Ouça este conteúdo
Com tramitação finalizada no Congresso Nacional, o projeto de lei complementar (PLP) 18 está pronto para a sanção da presidência da República. Quando se tornar lei, o texto instituirá um teto nas alíquotas do ICMS incidentes sobre energia e combustíveis, numa tentativa de segurar os preços e aliviar a pressão inflacionária a quatro meses das eleições.
Na prática, o teto representa desoneração, uma vez que hoje não há limitação para o ICMS cobrado desses itens, tratados como supérfluos. O PLP 18 (que lista também telecomunicações e transporte público) passa a classificar os bens e serviços citados como essenciais, limitando, assim, a cobrança do imposto à alíquota modal de cada estado, que é a média praticada e que varia entre 17% e 18%. Definida estado por estado, a alíquota para alguns desses itens hoje ultrapassa 30% em alguns casos e deverá ser reduzida imediatamente após a sanção.
A proposta proíbe a fixação de alíquotas superiores ao teto, mas inclui mecanismo que tenta evitar compensações por meio da alta de cobranças que já sejam menores do que o máximo indicado. Será permitido reduzir o imposto abaixo do patamar da alíquota modal, mas as mesmas não poderão ser majoradas após a publicação da futura lei.
Num exemplo prático em relação à energia elétrica: alguns estados tem alíquotas diferenciais, cobrando mais ICMS para consumos intensivos e menos para usos de interesse público. A trava busca impedir que o estado, ao ser obrigado a reduzir a cobrança no primeiro caso, tente compensar a perda elevando a alíquota incidente no segundo.
O texto final do projeto passou por uma série de alterações em face do original, apresentado na Câmara, recebendo emendas de modo a acomodar cobranças dos estados, incomodados com perdas de arrecadação, e interesses do governo federal para fazer avançar a medida. Após as votações na Câmara e no Senado, confira como ficou o teto do ICMS:
Estados serão compensados pela queda de arrecadação com o ICMS
A regra que prevê limitação da alíquota do ICMS incidente sobre combustíveis, energia, telecomunicações e transportes garante compensação aos governos estaduais pela renúncia fiscal que será imposta com o teto no imposto. A União vai cobrir parcialmente as perdas até 31 de dezembro de 2022, ainda que a desoneração seja permanente.
A apuração das perdas a serem compensadas pelo governo federal se dará com base no ICMS total arrecadado (o ICMS global). A compensação será devida quando for verificada queda superior a 5% na comparação com a arrecadação do exercício anterior, de 2021; quaisquer perdas de receita menores do que o índice indicado serão absorvidas pelos estados. A exceção é para estados em regime de recuperação fiscal, que serão compensados integralmente por perdas de arrecadação.
Segundo o texto, as compensações abrangem perdas ocorridas durante todo o ano de 2022. Uma correção dos valores pelo IPCA do período chegou a ser incluída pelo Senado, mas acabou retirada na votação final.
Para estados que têm dívidas com a União, as compensações serão realizadas por meio de deduções nas parcelas da mesma. Nos casos em que os estados não tenham dívidas junto ao governo federal, a compensação se dará a partir de 2023, com o uso da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) ou por meio de transferência para a União do pagamento de parcelas de empréstimos contratados com outros credores.
De modo a garantir que os municípios também sejam contemplados, o texto prevê que a compensação recebida pelos governos deve ser repassada às prefeituras de modo proporcional à cota-parte do ICMS a que elas têm direito, que é de 25% conforme a Constituição Federal.
O texto que seguiu para sanção presidencial garante, ainda, complementação de receitas para que não haja prejuízo dos pisos constitucionais da saúde e da educação e dos recursos formadores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Independentemente das regras criadas no que tange a compensação, a União será obrigada a ressarcir estados e municípios que não conseguirem cumprir as aplicações mínimas em razão das perdas provocadas pela entrada em vigor do teto do ICMS.
