Ao fim de julho, a Rússia completou quatro meses consecutivos como o principal fornecedor estrangeiro de óleo diesel para o Brasil, posição historicamente ocupada pelos Estados Unidos. Naquele mês, o volume do combustível importado do país de Vladimir Putin correspondeu a 42,2% de todas as cargas oriundas do mercado internacional para suprir a demanda brasileira.
A participação do derivado de petróleo norte-americano, por sua vez, foi de 30,4% no mesmo mês. Outros países que exportaram óleo diesel para o Brasil em julho foram Arábia Saudita (14,9%) e Emirados Árabes Unidos (12,4%).
Ao todo, foram importados da Rússia 376,1 milhões de quilogramas líquidos de óleo diesel, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Considerando os sete primeiros meses de 2023, a Rússia foi responsável por 35% de todo o combustível importado pelo Brasil, contra 30,6% dos Estados Unidos.
Em junho, o diesel russo correspondeu a 64,1% de toda a importação brasileira, contra apenas 11,4% do combustível norte-americano.
Com seu diesel banido na Europa, russos ofereceram descontos em outros mercados
A principal razão para a mudança no fluxo de importações brasileiras está na geopolítica internacional. Desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, Estados Unidos e União Europeia estabeleceram uma série de sanções econômicas a Moscou.
Em dezembro, a União Europeia baniu praticamente todas as importações de petróleo da Rússia, seu principal fornecedor até então, mas continuou a comprar combustíveis do país. Desde fevereiro deste ano, os países do bloco estão proibidos de importar também derivados de petróleo.
Sem seu principal mercado consumidor, os produtores russos passaram a buscar novos mercados e, para isso, oferecer descontos. Os Estados Unidos, por outro lado, deslocaram parte de seus carregamentos para a Europa, o que reduziu a oferta do combustível norte-americano.
Para se ter uma ideia, em janeiro, 54,2% do diesel importado pelo Brasil teve origem nos Estados Unidos, enquanto a Rússia não enviou um único carregamento do combustível para o território brasileiro.
Em fevereiro, a participação norte-americana nas importações do produto pelo Brasil caiu para 30,2%, enquanto o diesel russo já representava 13,9% de todo o combustível comprado do exterior. A fatia russa subiu para 18,3% em março e para 56,4% em abril, caindo para 47,6% em maio até chegar a 64,1% em junho e voltar a se reduzir para 42,2% em julho.
“O principal motivo é o preço, não tem nada muito além disso”, diz Amance Boutin, analista de combustíveis da Argus, empresa especializada em relatórios e análises para o mercado de combustíveis, agricultura, fertilizantes, gás natural e energia elétrica.
Embora seja um derivado do petróleo, produto do refino do óleo cru, o diesel é considerado uma commodity, que para poder ser comercializada no Brasil precisa atender a padrões estabelecidos pela Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural (ANP). “Todos os produtos se comparam entre si, o que faz com que a diferença esteja basicamente nos prazos de entrega e principalmente no preço”, explica Boutin.
Apesar de o Brasil não ter imposto restrições aos produtos da Rússia, as sanções impostas por Estados Unidos e União Europeia dificultaram a importação do diesel russo por empresas brasileiras com capital estrangeiro em um primeiro momento.
A Petrobras, por exemplo, por estar listada na Bolsa de Nova York, conta com importante participação de investidores norte-americanos, além de exportar petróleo para os Estados Unidos. A Raízen, outra grande importadora de derivados de petróleo, é uma joint-venture com a Shell, que tem origem holandesa e está sediada atualmente no Reino Unido.
Tratativas para trazer diesel russo ao Brasil começaram no governo Bolsonaro
As tratativas para trazer o combustível da Rússia para o Brasil começaram ainda em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas as primeiras importações foram feitas por empresas menores e destinadas principalmente a distribuidores regionais.
Com base em fontes do mercado, a S&P Global Commodity Insights relatou recentemente, no entanto, que agora players brasileiros importantes, “incluindo pelo menos uma grande empresa brasileira de combustíveis”, também começaram a comprar barris russos com desconto.
Hoje o parque de refino brasileiro tem capacidade para refinar aproximadamente 80% do diesel que é consumido internamente, enquanto os 20% restantes precisam ser importados.
O valor do metro cúbico do diesel S10 produzido nacionalmente na refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), da Petrobras, em Araucária (PR), era de R$ 3.044 no fim de julho, segundo levantamento da Argus. O combustível oriundo da Rússia entrava pelo porto de Paranaguá (PR) a R$ 3.240, enquanto o proveniente de outros países tinha preço médio de R$ 3.350.
