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O presidente Jair Bolsonaro voltou à carga contra governadores por causa dos preços dos combustíveis. A questão, novamente, é o tamanho do ICMS, principal tributo estadual.
Na segunda-feira (15), Bolsonaro lembrou que mandou zerar os tributos federais (PIS e Cofins) sobre diesel e GLP, mas que "dezenove governadores aumentaram o ICMS". "Eu baixei o imposto para ficar mais barato o diesel e o gás de cozinha e 19 governadores querem que vocês continuem pagando alto", afirmou.
Os estados não mudaram as alíquotas de ICMS. No caso do diesel, elas continuam variando de 12% a 18% na maioria das unidades da federação, chegando a 25% no Amapá. Mesmo assim, o peso desse imposto no bolso do consumidor ficou realmente mais alto em grande parte do país a partir de terça-feira (16).
Isso porque os estados alteraram a base de cálculo, ou seja, o valor sobre o qual o imposto é cobrado. Esse valor, que não é necessariamente igual ao que o motorista paga, foi elevado pela maioria das unidades da federação na última revisão quinzenal, que acaba de entrar em vigor. O que deu margem para a acusação feita por Bolsonaro e para reações de governadores como o paranaense Ratinho Junior.
A confusão toda tem a ver com a forma de cálculo do ICMS. Que é bem diferente da cobrança de PIS e Cofins. As regras são antigas, mas costumam voltar ao centro do debate sempre que os preços estão em alta.
Como é a cobrança de PIS e Cofins do combustível
PIS e Cofins, de competência da União, têm valor fixo. Até o fim de fevereiro, eram cobrados R$ 0,33 a cada litro de diesel vendido pelas refinarias, independentemente do preço cobrado pela Petrobras, pelas distribuidoras ou pelos postos de combustíveis.
Mesmo que o preço caísse ou subisse, o valor de PIS e Cofins era sempre o mesmo: R$ 0,33 por litro. Com a decisão do governo de zerar os dois tributos por dois meses a partir de 1.º de março, eles não serão cobrados até o fim de abril.
Como é a cobrança do ICMS do combustível
O cálculo do ICMS, estadual, é mais complexo. O imposto não tem valor fixo; ele corresponde a um porcentual do preço ao consumidor. Assim, quando produto fica mais caro, o valor de ICMS a ser recolhido também aumenta, mesmo que a alíquota do imposto (%) continue a mesma.
Mas há uma peculiaridade aí. Esse preço ao consumidor não é, necessariamente, o valor que o motorista paga na bomba.
Os combustíveis fazem parte do regime de substituição tributária. Os impostos são recolhidos na origem da cadeia – nas refinarias de petróleo ou nas usinas de etanol. Por isso, ao vender o combustível para a distribuidora, a Petrobras já embute no preço todos os tributos.
Como distribuidoras e postos são livres para cobrar o preço que desejarem, a indústria não tem como "adivinhar" quanto o consumidor final pagará por aquele combustível. Para recolher o imposto estadual, a refinaria se baseia em um valor informado pela secretaria de Fazenda de cada estado: o Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final, ou PMPF.
Não importa quanto o diesel, a gasolina ou o etanol vão custar na bomba. A alíquota do ICMS será cobrada sempre sobre o PMPF.
O que é o PMPF, usado no cálculo do ICMS
Em tese, o PMPF acompanha o preço que os consumidores daquele estado estão pagando. É o que dizem as secretarias de Fazenda.
Mas nem sempre o PMPF é um retrato fiel da realidade. Por duas razões principais: 1. os estados têm autonomia para calcular o preço médio de acordo com seus próprios critérios, ou simplesmente arbitrá-lo; e 2. os preços nas bombas variam com mais frequência que o PMPF.
O PMPF é renovado quinzenalmente, em geral nos dias 1.º e 16 de cada mês. Os estados informam os valores para o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que divulga a tabela em seu site e no Diário Oficial da União, com o preço-base que cada estado cobrará pelos combustíveis nos 15 dias seguintes.
Muita coisa pode acontecer nessa quinzena, ainda mais quando há forte variação dos preços do petróleo. Outra questão pode aumentar a defasagem, para mais ou para menos: o PMPF é definido com dias de antecedência. As bases de cálculo em vigor desde terça-feira, por exemplo, foram reveladas uma semana antes, em ato do Confaz com data de 9 de março.
