Um dos destaques do projeto do governo que prevê mudanças na tributação sobre renda é a proposta de taxar dividendos, parte do lucro de uma empresa que é distribuído entre acionistas e que atualmente é isento de imposto. Para quem opera no mercado financeiro, no entanto, o texto enviado ao Congresso traz outras novidades, que podem ter repercussão nos investimentos.
O impacto tende a ser positivo para quem investe na bolsa de valores. A proposta é de uma uniformização na tributação de operações para todos os mercados. Hoje, a taxa é de 15% em mercados à vista, a termo, de opções e de futuros, e de 20% para operações de day trade e de cotas de fundos de investimento imobiliário (FII). Além disso, o texto prevê que a apuração de ganhos e perdas seja feita trimestralmente, não mais mensalmente.
“Gera uma harmonização tributária, já que não precisará mais ficar separando o que é ação, o que é fundo de investimento imobiliário. Todas as operações de renda variável vão ficar centralizadas em uma única alíquota, em uma única forma de apuração”, explica o professor de contabilidade financeira e tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Murillo Torelli Pinto. “Se você deu prejuízo em um mês e lucro no outro, você compensa tudo e resolve em um trimestre.”
O consultor de finanças André Chede, sócio fundador da Turing, também vê com bons olhos a mudança. “Do ponto de vista do investidor, esse é um assunto bem complexo, fazer apuração, recolhimento, saber qual é o ganho efetivo. Isso tudo melhora, facilita para o lado do investidor”, diz.
Outro aspecto considerado positivo por analistas do mercado é a alteração no modelo de tributação da renda fixa (Tesouro Direto, CDBs) e fundos de investimento abertos e fechados (multimercados). A proposta do governo é acabar com a tabela regressiva, segundo a qual incidem alíquotas de 22,5% a 15% sobre a renda dependendo do prazo de resgate. A ideia é uma cobrança fixa de 15%, independente do tempo.
“Isso é bem interessante para o contribuinte, porque ele não precisa mais deixar por 720 dias para ter essa alíquota [15%]”, avalia o professor da Mackenzie. Para ele, é um incentivo para as pessoas físicas migrarem da caderneta de poupança para esse tipo de aplicação.
A proposta não mexe na isenção em debêntures incentivadas – Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Fundos de Investimentos em Participações em Infraestrutura (FIP-IE). Antes do envio do texto à Câmara, havia uma expectativa de que esses ativos viessem a ser tributados.
Tributação sobre dividendos pode fazer empresas deixarem de distribuir lucros entre acionistas
Alguns pontos geraram controvérsia no mercado financeiro por serem considerados negativos para o investidor. O primeiro já era aguardado: a tributação, em 20%, sobre dividendos. A justificativa do governo é estimular as empresas a manterem o capital produtivo em vez de distribuí-lo a seus acionistas.
“Para quem é investidor e sonha em viver de renda, essa tributação mexe com esse objetivo”, afirma Chede. Hoje, muitos investidores adquirem ações de empresas que pagam dividendos com o objetivo de ter uma fonte de renda livre de impostos.
Por outro lado, ele avalia que uma empresa que opte por deixar de distribuir dividendos pode ver suas ações valorizarem mais rapidamente em razão dos investimentos no negócio.
Os estrategistas da XP Investimentos Fernando Ferreira e Jennie Li consideram que, como ocorreu nos Estados Unidos, as empresas também terão um incentivo a fazer mais recompras de ações. Empresas de baixo crescimento e que pagam muitos dividendos serão as mais afetadas, como o setor de energia elétrica, saneamento e telecomunicações, afirmam eles em relatório publicado na semana passada.
Por outro lado, setores de alto crescimento e que distribuem poucos dividendos, como de tecnologia, além de pequenas e médias empresas que fizeram IPO recentemente, tendem a se beneficiar, segundo a XP.
Outro aspecto negativo para os acionistas é o fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), um mecanismo existente no Brasil desde 1995 que permite às empresas distribuírem seus lucros mas contabilizando a operação como despesa no resultado da empresa, de modo a reduzir os tributos que incidem sobre o lucro.
As empresas que mais se utilizam do JCP são dos setores financeiro, de telecomunicações, elétrico, de bens de consumo, varejistas e locadoras, entre outras.
Projeto prevê tributação de 15% sobre Fundos de Investimento Imobiliários
Mas o ponto mais crítico na avaliação dos analistas é a proposta de tributação de rendimentos de fundos de investimento imobiliário (FIIs).
“Querendo ou não, a distribuição de dividendos é facultativa e, portanto, recolher imposto pode ser uma opção. Agora, os fundos imobiliários, por lei, são obrigados a distribuir no mínimo 95% do resultado de caixa. Quando você diz que tem que distribuir e que o que vai ser distribuído vai ser taxado, acho que é um pouco mais complicado”, explica o CEO da Turing.
No projeto de lei encaminhado ao Congresso, a equipe econômica do governo diz que a tributação sobre fundos imobiliários atribui “um tratamento mais próximo do adotado para outros tipos de fundos”.
Para o consultor, a justificativa não é totalmente coerente, uma vez que existem exceções que não foram mencionadas pelo governo. “Um fundo de debênture incentivada é isento de IR. CRIs e CRAs são isentos de imposto, mas agora vai se tributar fundos imobiliários que investem nesses ativos? Não faz muito sentido para mim”, considera. “Esse é um ponto polêmico e que tende a ser revisto, na minha opinião.”
No relatório da XP, os analistas também avaliam negativamente a medida. “Caso seja aprovada, a proposta é negativa, pois muitos investidores preferem essa classe de ativos para utilizá-la como fonte de renda mensal sem impostos”, explicam.
No dia em que o projeto de lei foi apresentado, o IFIX, índice de fundos de investimento imobiliários da B3 registrou queda de 2,13%. Todos os 96 FIIs que compõem o índice ficaram no negativo na data. “Taxar uma distribuição de aluguel pode comprometer todo o desenvolvimento de uma indústria que ganhou uma escala nos últimos cinco, seis anos, mas que ainda é muito pequena comparada ao mercado de ações”, diz Chede.
Para o consultor, a intenção do governo de manter o capital produtivo nas empresas pode acabar se perdendo no conjunto geral de mudanças. “No fim das contas, está se reduzindo a alíquota, ao se fixar uma única, nas aplicações mais básicas [renda fixa e fundos de investimento], que não são necessariamente produtivas, e está se tributando aquelas que vão direto para a economia real. Para mim, gera um pequeno desequilíbrio”, avalia.
“Pode passar a percepção de que é mais interessante investir em renda fixa novamente. Da forma como foi arquitetada [a proposta], penaliza mais aqueles que vão para a economia real e beneficia, diminuindo a alíquota, aqueles que são investimentos de dívida”, diz o sócio da Turing.
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