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Os brasileiros vão comparecer às urnas em outubro em meio a índices de desemprego e inflação provavelmente menores que os atuais e com a economia ainda crescendo, mas talvez em ritmo mais lento. É o que esperam economistas ouvidos pela Gazeta do Povo, mesmo considerando que as expectativas para o crescimento da economia brasileira em 2022 deram uma melhorada nas últimas semanas.
No final de abril, a mediana das expectativas do mercado era de uma expansão de 0,7% no PIB deste ano, segundo o relatório Focus, do Banco Central. Na pesquisa mais recente, divulgada na semana passada, o ponto médio das projeções passou a 1,2%. “Podemos ter até um segundo trimestre melhor que o primeiro. Há um crescimento por inércia”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.
Até agora, os números vêm surpreendendo. O PIB do primeiro trimestre teve um crescimento de 1% frente ao últimos três meses de 2022; serviços vêm se recuperando com força e o desemprego caiu, em abril, para 10,5%, o menor nível desde fevereiro de 2016. Entre janeiro e abril foram criados 770,6 mil postos de trabalho com carteira assinada.
Mas economistas sinalizam que a trajetória mais positiva está ficando para trás, ainda que não haja a perspectiva de uma recessão – queda generalizada da atividade econômica perceptível durante ao menos dois trimestres consecutivos – pelo menos até o final do ano. “A trajetória do segundo semestre vai ser desafiadora”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Juros mais altos e desaquecimento da atividade econômica
Um dos fatores que deve desacelerar a economia brasileira são os sucessivos aumentos na taxa Selic, que atualmente está em 12,75% e provavelmente terá uma nova alta na quarta-feira (15). “A economia vai começar a sentir a política monetária mais restritiva”, diz o economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, Gino Olivares.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Etore Sanchez, avalia que o maior impacto do juro mais alto deverá ser sobre o consumo das famílias, que responde por aproximadamente 65% do PIB.
A expectativa é de que os juros cobrados dos consumidores continuem aumentando. Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), eles passaram de 5,8% ao mês em abril do ano passado para 6,62% no mesmo mês deste ano.
Segundo Vale, da MB Associados, essa alta nos juros impede uma retomada mais forte da economia brasileira. “A desaceleração vai vir de quase todos os lados”, prevê. A agricultura pode ter um desempenho melhor, por causa da safrinha, mas a indústria vai ser duramente impactada.
Além do tradicional efeito defasado da política monetária, dois fatores estariam fazendo a alta dos juros demorar a fazer efeito sobre a atividade econômica: um efeito rescaldo, decorrente da retomada da economia após a pandemia da Covid-19, e outro cultural, decorrente do fato de que o brasileiro convive frequentemente com o juro mais elevado.
O economista da Azimut Brasil avalia que dificilmente outros fatores trabalharão a favor da economia brasileira no segundo semestre. “O investimento será afetado pelo aperto monetário e pelos problemas nas cadeias produtivas. O consumo familiar pode ter um desempenho positivo, porém modesto. O consumo do governo não influenciará por causa da legislação eleitoral. E o ritmo de crescimento das exportações vai perder força por causa do desaquecimento da economia mundial”, diz.
A economista Eduarda Korzenowski, da Somma Investimentos, observa que a indústria está sendo afetada pelos gargalos nas cadeias produtivas, gerados pelos sucessivos lockdowns na China. “O agro pode vir favorável, diante das expectativas de uma boa safrinha, mas o comércio e serviços devem ser afetados pela inflação e pelos juros”, prevê.
Outro fato que vai pesar é que a economia não vai contar, no segundo semestre, com estímulos que a impulsionaram na primeira metade do ano, como a liberação de R$ 1 mil do FGTS e a antecipação do 13.° para os aposentados e pensionistas do INSS.
“São impulsos que contribuíram para favorecer o consumo no primeiro trimestre”, destaca Felipe Sichel, economista-chefe do banco Modal. Ele complementa afirmando que, se a política monetária não ajudou, o contrário aconteceu com a política fiscal.
