| Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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Parada desde setembro, quando chegou à Câmara dos Deputados, a proposta de reforma administrativa do governo federal deve voltar a tramitar depois do recesso de carnaval. Na terça-feira (9), o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), encaminhou a matéria à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que será instalada após o feriado.

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Com previsão de mudanças nas regras de contratação, salário e benefícios de servidores públicos, a chamada proposta de emenda à Constituição (PEC) da Nova Administração Pública já era defendida como pauta prioritária por Lira desde a campanha para a eleição na Câmara. Na lista de projetos entregue a Lira e ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), na semana passada, a reforma administrativa também consta como pauta prioritária para o Executivo.

A principal premissa da PEC é a simplificação das carreiras de estado e correção de distorções, como benefícios exagerados ou salários muito diferentes para funções similares. Mas, mesmo com vontade política, a aprovação da proposta tem um longo caminho pela frente. A agilidade na tramitação do texto vai depender inicialmente de quem assumirá a CCJ.

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A deputada Bia Kicis (PSL-DF), apoiada por Lira e pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para vaga, já disse que a reforma administrativa será a primeira proposta pautada na comissão caso seja a escolhida para presidi-la. A parlamentar, porém, enfrenta resistências internas por seu alinhamento com a ala ideológica mais radical do Congresso.

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Após passar pela CCJ, ainda precisará ser analisada por uma comissão especial antes de ser votada em plenário e seguir para o Senado. Além disso, a PEC corresponde apenas à primeira fase da reforma, que ainda dependerá de outras duas, nas quais serão propostas leis ordinárias e complementares para regulamentar os novos dispositivos. E, encerradas essas etapas, os efeitos ainda não serão imediatos: o governo federal optou por não incluir os atuais servidores da ativa nas mudanças. Somente as futuras contratações estarão sujeitas às novas regras para ingresso, promoção e demissão.

A aplicação das regras somente a novos servidores, uma exigência de Bolsonaro, não se alinha à vontade popular. Pesquisa recente do Instituto Ideia Big Data apontou que a maior parte da população defende que a restrição nas regras de estabilidade afete também os atuais servidores da ativa. Apesar disso, a opção do governo é considerada mais fácil de passar pelo Legislativo, que deve enfrentar pressão de grupos em defesa do funcionalismo público.

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Principais pontos da reforma atingem só futuros servidores. E deixam categorias de fora

Conforme o texto encaminhado pelo Executivo, além de valer apenas para novos funcionários públicos, a reforma deixa de fora militares, além de parlamentares, magistrados, membros de tribunais superiores, promotores e procuradores. A explicação do Ministério da Economia é que o Executivo não pode definir normas específicas para membros dos poderes Legislativo e Judiciário. Em relação aos militares, a justificativa foi de que alterações nas carreiras já foram realizadas durante a reforma da Previdência da categoria.

Ao todo, a PEC altera 27 trechos da Constituição e introduz 87 novos, dos quais quatro artigos inteiros. Caso aprovada, o chamado regime jurídico único dará lugar a cinco tipos de vínculo com o estado:

  • os cargos típicos de estado, considerados indispensáveis para a existência ou representação do poder público e que não encontram correspondência no setor privado;
  • os cargos de liderança e assessoramento, que substituem os atuais cargos de confiança;
  • os servidores com vínculo de prazo determinado;
  • os contratados por prazo indeterminado; e
  • os com vínculo de experiência, regime que precederá o ingresso nos cargos típicos de estado e nos contratos por prazo indeterminado.

Uma das principais mudanças diz respeito à estabilidade no serviço público, que, conforme o texto, passará a ficar restrita a cargos típicos de Estado. A definição de quais carreiras se enquadrariam na classificação ficaria a cargo de regulamentação dos entes federativos. O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) considera que entram no grupo funções relacionadas às atividades de fiscalização agrária, agropecuária, tributária e de relação de trabalho, arrecadação, finanças e controle, gestão pública, comércio exterior, segurança pública, diplomacia, advocacia pública, defensoria pública, regulação, política monetária, inteligência de estado, planejamento e orçamento federal, magistratura e o Ministério Público.

