A guerra na Ucrânia está tendo mais reflexos na indústria do que a valorização do real frente ao dólar. E o impacto, segundo o gerente executivo de economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles, é duplo: de um lado há os efeitos econômicos causados pela alta nas commodities; do outro, há a pressão nas fábricas causadas pelo aumento dos custos industriais.
As commodities aumentaram, em média 50,15%, nos últimos 12 meses, segundo a Bloomberg. “Isto tem contribuído para aumentar as expectativas de inflação aqui no Brasil e ao aumento nas taxas de juro. As consequências são o desaquecimento da atividade econômica e o aumento nos custos de financiamento”, diz Telles.
Os custos industriais subiram 20,05% nos 12 meses encerrados em fevereiro, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O fornecimento de insumos, cuja expectativa de regularização era esperada para o segundo semestre, também deve ser afetada pela guerra.
Dois insumos são os que mais preocupam a indústria. Os microchips tendem a continuar em falta nos próximos meses, já que a Rússia é um importante produtor de minerais usados na fabricação dos semicondutores. E segue em dúvida o fornecimento de insumos para fertilizantes, especialmente os potássicos, que têm os russos e Belarus, principal aliado deles no conflito, como principais exportadores.
Com isso, a expectativa é de um crescimento menor na economia mundial. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que, neste ano, o PIB global vai aumentar 4,9%.
“Segmentos mais intensivos em energia estão entre os que mais devem ser afetados”, afirma Telles. Entre eles, estão o siderúrgico, o de máquinas e equipamentos e o de alumínio. O automobilístico deve ser impactado pelo problema dos microchips e o agronegócio, pelos fertilizantes.
A valorização do real deve ter impactos mistos sobre a indústria, explica Telles. Do início do ano até esta segunda-feira (4), a taxa de câmbio caiu mais de 17%. “O movimento do real deixa as exportações menos competitivas, mas ajuda a reduzir o impacto [nos custos] causado pela alta nos preços das commodities.”
Outra fonte de preocupação que vem do câmbio é a volatilidade. Neste ano, a taxa oscilou entre R$ 4,60 e R$ 5,70. “Isto dificulta muito o planejamento das empresas”, ressalta o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
"Sinal amarelo" está ligado na indústria de máquinas e equipamentos
A indústria de máquinas e equipamentos observa com atenção o movimento de valorização do real frente ao dólar e o desenrolar da guerra entre Rússia e Ucrânia.
“O sinal amarelo está ligado. O câmbio pode atrapalhar as previsões feitas antes do início do conflito militar”, diz o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso.
O segmento projeta para este ano um crescimento de 6% em relação a 2021, com 3% de expansão no mercado interno e 15% no externo. Porém, no primeiro bimestre houve uma queda de 3,9% na receita líquida anual, comparativamente ao mesmo período do ano passado, aponta a entidade.
Segundo Velloso, a valorização do real foi maior do que se esperava. Ao mesmo tempo, ele reclama que não houve redução do chamado "custo Brasil". "Falta reformas, os juros aumentaram e o crédito está caro."
Ele também reclama dos recentes cortes do imposto de importação (II) para bens de capital e de tecnologia da informação e comunicação. “Deveria ter sido algo para todos os segmentos. Causou surpresa.”
Velloso lembra que as cadeias produtivas das máquinas e equipamentos são longas, abrangendo diferentes segmentos. “Absorvemos todo o custo Brasil mais o nosso”, afirma o dirigente empresarial. Ele diz que a medida adotada pelo governo federal diminuiu apenas o II da ponta e não de toda a economia.
“O recado que o governo passa é que o Brasil não quer que se agregue valor aos seus produtos. Padecemos de um processo de desindustrialização precoce. O país prefere proteger o início da cadeia produtiva”, afirma.
O segmento de máquinas e equipamentos, segundo a Abimaq, responde por 15% do desempenho da indústria de transformação, 17% do consumo de matérias primas e 15% dos empregos.
Diretamente, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia não tem produzido efeitos sobre o setor, já que o Brasil não é um grande exportador de máquinas e equipamentos para os países envolvidos no conflito. Mas, indiretamente, os impactos já começam a ser sentidos. Fornecedores de aço já informaram que vão reajustar o preço do produto.
Indústria têxtil sofre com o algodão mais caro em dez anos
Outro setor que também ainda não sentiu os impactos da guerra, mas vem sendo afetada pela alta nos custos é o têxtil. O algodão está com os preços mais elevados em dez anos, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. Nos últimos 12 meses, as cotações aumentaram 75,1%.
Mas não foi só o algodão que impactou negativamente o setor. Outros itens, como os fretes, também estão pressionando. Nos 12 meses encerrados em fevereiro, os custos tiveram uma alta de 23,38%, aponta o IBGE.
Segundo Pimentel, essa alta está pressionando o caixa das empresas, que sentem a falta de capital de giro. “Há dificuldade para repassar essa alta e quem sofre mais são as marcas mais focadas na baixa renda. Em alguns casos, há a redução de turnos de trabalho.”
O andamento da guerra também está no radar do setor. O temor é de que, se o conflito se alongar, as perspectivas de crescimento da economia mundial diminuam, afetando as exportações do setor.
Alta nos preços da energia preocupa indústria de revestimentos cerâmicos
A principal preocupação da indústria de revestimentos cerâmicos é com a alta nos preços da energia. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos (Anfacer), 40% dos custos são formados por gás e energia elétrica. “No ano passado também tivemos o problema da escassez hídrica”, lembra o presidente da entidade, Benjamin Ferreira Neto.
A alternativa para evitar o repasse tem sido absorver os impactos e cortar margens. Segundo ele, a valorização do real está colaborando ao tirar pressão de alguns custos internos, como o papelão e as embalagens.
O segmento, que exporta 13% da sua produção, não acredita que vá ser prejudicado pelo real mais forte. “Nossos principais mercados são as Américas e, como as commodities estão em alta, há perspectivas de um crescimento maior na região, o que favorece o segmento. Também facilita os investimentos, porque deixa mais em conta as importações de equipamentos”, diz o dirigente.
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