Desonerações temporárias para gasolina, etanol e gás natural
Além do teto para o ICMS, o projeto prevê outras desonerações para combustíveis. Até 31 de dezembro serão reduzidos a zero o PIS/Cofins e a Cide incidentes sobre gasolina e etanol, inclusive importados. A venda ou importação do gás natural veicular também terá alíquota zero de PIS/Cofins, PIS/Pasep-Importação e Cofins-Importação pelo mesmo período.
A novidade amplia desonerações temporárias dos mesmos tributos estabelecidas em maio pelo governo federal para óleo diesel, biodiesel, gás de cozinha, gás derivado de petróleo, gás natural e querosene de aviação. Essas isenções foram definidas em medida provisória.
Segurança jurídica para gestores públicos
Em atendimento a preocupações dos governos estaduais e dos municípios, a proposta afastou a aplicação de alguns dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentária e da Lei de Responsabilidade Fiscal para o ano de 2022. Assim, estados, municípios e os respectivos agentes públicos não poderão ser responsabilizados administrativa, civil ou criminalmente pelo descumprimento de uma série de regras, limites e metas vinculadas em caso de irregularidades que sejam decorrentes da perda de arrecadação provocada pelo teto do ICMS para combustíveis, energia, transporte público e comunicações.
Ficarão de fora, por exemplo, a proibição de se contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro do mandato e obrigação do contingenciamento após avaliação sobre insuficiência de receita em face das despesas para cumprimento das metas de resultado primário ou nominal.
Tentativa de solução para o impasse sobre o ICMS do diesel
A proposta que trata do ICMS máximo de 17% para os quatro segmentos traz ainda previsão sobre a base de cálculo do diesel até o final do ano de 2022, numa tentativa de resolver a polêmica jurídica envolvendo a União e os estados. O texto elimina a possibilidade de que decisão do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) estabeleça alíquotas para o diesel em formato diferente das previsões determinadas por lei complementar aprovada em março.
Foi justamente uma alteração conquistada pelos estados junto ao Confaz que rendeu a apresentação de uma ação direta de inconstitucionalidade pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal. Nela, o governo federal cobra que os estados cumpram previsões legais para o cálculo do ICMS a partir da derrubada de uma decisão que driblou as regras estabelecidas na legislação para fixar uniformidade das alíquotas do imposto sobre combustíveis praticadas país afora.
Os estados estabeleceram alíquota única junto ao Conselho Nacional, o que deixaria para trás o modelo em que cada unidade federativa estabelece o índice cobrado, mas uma autorização para que eles adotassem instrumentos de equalização tributária acabou por anular os efeitos nas bombas de combustível. O trecho inserido no PLP 18 veda esse tipo de manobra.
Dúvidas quanto à baixa nos preços e queda de braço sobre a arrecadação
Estimativas citadas pelo relator do projeto da lei complementar no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), dão conta de que a limitação nas alíquotas do ICMS tem potencial para baratear o preço do litro da gasolina em R$ 1,65 e em R$ 0,76 o diesel. Os impactos práticos no valor cobrado nas bombas, entretanto, não podem ser considerados garantidos, o que embasou a crítica mais repetida nos plenários da Câmara e do Senado.
Em entrevistas à Gazeta do Povo durante a tramitação da lei no Congresso, economistas destacaram que a desoneração pode não alcançar os consumidores. Segundo o economista-chefe da EQI Investimentos, Stephan Kautz, "a dúvida é se esse repasse vai ser 100% na conta do consumidor ou se ele tende a se perder ao longo da cadeia". Como exemplo, Kautz citou os postos de combustíveis, que trabalham hoje com margens de lucro mais enxutas nos últimos meses e poderiam aproveitar a desoneração para recompor parcialmente essas perdas.