A expectativa da Tendências Consultoria é de que o PIB do segundo semestre seja 0,2% inferior ao do primeiro. “Mas não acreditamos em recessão”, diz a diretora de macroeconomia da empresa, Alessandra Ribeiro.
Preços podem se acomodar, mas há sinais de alerta
A expectativa é de que os preços comecem a se acomodar no segundo semestre, devido à alta nos juros, explica Eduarda Korzenowski, da Somma. Nos 12 meses encerrados em maio, o IPCA acumula uma alta de 11,73%. Mas a sinalização para o ano é de uma elevação de 8,89 % nos preços, segundo a pesquisa Focus do BC.
Um sinal positivo, segundo a XP Investimentos, é que os preços dos alimentos começaram a ceder, principalmente produtos in natura que tiveram forte alta no início do ano. Outro é que, com a expectativa de enfraquecimento do PIB, haverá desaceleração na alta dos preços dos serviços.
Mais um fator que pode contribuir para a redução na inflação são os subsídios e cortes de impostos programados. A corretora estima que o projeto de lei que limita a alíquota do ICMS de energia, combustíveis, telecomunicações e transporte coletivo pode reduzir o IPCA em 1,7 ponto percentual se a queda do imposto for repassada integralmente ao consumidor.
E também há a discussão de medidas adicionais para conter a alta dos preços no ano. A proposta legislativa de zeragem do ICMS do diesel e do gás de cozinha e do PIS/Cofins sobre gasolina e etanol até o fim de 2022 teria um impacto adicional negativo de 0,71 ponto percentual.
Além do teto do ICMS, outra proposta que deve ajudar a baixar a conta de luz é a devolução de impostos cobrados indevidamente de consumidores, que só depende de sanção do presidente Jair Bolsonaro. A Câmara também aprovou projeto que acaba com o ICMS sobre as bandeiras tarifárias (valores adicionais cobrados na conta de luz), mas, como no momento não há cobrança extra, o efeito não deve ser imediato.
Mas há razões para cautela em relação à inflação. Os preços do petróleo seguem elevados, na faixa de US$ 110 a US$ 120 por barril, um quadro que pressiona preços dos combustíveis e custos de produção e transporte. As projeções da XP para os próximos meses contemplam um reajuste de 10% nos preços dos combustíveis.
Outro agravante é que, com a desaceleração da economia, há uma tendência de desvalorização do real frente ao dólar. Sob influência de fatores externos, como a alta da inflação e a consequente pressão sobre os juros nos Estados Unidos, a moeda norte-americana voltou a subir – nesta segunda-feira (13), a taxa de câmbio emenda o sexto pregão consecutivo de alta, cotada a R$ 5,11 no encerramento do pregão, com valorização de 2,54% sobre o real.
“Este efeito, somado à situação do barril do petróleo, pode fazer com que os impactos esperados das medidas relacionadas ao ICMS dos combustíveis não surtam efeitos”, diz Vale, da MB.
Custos de produção e de transportes também estão em alta. Nos 12 meses encerrados em abril, o Índice de Preços ao Produtor fechou com uma elevação de 18%, de acordo com o IBGE. Aliado à escassez de insumos e matérias-primas, esse cenário contribui para manter a inflação de bens industrializados pressionada.
No mercado de trabalho, ritmo de contratações pode perder força
Os economistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a situação do mercado de trabalho vem se mostrando uma surpresa agradável. Mas ressaltam que, com a desaceleração da atividade econômica, o ritmo de contratações nos próximos meses pode ser mais fraco que o atual.
“Mesmo assim fecharemos o ano com criação de postos de trabalho devido ao bom primeiro semestre”, diz Alessandra Ribeiro, da Tendências.
A XP Investimentos estima que o ritmo de criação de novas oportunidades de trabalho no segundo semestre será mais suave. A expectativa é de que sejam abertos, em média, 75 mil postos de trabalho com carteira assinada por mês, contra 145 mil na primeira metade do ano.
Vale, da MB, projeta que a taxa de desemprego deverá encerrar o ano em um patamar superior a 10%. No ano passado, segundo o IBGE, a taxa em dezembro foi de 11,1%.