Como o PMPF influencia o preço na bomba
Embora busque refletir o preço que é cobrado na bomba, o PMPF acaba influenciando a formação desse preço, pois o ICMS é um dos principais componentes do valor pago pelo consumidor.
Se o estado estabelece um PMPF elevado, o peso do imposto sobe e inflaciona o produto na bomba. Por outro lado, um valor de referência mais baixo pode reduzir a pressão sobre o preço final.
Mas o valor pago pelo consumidor também depende de outras variáveis, como a cotação do petróleo, o preço do derivado na refinaria, os demais tributos, as margens de lucro da cadeia de produção e comercialização e o grau de concorrência no mercado.
O que ocorreu com o preço na bomba e o PMPF em março
Embora PIS e Cofins sobre o diesel tenham sido zerados no dia 1.º, os preços ao consumidor registraram leve alta na primeira quinzena de março, na média nacional.
Além da liberdade que o mercado tem para definir seus preços, pode ter contribuído para essa variação o fato de que, uma semana após a redução dos tributos, a Petrobras anunciou novo reajuste, de R$ 0,15 por litro. Desde o início do ano, o diesel ficou R$ 0,84 mais caro nas refinarias – um aumento de 43% em dois meses e meio. A retirada de R$ 0,33 em tributos federais apenas amenizou a alta.
Segundo as pesquisas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na semana encerrada em 13 de março os preços médios do diesel em todo o país estavam 1% mais altos que os praticados duas semanas antes, no período encerrado em 27 de fevereiro. Gasolina e etanol subiram mais: 6% e 13%, respectivamente.
O movimento do PMPF foi bem diferente, considerando-se os valores definidos pelos estados para a primeira e a segunda quinzena de março.
No caso de gasolina e etanol, em vários estados o valor de referência para a cobrança do ICMS teve alta similar à observada nas bombas, ou até menor. Mas, para o diesel, quase todos os estados reajustaram a base de cálculo acima da inflação verificada pela ANP no preço ao consumidor.
Em São Paulo, por exemplo, o PMPF do diesel subiu 9,6% entre os dias 1.º e 16. Enquanto isso, o preço na bomba aumentou, em média, 1,2% em duas semanas.
No Rio de Janeiro, a base de cálculo do ICMS definida pela Fazenda local aumentou 8,5%, ante uma alta de 1,9% no preço ao consumidor.
No Paraná, o PMPF subiu 5,6%, enquanto a ANP registrou aumento médio de 2,1% do diesel na bomba.
Em 23 estados, PMPF do diesel é menor que preço médio na bomba
Apesar dos reajustes, o preço de referência para a cobrança do ICMS ainda está abaixo das médias cobradas do consumidor final em 23 estados. Em apenas quatro unidades da federação o novo PMPF do diesel está acima do valor na bomba pesquisado pela ANP (veja aqui a relação completa).
Em São Paulo, o preço médio do diesel ao consumidor era de R$ 4,151 por litro na semana encerrada em 13 de março, segundo a ANP. O PMPF válido desde terça (16) é ligeiramente menor: R$ 4,102.
No Rio, o PMPF em vigor é de R$ 4,161 por litro, enquanto nas bombas fluminenses o combustível saía por R$ 4,24, em média, na semana passada.
No Paraná, a distância entre um e outro é ainda maior. O valor reajustado do PMPF, de R$ 3,75 por litro desde terça, é R$ 0,31 mais baixo que o preço médio nas bombas do estado, que estava em R$ 4,06 na última semana.
Vale ressaltar que os valores informados pela ANP são médias calculadas a partir dos valores cobrados por dezenas ou centenas de postos, dependendo do estado. Por isso, em alguns estabelecimentos o PMPF pode, sim, superar o valor na bomba, ainda que o mesmo não ocorra na média daquele estado.
Governo federal quer mudar cálculo do ICMS
Em meio à escalada dos preços do combustível e da disputa política com governadores, Bolsonaro mandou ao Congresso um projeto para mudar justamente a forma de cálculo do ICMS.
O objetivo é definir uma alíquota única do imposto para o país todo, com valor fixo em reais. Com isso, o tributo não acompanharia a variação dos preços. Mas o projeto não tem previsão de votação no Congresso, e deve enfrentar obstáculos – um dos maiores é a oposição de governadores, que veem nele uma invasão de suas competências.