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Sistema tributário

Como Congresso e governo “acabaram” com o plano para cortar incentivos fiscais

incentivos fiscais
O ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre defendeu a redução de inventivos fiscais. Mas a meta de cortar metade dos benefícios não será alcançada. (Foto: Washington Costa/Ascom/ME)

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O plano do governo federal para reduzir gradualmente os benefícios tributários terá efeito praticamente nulo para os cofres federais. O programa foi desidratado por "blindagens" feitas pelo Congresso — que proibiu cortes nas principais desonerações — e pela pouca disposição do Executivo em atacar as demais renúncias. O presidente Jair Bolsonaro, além disso, avisou nesta quinta-feira (11) que vai prorrogar a desoneração da folha de salários, um dos poucos benefícios que tinham data para acabar.

Criados por iniciativa do Parlamento ou do próprio Executivo ao longo das últimas décadas, os incentivos fiscais são reduções de tributos concedidas a determinados grupos de empresas ou pessoas. Segundo a Receita Federal, todos os anos o governo abre mão de arrecadar cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB).

O problema é que historicamente a generosidade com alguns contribuintes acabou sendo compensada por aumento nos tributos cobrados dos demais. O governo, afinal, tem despesas elevadas para bancar: os gastos federais passavam de 19% do PIB antes da pandemia. Um agravante é que quase não há estudos para avaliar quais os resultados dos incentivos. Não se sabe o quanto (e se) eles aumentam a geração de emprego e renda, como costumam afirmar seus defensores.

Paulo Guedes afirmava, ainda antes de assumir o cargo de ministro da Economia, que esses benefícios deveriam ser encerrados ou reduzidos ao mínimo possível. Chegou a fazer referência a eles em seu discurso de posse, em janeiro de 2019: "Será que a classe política já é madura o suficiente para assumir o protagonismo, para assumir o comando do Orçamento da União, votar mais saúde e educação? Pode ser até mais do que está hoje, mas corta onde? Diminui os subsídios. Não somos uma fábrica de desigualdades? Não demos R$ 300 bilhões de desonerações fiscais?", disse na ocasião.

A disposição de atacar as desonerações foi formalizada em uma proposta de emenda à Constituição — a PEC Emergencial — na qual o Executivo sugeria que o montante dos benefícios fiscais fosse reduzido pela metade, para o máximo de 2% do PIB em oito anos.

Uma vez aprovada a PEC Emergencial, o governo teria seis meses para enviar ao Congresso um plano estabelecendo como seria o corte dos benefícios. A aprovação da PEC ocorreu em março, quando ela foi convertida na emenda constitucional 109. Em troca da almejada redução dos incentivos fiscais, a emenda autorizou o governo federal a prorrogar o auxílio emergencial em 2021 por meio de créditos extraordinários — isto é, endividamento público — e fora dos limites do teto de gastos.

Cumprindo o cronograma estabelecido na PEC, o governo enviou em setembro o Plano de Redução Gradual de Incentivos e Benefícios Fiscais. Porém, ele não cortará os benefícios fiscais pela metade, como se pretendia, em razão de manobras do Congresso e, posteriormente, de uma "conta mágica" feita pelo Executivo para não ter de atacar para valer as desonerações.

Agora, em vez de cortar os benefícios pela metade até 2029, o governo propõe uma redução de apenas 6% no total de renúncias. Além disso, a desoneração da folha de pagamentos, que seria encerrada ao fim deste ano — tanto que nem foi considerada no plano de cortes do governo para 2022 em diante — caminha para ser renovada.

O Congresso tem um projeto para renová-la até 2026, e o presidente Bolsonaro anunciou que o benefício será prorrogado por dois anos. Estima-se que esse incentivo tributário custe aproximadamente R$ 9 bilhões por ano.

O resumo da história é que, para poder se endividar e pagar o auxílio emergencial fora do teto de gastos, o governo federal se comprometeu a promover uma forte redução nas renúncias fiscais. Porém, se por um lado o auxílio já foi quase todo pago, por outro o corte nos incentivos — se ocorrer — será irrisório. Ao mesmo tempo, um benefício que iria acabar em 2021 e por isso nem foi incluído no programa de corte será renovado por pelo menos mais dois anos.