Diferença de preços passou a cair
Boutin observa uma tendência de redução na diferença do óleo russo para o norte-americano, o que deve fazer com que a participação da Rússia no abastecimento do mercado brasileiro de diesel diminua nos próximos meses. “O produto americano vai abaixar o preço, e o russo vai começar a ver que os produtores brasileiros têm margens altas e vai começar a subir aos poucos”, explica.
Além disso, ressalta, o desconto oferecido no produto russo deve atrair outros grandes compradores em países que não impõem sanções à Rússia, como é o caso de Turquia, Índia e China, reduzindo a oferta a nível global.
Outro fator que pode afetar as importações – e não apenas da Rússia – é o aumento dos preços do petróleo no mercado internacional. Como a Petrobras não está repassando a alta do barril para os preços domésticos de diesel e gasolina, empresas importadoras concorrentes, sem conseguir competir, têm reduzido ou mesmo interrompido as encomendas do exterior.
Importações de óleo diesel por país (janeiro a julho de 2023)
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços
Janeiro
País | Quantidade (kg) | % |
Estados Unidos | 337.566.490 | 54,2% |
Emirados Árabes Unidos | 123.997.090 | 19,9% |
China | 74.441.890 | 11,9% |
Índia | 42.693.195 | 6,9% |
Japão | 26.394.181 | 4,2% |
Togo | 16.403.107 | 2,6% |
Coveite (Kuweit) | 1.594.616 | 0,3% |
Suécia | 11.694 | 0,0% |
Fevereiro
País | Quantidade (kg) | % |
Estados Unidos | 260.932.933 | 30,2% |
Emirados Árabes Unidos | 220.667.202 | 25,5% |
Índia | 127.385.737 | 14,7% |
Rússia | 120.526.359 | 13,9% |
Arábia Saudita | 99.067.319 | 11,4% |
Togo | 26.104.303 | 3,0% |
Coveite (Kuweit) | 10.622.496 | 1,2% |
Março
País | Quantidade (kg) | % |
Estados Unidos | 442.528.282 | 30,7% |
Índia | 385.278.618 | 26,7% |
Rússia | 264.356.411 | 18,3% |
Países Baixos (Holanda) | 131.259.481 | 9,1% |
Coreia do Sul | 84.025.676 | 5,8% |
China | 45.701.072 | 3,2% |
Singapura | 33.883.393 | 2,3% |
Catar | 33.767.031 | 2,3% |
Emirados Árabes Unidos | 16.341.696 | 1,1% |
Espanha | 4.110.245 | 0,3% |
Malásia | 2.088.212 | 0,1% |
Taiwan (Formosa) | 99.439 | 0,0% |
França | 14.789 | 0,0% |
Suécia | 7.316 | 0,0% |
Abril
País | Quantidade (kg) | % |
Rússia | 441.838.405 | 56,4% |
Estados Unidos | 163.608.570 | 20,9% |
Emirados Árabes Unidos | 97.690.210 | 12,5% |
Arábia Saudita | 42.536.661 | 5,4% |
Índia | 22.729.253 | 2,9% |
Espanha | 14.796.882 | 1,9% |
Suécia | 11.694 | 0,0% |
Maio
País | Quantidade (kg) | % |
Rússia | 544.873.756 | 47,6% |
Estados Unidos | 451.770.522 | 39,5% |
Emirados Árabes Unidos | 94.898.733 | 8,3% |
Índia | 20.964.078 | 1,8% |
Espanha | 14.194.668 | 1,2% |
Arábia Saudita | 9.773.887 | 0,9% |
China | 8.539.076 | 0,7% |
Junho
País | Quantidade (kg) | % |
Rússia | 581.160.061 | 64,1% |
Estados Unidos | 112.797.015 | 12,4% |
Emirados Árabes Unidos | 103.319.056 | 11,4% |
Arábia Saudita | 98.857.671 | 10,9% |
Índia | 11.094.495 | 1,2% |
França | 4.172 | 0,0% |
Julho
País | Quantidade (kg) | % |
Rússia | 376.087.241 | 42,2% |
Estados Unidos | 270.764.261 | 30,4% |
Arábia Saudita | 133.109.306 | 14,9% |
Emirados Árabes Unidos | 110.846.849 | 12,4% |
Suécia | 20.712 | 0,0% |
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