| Foto: DOUG CHAYKA/NYT

Algumas semanas atrás, depois de o Facebook revelar que dezenas de milhões de contas de seus usuários haviam sido expostas em uma brecha de segurança, fiz uma pergunta simples às pessoas dentro e fora da indústria de tecnologia: Mark Zuckerberg deveria continuar à frente do Facebook?

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 Vou poupá-los do suspense. Quase todo mundo achava que Zuckerberg ainda era o homem certo para o trabalho, se não o único. Isso incluiu pessoas que trabalham no Facebook, seus ex-funcionários, analistas financeiros, capitalistas de risco, ativistas céticos em relação à tecnologia, críticos fervorosos da empresa e seus defensores mais ferrenhos. 

 O consenso foi este: mesmo que Zuckerberg – como fundador, executivo-chefe, presidente e maior acionista do Facebook – tenha assumido grande parte da responsabilidade pela história recente e desastrosa da empresa, só ele seria capaz de consertá-la. 

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 Mais de um de seus apoiadores me disse que não fazia sentido nem mesmo abordar o assunto, porque a importância de Zuckerberg era tão óbvia que a única razão que eu poderia ter para perguntar se ele ainda deve conduzir a empresa era a repercussão que eu teria com este artigo. Nem mesmo os críticos estavam muito entusiasmados com a ideia de remover Zuckerberg. Barry Lynn, diretor executivo do Open Markets Institute, uma organização que combate monopólios, argumentou que os problemas do Facebook se originaram de seu modelo de negócio e do vácuo legal e regulatório em que opera – não do homem que o dirige. 

 "Para ser franco, se tirássemos Mark Zuckerberg e o substituíssemos por Mahatma Gandhi, não acho que a corporação mudaria de forma significativa", disse Lynn. 

Baixo nível de responsabilização 

O fato de que poucos conseguem imaginar um Facebook sem Zuckerberg, de 34 anos, mostra o baixo nível de responsabilização ao qual nossas maiores empresas de tecnologia chegaram. Zuckerberg, graças a seu próprio brilhantismo e determinação, tornou-se uma das pessoas não eleitas mais poderosas do mundo. Como uma empresa de petróleo errante ou uma companhia alimentícia que enche seus produtos de açúcar, o Facebook toma decisões que geram enormes consequências para a sociedade – e houve muito lucro com o caos. 

 No entanto, por causa da estrutura de controle do Facebook – na qual as ações de Zuckerberg têm o poder de voto dez vezes maior que o das ações ordinárias –, ele é onipotente, basicamente não tendo que prestar contas a ninguém. 

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 Isso se encaixa em um padrão. Nas últimas duas décadas, as maiores empresas de tecnologia criaram um sistema em que seus executivos quase não sofrem as consequências, pessoais ou financeiras, por seus erros. As grandes do setor transformaram seus fundadores em peças vitais – quando suas companhias estão indo bem, eles levam todo o crédito; quando começam a ir mal, são os únicos heróis que podem resolver o problema. 

 Há outra maneira de colocar isso: para o bem ou para o mal, Zuckerberg tornou-se grande demais para falhar. 

 Os problemas do Facebook não atingiram o nível de ilegalidade que vimos no Uber, mas têm consequências muito maiores. Além das contas invadidas, a rede social está envolvida em uma ameaça global à democracia, incluindo seu papel como vetor da desinformação russa durante a eleição presidencial americana de 2016. 

 Investigadores das Nações Unidas disseram que o Facebook foi instrumental no genocídio em Mianmar, e também está ligado à violência na Índia, no Sudão do Sul e no Sri Lanka. Houve escândalos de privacidade (como o caso da Cambridge Analytica mais recentemente), escândalos publicitários (com anúncios discriminatórios e métricas duvidosas), vários inquéritos federais e uma admissão de que o uso do Facebook pode ser prejudicial para a saúde mental. 