Atualmente, a demissão de um servidor público concursado só é possível por processo administrativo disciplinar (PAD), decisão judicial transitada em julgado e por insuficiência de desempenho, mas o último caso, previsto na Constituição, até hoje não foi regulamentado. O governo promete apresentar, em uma próxima fase da reforma, projeto de lei com previsão para essa situação, além de outras hipóteses de desligamento para as carreiras sem estabilidade.

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Ficariam extintos benefícios como anuênio, que aumenta o salário do servidor em 1% por ano, reajustes salariais retroativos, licença-prêmio, férias superiores a 30 dias por ano, aposentadoria compulsória como modalidade de punição, redução de jornada sem redução correspondente de remuneração, progressão ou promoção exclusivamente por tempo de serviço, entre outros. Embora já extintos na esfera federal, várias desses dispositivos estão previstos em alguns entes federativos.

Outra mudança importante diz respeito às atribuições do chefe do Executivo. De acordo com o texto, o presidente da República poderá extinguir órgãos e entidades, como ministérios, autarquias e fundações, sem a necessidade de passar pelo Congresso Nacional. A autonomia se estende a mudanças na estrutura do Executivo Federal, desde que não impliquem em aumento de despesa ou na interrupção ou não cumprimento de serviços prestados. A criação de órgãos ou entidades ou alterações que impliquem em aumento de espessa continuará a depender de aprovação do Legislativo.

Objetivo é desengessar gestão de pessoas no serviço público

O objetivo do governo federal com a reforma administrativa é modernizar a máquina pública, reduzindo custos para o Estado e aumentando a eficiência dos serviços prestados à população. “Apesar de contar com uma força de trabalho profissional e altamente qualificada, a percepção do cidadão, corroborada por indicadores diversos, é a de que o Estado custa muito, mas entrega pouco”, diz o ministro da Economia, Paulo Guedes, na justificativa da PEC.

“A estrutura complexa e pouco flexível da gestão de pessoas no serviço público brasileiro torna extremamente difícil a sua adaptação e a implantação de soluções rápidas, tão necessárias no mundo atual, caracterizado por um processo de constante e acelerada transformação”, prossegue.

Segundo estudo do Instituto Millenium divulgado no ano passado, o Brasil gastou cerca de R$ 930 bilhões com servidores públicos federais, estaduais e municipais em 2019, o equivalente a 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano. O gasto correspondeu ao dobro das despesas com educação e a 3,5 vezes as despesas com saúde.

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Um relatório do Banco Mundial de 2019 concluiu que o alto gasto do setor público brasileiro com folha de pagamento se deve principalmente ao alto valor da remuneração média, e não ao número de servidores. O estudo apontava a dificuldade de governança em razão de um complexo sistema de cargos e salários, composto de 300 carreiras diferentes, organizadas não apenas por atividade, mas por órgãos de governo, além de 117 tabelas de progressão salarial e 179 rubricas de gratificação.

O estudo, que é citado por Guedes na justificativa da PEC, aponta ainda que cerca de 26% dos atuais servidores terão se aposentado até 2022. Considerando o período até 2030, a estimativa é de que 40% do atual quadro do funcionalismo público estará inativo.

“As projeções indicam, nesse cenário, que, em 2030, cerca de um quarto da folha de pagamentos do governo federal será para pagar servidores que ainda serão contratados”, afirma o ministro. “Assim, imperativo se levar a cabo, nesta oportunidade, o projeto de transformação que o Estado indubitavelmente necessita, com vistas ao alcance dos objetivos ora propostos.”

População é favorável às mudanças propostas

Encomendado pelo movimento Livres, de viés liberal, o estudo do Instituto Big Data, cujo resultado foi divulgado neste fim de semana, revelou que sete em cada dez entrevistados são favoráveis à avaliação de desempenho de servidores públicos.

Prevista na reforma idealizada pelo Executivo, a avaliação seria a base para aumentos salariais, por exemplo, com o fim das progressões automáticas na carreira com base no tempo de serviço, como ocorre hoje na maior parte dos casos. Esse é um dos poucos pontos previstos no texto, aliás, que afeta também os servidores da ativa.

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