Governo propôs redução de apenas R$ 22 bilhões nas desonerações

Segundo estimativas da Receita Federal, em 2022 o governo deixará de arrecadar R$ 371,1 bilhões por causa dos benefícios fiscais, que o órgão chama de "gastos tributários". No plano que enviou ao Congresso, o governo propôs uma redução de apenas R$ 22,4 bilhões nas desonerações até 2029.

Em setembro, quando o plano foi enviado ao Congresso, o então secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, admitiu que o corte ficou menor que o esperado. "É um plano que tem potencial de redução de gasto tributário de até R$ 25 bilhões, ficou menor do que a gente imaginava. A gente imaginava que poderia chegar a R$ 150 bilhões”, disse Funchal, que em outubro pediu demissão após a manobra do governo para mudar a regra do teto de gastos.

Além de o plano de redução de incentivos ser muito menor que o plano inicial, especialistas são pouco otimistas quanto às chances de que ele avance no Congresso, especialmente porque a proposta mira incentivos ligados à educação, cultura e esporte. Oficialmente, o governo espera que os cortes passem a valer já a partir de 2022, mas não tem articulado pelo avanço do projeto nem fala dele publicamente.

Governo entende que precisa cortar apenas 0,06% do PIB em incentivos fiscais

O esvaziamento do programa de redução de renúncias fiscais foi provocado tanto pelo Congresso quanto pelo Executivo.

Mais propenso a criar incentivos fiscais e, portanto, refratário à redução ou extinção deles, o Parlamento proibiu — na tramitação da PEC Emergencial — o corte de uma série de benefícios.

Juntos, os benefícios blindados pelo Congresso somam R$ 150,5 bilhões. Trata-se de incentivos relacionados ao Simples Nacional e MEI, entidades sem fins lucrativos, cesta básica, Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio, Prouni e Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Como o Congresso blindou praticamente metade das renúncias existentes, restaria ao Executivo propor o corte de quase todas as demais para, assim, cumprir o objetivo inscrito na Constituição de baixar os benefícios ao máximo de 2% do PIB até 2029.

No entanto, o Executivo preferiu adotar uma interpretação que o livra de fazer esse corte todo. Em vez de considerar que as renúncias fiscais são de 4% do PIB e que portanto seria preciso cortar metade delas, o Planalto excluiu da conta as blindagens feitas pelo Congresso.

O Executivo considerou apenas os incentivos "não blindados" pelos parlamentares, que segundo ele somam 2,06% do PIB, e assim concluiu que é necessário um corte de apenas 0,06% do PIB em oito anos para se chegar ao máximo de 2% do PIB em incentivos.

"Portanto, excluindo-se do montante global de benefícios e incentivos de natureza tributária os valores referentes àqueles apartados do cálculo pelo § 2º do art. 4º da Emenda Constitucional 109, de 2021, verifica-se que o montante total de gastos tributários com benefícios e incentivos de natureza tributária a ser considerado neste plano de redução gradual representa R$ 157,45 bilhões ou 2,06% do PIB", explicou o governo em nota. "Dessa forma, para se chegar à meta de 2%, ao final de 8 anos, seria necessário reduzir em aproximadamente 0,06% do PIB ou, no mínimo, R$ 4,21 bilhões", prossegue o comunicado.

"O governo acabou fazendo uma mágica interessante", avalia Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas. "Quando anunciou que ia fazer um corte, a expectativa era muito grande. Mas o corte final acabou ficando muito pequeno. A montanha pariu um rato, e ele não vai sobreviver quando isso tramitar no Congresso Nacional. O governo foi encolhendo esses valores para algo que provavelmente nem irá acontecer", diz o economista.

Cortar as renúncias fiscais costuma ser difícil porque em geral elas beneficiam grandes empresas ou setores com poder de lobby, ou então porque afetam temas politicamente sensíveis, de cunho social – caso da isenção de impostos da cesta básica, por exemplo.

Quais incentivos fiscais deixarão de existir

Para o primeiro ano de vigência, o plano propõe um corte de R$ 15,8 bilhões em benefícios. O valor só chegaria aos R$ 22,4 bilhões até 2029 com a não renovação de outros incentivos tributários que têm data para acabar. São pelo menos 20 benefícios fiscais com prazo determinado. Desses, sete terminam em 2022, quatro em 2023, oito em 2024 e um em 2025.

