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O acirramento da tensão na Praça dos Três Poderes após os discursos de Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 7 de Setembro deve dificultar ainda mais a aprovação das reformas administrativa e tributária. Mesmo com o recuo do presidente em relação aos ataques que fez ao Supremo Tribunal Fedral (STF), o abalo provocado na relação do governo com as bancadas do Legislativo é difícil de se reverter, avaliam analistas.
“O mercado deixou de esperar que as reformas saiam no governo Bolsonaro e já está operando com essa realidade”, afirma o cientista político Márcio Coimbra, presidente da Fundação Liberdade Econômica. Para ele, a nota divulgada pelo chefe do Executivo na quinta-feira (9) não muda o quadro. “As declarações do presidente desgastaram muito a base, o que certamente acaba levando a um problema na votação das matérias no Congresso.”
A queda de 3,75% no Ibovespa e a alta de 2,84% no dólar no “day after” do 7 de setembro são amostras de como os operadores do mercado financeiro receberam as falas do mandatário. Foi a maior desvalorização do real ante a moeda norte-americana desde 24 de junho de 2020. Já o principal índice da B3 não caía tanto desde 8 de março.
“Os avanços na agenda de reformas e privatizações no Congresso vão ser mais difíceis à medida que as atenções se voltam para a crise política”, destacaram os estrategistas da XP Investimentos Fernando Ferreira e Jennie Li, em relatório publicado na quarta-feira (8).
No dia seguinte, poucos minutos após a divulgação da “Declaração à Nação” de Bolsonaro, o Ibovespa reverteu a tendência de baixa e fechou o pregão em alta de 1,72%. O dólar, por sua vez, encerrou o dia com queda de 1,84%.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, avalia que, embora o efeito seja mínimo, o recuo de Bolsonaro foi um bom sinal. “Trata-se do início de uma reconsideração que, pelo menos, pode voltar a trazer à mesa perspectivas sobre reformas. Ainda que diminutas, neste momento se afastam do 0% de chance de avançarem”, apontou em relatório a clientes.
Para Mehanna Mehanna, sócio-fundador da Phi Investimentos, ainda que tenha sido recebida pelos investidores como uma sinalização positiva, a carta de Bolsonaro não traz um perspectiva mais animadora em relação à aprovação das reformas. “Esses movimentos demonstram o quanto o mercado está sensível, até carente, eu diria. Dias de grandes ruídos, seja para cima, seja para baixo, mostram muito o fator comportamental, muito mais do que de fundamento”, explica.
“Esse morde-e-assopra reforça o quanto está imprevisível lidar com o Brasil. Se essa nota com apoio do [ex-presidente Michel] Temer vai ser colocada em prática, é cedo para dizer. Eu torço para que sim, mas sinceramente não tenho grandes convicções.”
A visão do economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, vai na mesma linha. “O papel dos governos, além de todas as obrigações institucionais derivadas de sua natureza, é também dar segurança à economia real de que o futuro ocorrerá ‘sem ruídos’, e esta segurança na economia real se reflete na volatilidade dos ativos de mercado. Por isso a demanda dos investidores por reformas estruturantes, segurança jurídica, desburocratização e respeito às instituições, pois são os elementos cruciais a alimentar um cenário de estabilidade” , disse o economista em relatório divulgado nesta sexta-feira (10).
“A carta redigida a quatro mãos ontem [quinta-feira, 9] contém sinais importantes, após um longo período de tensões institucionais, e ela parte da presidência, ou seja, da autoridade máxima do país. Agora precisamos que ela seja cumprida”, avalia Vieira.
Lira afirma que mantém agenda reformista na Câmara
Na Câmara estão em tramitação a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa e o projeto de lei que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), considerada a primeira etapa da reforma tributária. Ambos os textos, encaminhados pelo Executivo, enfrentam resistência das bancadas de oposição.
Em tom apaziguador, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou na quinta-feira (9), que vai manter a pauta reformista, reiterando a votação da reforma administrativa na comissão especial na próxima semana.
O maior obstáculo para as matérias, no entanto, deve ser o plenário. Os discursos do dia 7, que incluíram a ameaça de descumprimento de ordens judiciais, repercutiram mal entre as bancadas de deputados e senadores. Na quarta-feira (8), o PSDB aprovou, por unanimidade, integrar formalmente a oposição a Bolsonaro, por considerar que o presidente cometeu crime de responsabilidade em suas falas.
Parlamentares de legendas como DEM, PSL, PSD, MDB, Solidariedade, Cidadania e até mesmo do PL, partido que integra o núcleo do Centrão, se manifestaram publicamente a favor da abertura de um processo de impeachment do presidente.
No mesmo dia, deputados já contabilizavam a desidratação das pautas governistas como resultado dos atos. “Conversando com lideranças partidárias da base do governo, chego à conclusão de que temos um impasse: Bolsonaro perdeu a maioria (257), o que significa que não governa mais. Porém, ainda não há os 342 necessários para o impeachment”, disse Kim Kataguiri (DEM-SP).
No Senado, que recebeu na semana passada o projeto de reforma do Imposto de Renda, o clima para aprovação de pautas governistas é ainda menos favorável. Ainda antes do 7 de setembro, a Casa já mostrava sinais de desalinhamento com o Executivo, com a rejeição da chamada minirreforma trabalhista.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que já se manifestou contra a tramitação da reforma tributária em etapas, como foi levada a cabo em acordo entre governo e Lira, ainda cancelou as votações desta semana após os atos do 7 de setembro. Oficialmente, alegou questões de segurança, mas a decisão foi interpretada como um recado a Bolsonaro sobre a discordância em relação aos discursos nos atos de Brasília e São Paulo.
“A gente já não vinha de um clima muito amistoso ou de coesão. A partir do momento em que se eleva o tom no discurso, se aumenta a crise institucional que já existia e se incita uma briga entre Poderes, naturalmente passa a ser maior a dificuldade de aprovar qualquer mudança estrutural, como reformas, privatizações, uma agenda mais liberal para a economia”, diz Mehanna.
“Outro aspecto negativo no âmbito das reformas é que os atos do 7 de Setembro foram simbólicos no sentido de oficializar que a campanha eleitoral já começou. Isso tira ainda mais o foco de reformas e de outras propostas relevantes, em razão dessa preocupação em relação ao que atrai mais votos. Esse clima fomenta mais medidas populistas, e para se fazer reformas estruturais tem que tomar medidas que em certa medida são impopulares”, explica o sócio da Phi Investimentos.