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O Brasil é um dos países cuja produção agropecuária é mais sustentável, principalmente devido à rígida legislação ambiental que os produtores devem cumprir e ao avanço da ciência e da tecnologia no campo, que têm levado conhecimento e modelos de produção sustentáveis e de baixo custo tecnológico para pequenos, médios e grandes produtores do país.
Mesmo assim, há gargalos a serem sanados, e dentre eles está o combate ao desmatamento ilegal – o “calcanhar de Aquiles” do setor –, a redução da emissão de gases de efeito estufa e a extinção da grilagem de terras. Esses problemas, frequentemente explorados não apenas por países concorrentes na exportação de produtos agropecuários, mas também por ativistas e entidades ambientalistas de dentro e de fora do país, prejudicam a imagem do Brasil no exterior e tornam mais difícil o acesso a determinados mercados, cada vez mais associados à agenda do clima.
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Diante dos desafios para o agronegócio brasileiro nas próximas décadas – que passam por contribuir para a alimentação da crescente população mundial ao mesmo tempo em que deve reduzir as emissões de gases do efeito estufa e o desmatamento ilegal –, a Gazeta do Povo conversou com Fernando Sampaio, engenheiro agrônomo e diretor do Instituto PCI.
Após atuar no mercado internacional do agronegócio por quase duas décadas, Sampaio assumiu, em 2016, o cargo de diretor executivo da Estratégia PCI (Produzir, Conservar e Incluir), uma iniciativa do governo do Mato Grosso cujo principal objetivo era aumentar a eficiência sustentável da produção agropecuária do estado por meio de esforços públicos e privados. A partir de 2019, o programa converteu-se em uma instituição independente denominada Instituto PCI, que permanece sob a liderança do engenheiro agrônomo.
Gazeta do Povo: Do lado do agronegócio brasileiro, é comum ouvir que temos uma das produções mais sustentáveis do mundo. Por outro lado, ambientalistas costumam fazer duras críticas ao setor e frequentemente colocam em xeque essas afirmações. Qual é a verdade nessa história?
Fernando Sampaio: As duas coisas têm um pouco de verdade. Quando você olha a produção agropecuária, de fato o Brasil tem produtores muito bons, tecnologia de ponta, agricultura de baixo carbono, integração lavoura-pecuária... Somos muito eficientes para “dentro da porteira”. Além disso, nossos produtores são bastante conservacionistas por causa do Código Florestal.
Porém nesse cenário há um problema: há uma pequena parcela de produtores que são responsáveis pela maior parte do valor produzido. Mas quando falamos dos pequenos produtores, tem aqueles que são muito bons e eficientes, mas tem uma base da pirâmide que ainda sofre porque não consegue investir, precisa de tecnologia, assistência técnica, investimento. E o acesso a isso tudo é muito complicado.
Ou seja, tem uma ponta da pirâmide muito boa e eficiente, também em termos de sustentabilidade, que responde pela maior parte da produção, e uma base que ainda precisa de apoio, principalmente no sentido de crédito, assistência técnica e gestão para mudar de patamar.
Isso dentro da fazenda. Mas o outro ponto, que é o que os ambientalistas falam, é que ao mesmo tempo que se tem uma agricultura boa e eficiente, a gente ainda convive, principalmente nas regiões de fronteira agrícola, com problemas como desmatamento ilegal, grilagem de terras e conflitos. Então ficam esses dois discursos convivendo. As duas coisas são reais e a gente precisa saber como enfrentar cada uma dessas situações.
Gostaria que o senhor explicasse o que, em termos práticos, significa essa “agenda do clima”, e qual é o papel do agronegócio nesse tema.
Quando a gente fala em agenda desse tema, estamos falando principalmente das mudanças climáticas, que é algo transversal e bastante explorado nos relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudança Climática]. Formado por cientistas do mundo inteiro, esse painel hoje representa um consenso de que essas mudanças estão realmente acontecendo. Não quero entrar no mérito dessa discussão das mudanças climáticas em si, mas sim do impacto que vem depois, porque isso começa a gerar políticas e acordos globais que influenciam diretamente na agenda dos mercados privados.
Quando se fala de emissões de carbono, que é o que está causando essas mudanças climáticas, há uma distinção entre a realidade do Brasil e de países desenvolvidos. Em países desenvolvidos, o problema é muito mais ligado à geração de energia e ao transporte. Já num país como o Brasil, a causa das nossas emissões está muito mais ligada à agropecuária e ao desmatamento, que é uma grande fonte de emissão.