Outra ameaça à redução nos preços dos combustíveis é a defasagem acumulada no diesel e na gasolina frente aos preços de importação, cuja paridade é observada pela Petrobras na formação de preços. Reajustados pela última vez em maio e abril, respectivamente, o diesel e a gasolina estariam defasados em 15% e 20% e uma nova alta pode engolir os efeitos do ICMS menor.
Em nota divulgada nesta quarta-feira (15), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) convocou gestores municipais a monitorarem os preços praticados nos postos antes e depois da mudança da alíquota do ICMS "a fim de verificar se essa redução de fato chegará à população brasileira". Também esta semana, a Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava) classificou as medidas que vêm sendo adotadas como "temporárias e ineficazes" e apontou provável greve dos caminhoneiros caso o preço do diesel volte a subir.
Apesar da incerteza sobre as eventuais quedas nos preços, as desonerações devem ter efeito prático no alívio da inflação. Cálculos preliminares da XP Investimentos são de queda de 2 pontos percentuais no IPCA do ano, levando-se em consideração os efeitos combinados do PLP 18 e da PEC que promete zerar temporariamente impostos federais sobre combustíveis até dezembro de 2022. A má notícia é que o fim das medidas transitórias pode levar a uma nova alta inflacionária com a virada para 2023.
Efeito certo da nova lei é a queda na arrecadação de estados e municípios, que tem no ICMS sua principal fonte de receita. As estimativas sobre as perdas financeiras variam de R$ 53 bilhões, nos cálculos do Tesouro, até R$ 113 bilhões, nas projeções mais pessimistas dos representantes dos governos.
A avaliação que prevaleceu após as negociações no Congresso é de que os cofres públicos estão em bom momento e podem suportar a desoneração sem maiores comprometimentos. Tese defendida pelo núcleo econômico do governo Jair Bolsonaro aposta no redirecionamento do dinheiro que não será mais usado pelos consumidores para comprar combustível ou energia para outros bens e serviços não atingidos pelo teto no ICMS, fazendo com que a arrecadação sofra menos do que o esperado pelas gestões locais.
Mais projetos miram escalada nas contas e na inflação
As duas Casas do Congresso têm dado prioridade a propostas que miram a contenção da escalada de preços, especialmente dos combustíveis e da energia elétrica.
Na Câmara, foi aprovada uma série de projetos que impede a incidência do ICMS sobre o adicional que acompanha as bandeiras tarifárias na conta de luz, obriga Petrobras e outros agentes do mercado de petróleo a divulgar valores dos componentes que determinam o preço final pago pelo consumidor e limita reajuste na tarifa de energia elétrica de modo a ressarcir consumidores por bitributação praticada pelas distribuidoras.
Na esteira do PLP 18, o Senado aprovou também a PEC dos Biocombustíveis, que ainda precisa passar pelo crivo dos deputados. A proposição nasceu do objetivo de se preservar a competitividade dos biocombustíveis em face da desoneração generalizada aos combustíveis (inclusive os fósseis) que será promovida com a entrada em vigor do teto de 17% no ICMS.
A PEC em questão permite a criação de mecanismo para que se estabeleçam benefícios fiscais para fontes limpas de energia por ao menos 20 anos, com regime diferenciado para Cofins e PIS/Pasep (recolhidos pela União) e ICMS (de responsabilidade dos estados). O regramento ainda deverá ser detalhado em projeto de lei específico.
Para a próxima semana, a expectativa é de apresentação de outra proposta de emenda à constituição, a PEC dos Combustíveis, que dará autorização aos estados para promover mais desonerações em complemento aos esforços para reduzir o preço dos combustíveis. A tramitação começará pelo Senado. A previsão é de alíquota zerada do ICMS para óleo diesel, gás natural e gás de cozinha (ou GLP) e de redução a 12% do ICMS para etanol hidratado combustível. As medidas seriam válidas até 31 de dezembro de 2022. Neste caso, o governo federal já prevê compensação aos governos estaduais que aderirem à medida, até o limite de R$ 29,6 bilhões.