E mesmo essa meta pouco ambiciosa pode não ser atingida. Isso porque os benefícios que têm prazo determinado podem, mais adiante, ser renovados por iniciativa do Congresso ou do próprio Executivo, como ilustra a questão da desoneração da folha, que em tese terminaria no fim do mês que vem. Criado em 2011, no governo de Dilma Rousseff (PT), esse benefício tem sido sucessivamente renovado desde então.

Se o PL for aprovado, os seguintes incentivos não serão mais renovados a partir dos próximos anos:

  • Incentivos fiscais para atividades de caráter desportivo (permitem que patrocínios e doações para a realização de projetos desportivos e paradesportivos sejam descontados do IRPF e IRPJ);
  • Incentivos fiscais para importação ou compra no mercado interno de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos para incorporação ao ativo imobilizado, softwares e insumos;
  • Incentivos fiscais para aplicação de recursos em pesquisa e desenvolvimento;
  • Incentivos fiscais para reinvestimento no Banco do Nordeste do Brasil S/A;
  • Incentivos fiscais para investimentos na produção de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de produção independente;
  • Incentivos fiscais para importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos, para incorporação no ativo permanente e utilização em complexos de exibição ou cinemas itinerantes, bem como de materiais para sua construção;
  • Incentivos financeiros a empresas montadoras e fabricantes de veículos automotores, instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que apresentem projetos que contemplem novos investimentos e pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos ou novos modelos de produtos já existentes; e
  • Incentivos fiscais na importação de itens destinados à industrialização de produtos automotivos.

Também serão revogados benefícios relacionados às operações de venda de gás natural e de carvão mineral, produtos químicos e farmacêuticos, importação de materiais e equipamentos, inclusive partes, peças e componentes, destinados ao emprego na construção, conservação, modernização, conversão ou reparo de embarcações e papéis destinados à impressão de periódicos.

Na proposta, o Executivo também se vale da lista de benefícios já previstos para serem revogados a partir de 2022 se a reforma do Imposto de Renda (PL 2337/21), que está em discussão no Senado, for aprovada.

Por causa das blindagens feitas pelo Congresso na apreciação da PEC Emergencial, o governo não poderá mexer em seis benefícios fiscais:

  • Simples Nacional e MEI;
  • entidades sem fins lucrativos;
  • incentivos fiscais relativos à cesta básica;
  • Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio;
  • produtos da cesta básica; Prouni; e
  • fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Modelo de incentivos aprofunda desigualdades, diz Tesouro

Em nota, o Executivo afirmou que "o Plano de Redução Gradual torna o sistema tributário mais justo e simples ao eliminar distorções, reduzir benefícios que não atingem finalidades relevantes para a sociedade e encerrar regimes tributários considerados obsoletos".

Um estudo realizado pelo Tesouro Nacional, intitulado "Os Efeitos dos Gastos Tributários Federais sobre o Federalismo Fiscal Brasileiro", afirma que a atual estrutura de divisão das renúncias e transferências da União "não favorece a diminuição das desigualdades regionais, ao contrário, trabalha para aprofundá-la".

Ainda segundo a análise, a eliminação de gastos tributários só pode ser considerada se acompanhada de reduções de outros tributos para evitar aumento da carga tributária total. "Não se recomenda a simples eliminação dos gastos tributários, já que se reflete em elevação de tributos com repercussão negativa em toda a economia", diz.

"Esse tipo de subsídio existe no mundo inteiro, não é uma jabuticaba. Mas [no exterior] eles são concedidos temporariamente para fortalecer determinados setores e, depois, são retirados", explica Castello Branco, da Associação Contas Abertas. "No Brasil, infelizmente, é possível contar com a benevolência do próprio Congresso para que os benefícios sejam criados, mas por trás de cada um deles há tem sempre um CNPJ famoso."

Em outro relatório, publicado em 2018, o Tesouro Nacional apontou que 53% das renúncias fiscais não têm um órgão gestor. “E, quando possuem, este órgão tem natureza mais direcionada à execução do programa do que à avaliação de sua eficiência e efetividade”, afirmava o texto.