Nosso problema é que isso está impactando a questão de mercado. Porque essa expansão mundial da produção agrícola é vista por parte dos países compradores como um vetor de desmatamento em algumas regiões do mundo. E esses países compradores, que também têm seus compromissos de reduzir emissões, estão dizendo que não querem mais importar produtos que venham de áreas desmatadas. A União Europeia está propondo regulamentações nesse sentido e o Reino Unido também. E é inocência achar que isso é só um “negócio de europeus”; é algo que está chegando no Japão, nos Estados Unidos e na China, que é o nosso principal mercado.
Mas além disso, essa política está cada vez mais dentro das empresas privadas. Hoje tem um monte de compromissos públicos de empresas multinacionais, indústrias de transformação, varejo, processadores, fábricas de ração, todos com compromissos públicos de não comprar commodities que venham do desmatamento.
Então essa agenda do clima se tornou um problema comercial. Não interessa se acredita-se nas mudanças climáticas ou não; o que interessa é que hoje temos um problema comercial. Quem compra quer garantias de que os produtos não estão contribuindo com as emissões de gases, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade por causa do desmatamento.
No nosso caso, apesar de o Brasil ter uma agricultura de baixo carbono, Código Florestal e tudo o mais, o que precisamos trabalhar é em formas de alcançar esses mercados. Essas políticas estão vindo de cima pra baixo e muito na base da exclusão. Vai-se jogando um monte de gente para fora da cadeia e não se resolve o problema.
Mas como fazemos para estar dentro? Os pontos principais são: criar instrumentos para essa transição sustentável da agricultura, ampliando o uso das tecnologias de baixo carbono através de investimentos e assistência técnica e, principalmente, criar mecanismos para que isso seja acessível para mais produtores; acabar com o desmatamento ilegal, que é nosso maior “calcanhar de Aquiles” para acesso aos mercados; e avançar na implementação do Código Florestal e na criação de mecanismos para reconhecer e valorizar os serviços ambientais que os produtores estão prestando.
Quais os impactos das mudanças climáticas na produção agropecuária brasileira e internacional? Ou seja, essas mudanças podem inviabilizar parte da nossa produção ou criar novos mercados em países sem grande tradição agrícola, por exemplo?
Isso não é especificamente a minha área, mas o que falo é a partir de relatórios e de especialistas do IPCC. Temos modelos apontando que a temperatura vai aumentar, e de fato tem regiões que antes não eram aptas para a agricultura por causa do clima, como é o caso da Sibéria, e que vão começar a ter terras disponíveis para isso. Isso já está acontecendo, e a Rússia tem feito uma série de concessões e acordos para começar a usar mais essas terras.
O Canadá é outro exemplo de país que pode aumentar a produção agrícola com essas mudanças climáticas. E o que esses relatórios dizem é que o Brasil pode sofrer com o aumento de temperatura. Nisso, há regiões mais vulneráveis que outras. No leste do Mato Grosso, por exemplo, o aumento de temperatura pode inviabilizar a safrinha.
Há consequências, e pelo que é publicado, os lugares que mais vão sofrer são aqueles que menos contribuíram para essas mudanças climáticas, como é o caso do Brasil e do continente africano, por exemplo.
Há muitas críticas vindas de fora do país, até mesmo de chefes de Estado de países que são nossos concorrentes diretos na exportação de produtos agropecuários. Nessas alegações predomina um interesse legítimo com a questão ambiental ou tende a ser mais um interesse comercial ao desacreditar nosso mercado?
Sim, é lógico que vai ter um monte de aproveitadores surfando nessa onda. Para muitos setores é bom “meter o pau” no Brasil. E isso não vem apenas de país que são nossos concorrentes no mercado. Você tem, por exemplo, o pessoal que vende produtos vegetarianos, que costuma divulgar que parar de comer carne é a única solução para o planeta; tem o outro que fala que "comer inseto" é o caminho mais sustentável.
Tem muita gente que vai surfar nessa onda dizendo que onde não se consegue produzir sem desmatar, a única solução é produzir em determinados locais ou comer outros tipos de alimentos. E nisso acabamos gerando “munição” para vários oportunistas que querem aproveitar para valorizar o negócio deles.