 Mesmo que Zuckerberg tenha se desculpado e prometido inúmeras vezes que iria corrigir o Facebook, as correções muitas vezes precisam ser corrigidas. Recentemente, repórteres mostraram que a última tentativa da empresa de reprimir propaganda política não funcionou – a Vice News comprou anúncios do Facebook afirmando falsamente que foram "pagos" pelo vice-presidente americano Mike Pence e pelo Estado Islâmico. 

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Portanto, com esses tipos de falhas, outra pergunta pode ser feita: por que nenhuma cabeça rolou no Facebook? Embora tenha havido algumas deserções notáveis – os cofundadores do WhatsApp, do Instagram e do Oculus, todas elas empresas compradas pelo Facebook, saíram nos últimos meses –, os executivos mais leais de Zuckerberg estiveram com ele em todas as circunstâncias, boas ou más, muitos por mais de uma década. 

 As mudanças vão dar certo?

Se o Facebook admite agora que seus problemas foram causados por uma cultura idealista e veloz, e se a empresa agora aventa a hipótese de que sua cultura deve mudar, como podemos ter certeza dessa mudança se a maioria das pessoas que administra a rede social permanece a mesma? 

 Os apoiadores de Zuckerberg argumentaram que ele demonstrou uma capacidade profunda de compreender e abordar os problemas. Depois que a empresa abriu seu capital em 2012, o preço de suas ações permaneceu estável por meses, porque não havia planos para ganhar dinheiro com a mudança dos consumidores para dispositivos móveis. 

 "Mark dizia que levou muito tempo para entender a importância do celular – mas, quando isso se tornou óbvio, compreendeu a gravidade da situação e sabia como corrigi-la", disse Don Graham, ex-membro do conselho do Facebook e ex-editor do "Washington Post". "Ele mudou a direção da empresa com uma rapidez incrível, em detalhes, não por uma ação, mas por 20 – e se você examinar os números trimestre por trimestre para ver qual porcentagem das receitas do Facebook estava vindo dos dispositivos móveis, é inacreditável a velocidade com que ele fez isso." 

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 A questão no Facebook agora é se Zuckerberg consegue, da mesma forma, achar uma solução para seus problemas atuais. Ele disse que consertar o Facebook foi o seu desafio pessoal para 2018, mas há sinais de que a cultura da rede social permanece a mesma. 

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 Vejamos a promessa de que um novo dispositivo para uma central doméstica, o Portal, recentemente divulgado, não iria reunir informações dos usuários que poderiam ser usadas em anúncios. A empresa teve de recuar rapidamente, porque o sistema de coleta de dados do Facebook é tão complexo que mesmo alguns de seus funcionários parecem não compreendê-lo. 

 "Acho que ele já mostrou que falhou nos últimos dois anos, e a razão disso é porque nunca é responsabilizado. Em um cenário onde os acionistas e os membros do conselho tivessem mais influência, fica difícil imaginar que não haveria mudanças mais rápidas", disse Sandy Parakilas, ex-funcionário do Facebook e atual chefe de estratégia do Centro de Tecnologia Humana, uma organização ativista. 

 Uma das mudanças possíveis seria dar maior poder para o conselho. A empresa de investimento Trillium Asset Management recentemente apresentou uma resolução acionária, apoiada por vários fundos estatais, pedindo que Zuckerberg deixasse o cargo de presidente do Facebook, mas sem perder o controle majoritário de votos. 

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 "Acho que renunciar à posição no conselho é uma mudança estrutural muito importante, e ele não seria completamente livre para impor suas decisões", afirmou Jonas Kron, vice-presidente da Trillium. 

 Um porta-voz do Facebook disse que a empresa ainda não havia se posicionado a respeito da resolução. No passado, medidas semelhantes foram vetadas por Zuckerberg e seus aliados. 

 O que temos então é o seguinte quadro: ou Zuckerberg corrige o Facebook, ou não haverá correção. Essas são as opções, quer você goste ou não. 

 

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