Segundo o Tesouro, a presença de um órgão gestor facilita a observação dos resultados da renúncia tributária e permite sua contínua avaliação. Outro problema é que nenhum dos incentivos fiscais federais tem metas específicas. Na melhor das hipóteses, a legislação menciona objetivos genéricos como, por exemplo, “estimular a formalização de firmas”, em vez de especificar qual é o índice esperado e o que será feito caso ele não seja atingido.

Quais são os incentivos fiscais do governo federal em 2022

Confira a seguir a lista dos incentivos fiscais de 2022 e a estimativa de renúncia fiscal com cada um deles, segundo a Receita Federal. A relação está no Demonstrativo de Gastos Tributários que foi anexado ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano que vem:

  • Simples Nacional- R$ 81,8 bilhões
  • Agricultura e Agroindústria - R$ 47,5 bilhões
  • Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio - R$ 45,6 bilhões
  • Rendimentos Isentos e Não Tributáveis – IRPF - R$ 36,6 bilhões
  • Entidades Sem Fins Lucrativos - Imunes / Isentas - R$ 27,4 bilhões
  • Deduções do Rendimento Tributável – IRPF - R$ 24,2 bilhões
  • Benefícios do Trabalhador - R$ 17,6 bilhões
  • Medicamentos, Produtos Farmacêuticos e Equipamentos Médicos - R$ 13,1 bilhões
  • Desenvolvimento Regional - R$ 11,7 bilhões
  • Poupança e Títulos de Crédito - Setor Imobiliário e do Agronegócio - R$ 10,6 bilhões
  • Informática e Automação - R$ 7,6 bilhões
  • Setor Automotivo - R$ 7,2 bilhões
  • Pesquisas Científicas e Inovação Tecnológica - R$ 5,9 bilhões
  • Embarcações e Aeronaves - R$ 5,4 bilhões
  • MEI - Microempreendedor Individual - R$ 4,2 bilhões
  • Biodiesel - R$ 2,9 bilhões
  • Prouni - R$ 2,6 bilhões
  • Financiamentos Habitacionais - R$ 2,3 bilhões
  • Cultura e Audiovisual - R$ 2,2 bilhões
  • Reidi - R$ 1,5 bilhão
  • Petroquímica - R$ 1,3 bilhão
  • Fundos Constitucionais - R$ 1,3 bilhão
  • Livros - R$ 1,2 bilhão
  • Cadeira de rodas e aparelhos assistivos - R$ 1,0 bilhão
  • Termoeletricidade - R$ 809 milhões
  • Padis - R$ 774 milhões
  • Horário Eleitoral Gratuito - R$ 738 milhões
  • Investimentos em Infraestrutura - R$ 729 milhões
  • Transporte coletivo - R$ 631 milhões
  • Fundos da Criança e do Adolescente - R$ 559 milhões
  • Máquinas e Equipamentos – CNPq - R$ 551 milhões
  • Gás Natural Liquefeito - R$ 470 milhões
  • Doações a Instituições de Ensino e Pesquisa e Entidades Civis Sem Fins Lucrativos - R$ 414 milhões
  • Seguro Rural - R$ 363 milhões
  • Fundos do Idoso - R$ 339 milhões
  • Incentivo ao Desporto - R$ 330 milhões
  • Rede Arrecadadora - R$ 324 milhões
  • Minha Casa, Minha Vida - R$ 291 milhões
  • Dona de casa - R$ 243 milhões
  • Motocicletas - R$ 165 milhões
  • Água Mineral - R$ 140 milhões
  • Retid - R$ 76 milhões
  • Promoção de produtos e serviços brasileiros - R$ 55 milhões
  • ITR - R$ 52 milhões
  • Automóveis - Pessoas com deficiência - R$ 50 milhões
  • Táxi - R$ 49 milhões
  • Aerogeradores - R$ 48 milhões
  • Transporte Escolar - R$ 46 milhões
  • Programação - R$ 37 milhões
  • Indústria Cinematográfica e Radiodifusão - R$ 12 milhões
  • Recine - R$ 5 milhões
  • Evento Esportivo, Cultural e Científico - R$ 2 milhões
  • TI e TIC - R$ 669 mil

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