IPI
Entidades que representam estados e municípios se manifestaram contra a decisão do governo federal de baixar o IPI. Isso porque a arrecadação do imposto federal é compartilhada com os governos regionais, que reclamam da perda de recursos.
O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) afirmou que o corte vai piorar a situação fiscal dos entes subnacionais, comprometendo a prestação de serviços essenciais, como educação, saúde e segurança.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) também expressou “profundo descontentamento” com a medida. “Infelizmente, se repete o velho hábito de fazer caridade com o chapéu alheio”, disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, em uma nota divulgada à imprensa.
“O IPI compõe a cesta de impostos que são compartilhados com os municípios e é parte importante do FPM. Isso signfica que qualquer medida de renúncia fiscal do IPI adotada pelo governo federal tem impacto direto nos repasses aos municípios, o que pode implicar em desequilíbrio orçamentário”, afirmou.
A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) declarou que “considera falacioso o argumento do governo federal de que essa benesse fiscal tende a beneficiar o consumidor final e a estimular a atividade econômica”. A entidade calcula que o corte linear do IPI deve retirar R$ 4,5 bilhões do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e outros R$ 5,3 bilhões do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
“A promessa do ministro Paulo Guedes de que essa medida é a primeira ‘de um movimento de reindustrialização do Brasil’, mais do que delirante, é um ultraje à inteligência da sociedade brasileira”, afirma a entidade em nota.
Para Vieira, da Infinity Asset, a medida, apesar de ter “boas intenções”, deve ter efeito limitado mesmo em relação ao estímulo à atividade econômica. “Acho que outras medidas mais no sentido da busca de uma reforma tributária, ainda que este ano tenha suas dificuldades, seria mais importante”, avalia.
Em nota técnica, economistas da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, calculam que a renúncia fiscal com a medida até o fim do ano deve chegar a R$ 4,6 bilhões para estados e R$ 4,3 bilhões para municípios, além de para R$ 500 milhões para fundos regionais. Na União, as perdas devem ser de R$ 6,5 bilhões.
“Há ainda que ponderar efeitos negativos, do ponto de vista da atividade econômica, em razão da mudança de preços relativos gerada pela desoneração à indústria, apenas, e não ao setor de serviços, por exemplo. Além disso, a redução do IPI poderá não ser totalmente repassada para os preços dos bens finais. Finalmente, há efeitos a serem ainda mapeados sobre outros tributos”, advertem os autores Vilma Pinto, Felipe Salto e Daniel Couri.
“O IPI, pelo caráter extrafiscal, constitui exceção à regra da Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige a compensação dos efeitos fiscais decorrentes de renúncias de receita. Contudo, vale dizer, os impactos estimados são relevantes e, na ausência de medidas compensatórias, poderão afetar o déficit e a dívida pública. Isto é, prejudicariam o próprio efeito positivo eventualmente produzido pelo estímulo decorrente da medida do IPI sobre a atividade econômica”, afirmaram.
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